foto de Lara Rocha
Era
uma vez uma grande cidade, onde viviam milhares de pessoas. Todos os dias era
uma grande agitação…um movimento louco de carros que passavam a alta
velocidade, famílias que saiam a correr de casa com os filhos. Havia fumo e
nuvens no ar, gritos dos vendedores na rua, que tentavam vender os seus
produtos…roupas, bugigangas, guarda-chuvas, gorros, luvas, meias, chapéus e
boinas…e frutas, legumes frescos nas bancadas dos pequenos supermercados que
haviam nas ruas, buzinas de condutores desesperados nas intermináveis filas de
carros que eram obrigados a parar por causa dos semáforos, aviões ruidosos e
pessoas que quase chocavam umas com as outras, mal se olhavam e não sorriam…não
olhavam para o que se passava à sua volta, só para o relógio, e falavam ao
telemóvel a gritar nervosos. Nesta agitação toda…esquecem-se que chegou uma
nova época…uma nova estação do ano…o Outono. Uma menina abre a janela, quando
se prepara para ir para a escola e grita:
-
Mãe…chegou…!
- Quem,
filha…?
-
A princesa Outono!
–
Áh…está bem! Deixa-a estar. (murmura a mãe) Deve ser alguma boneca de algum desenho
animado…
–
Olha, Mãe, e veio com o vestido das folhas.
– Quem?
–
A princesa Outono.
– Sei lá quem é essa…! - resmunga a mãe
–
Olha para a janela. Está aqui, mesmo diante dos nossos olhos.
– Imagina o que quiseres, mas não me leves
contigo para esse teu mundo de fantasia. - responde a mãe, zangada
–
Óh mãe…porque é que estás a falar assim comigo?
– Despacha-te…! Ainda tenho que te levar à Avó…lá podes
continuar a imaginar o que quiseres. - grita a mãe
–
Ai, Mãe…estás tão má.
– Deixa-te de conversas, e veste-te rápido ou vai
de pijama…! - grita a mãe, nervosa
- Estás tão nervosa…!
- E tu ainda me estás a irritar mais, com tanta
conversa, a perder tempo a olhar para a janela, e a imaginar
coisas…despacha-te…tens dois minutos. - grita a mãe quase a explodir
–
Eu vou a pé…! Vai…para o teu trabalho, se ele é mais importante que eu! Eu
estou a mostrar-te coisas bonitas, para ires mais bem-disposta para o teu
trabalho, mas tu não queres ver, só queres gritar comigo.
A mãe não responde, mas fica pensativa, e vai arrumar o resto das coisas em
silêncio. A menina veste-se e arranja-se sozinha, triste.
– Tomas
o pequeno-almoço na Avó, está bem?
–
Sim, está bem…vai lá para o teu trabalho…sempre trabalho, sempre trabalho,
sempre trabalho…! Um dia destes acabo com o teu trabalho.
- Sem
trabalho não te posso alimentar. - responde a mãe
–
Mas não alimentas o meu coração triste. - suspira a menina
– O quê?
–
Sim, a Avó é que diz que o coração também precisa de ser alimentado…! Com amor,
com carinho, atenção, sorrisos, abraços…e tu não me dás nada disso…! Só pensas
em trabalho…
A mãe fica sem resposta. Estaciona o carro em cima do passeio, em frente à casa
da sogra, e larga a menina, chateada, sem lhe dar a mão, e sem dizer nada. Toca
á campainha e aparece a Avó da menina, ainda nova.
– Bom Dia…! - Cumprimenta a Avó sorridente
– Ela não tomou o pequeno-almoço…estou com muita
pressa, e ela ainda se pôs a empatar-me com historinhas e invenções de
princesas Outono, e vestidos não sei quê…! Ature-a…até logo. - responde a mãe, de forma seca e agressiva
– Bom
Dia de trabalho… e vai com calma a conduzir. - recomenda a Avó
– Para
si que não trabalha é fácil… - responde agressiva
A Avó não responde, e fica triste, a menina ainda mais.
–
Mãe… - chama a menina
– O que é que foi…? Que chata. - grita a mãe nervosa
–
Bom Dia…amo-te mãe…até logo. - diz a menina de forma ternurenta e sincera
A mãe entra no carro e não lhe responde, nem olha mais para ela. A menina
desata a chorar, muito desiludida e triste. A Avó também fica triste, abraça a
neta, e acaricia-a.
- Óh Avó…a minha mãe não quer saber de mim…não me
ama…não ouve o que eu digo…só pensa no trabalho, no trabalho…é só trabalho…! - diz a menina a chorar
– Claro
que te ama, filha, mas está preocupada com outras coisas. - diz a Avó igualmente triste
– Eu pensei que era a coisa mais importante para
ela…! - lamenta a menina a chorar
– Não és
a coisa…és a pessoa mais importante para ela!
– Não sou nada…
–
Olha…vamos tomar o pequeno-almoço. Aquilo passa-lhe. - Sugere a Avó
A menina entra muito triste, com a Avó. As duas preparam o pequeno-almoço, a
menina sempre a chorar.
– Sabes
quem chega hoje? - pergunta a Avó
–
A princesa Outono, com os seus vestidos de folhas…!
– Sim, é mesmo…! - sorri a Avó
–
Eu já a vi hoje, mal abri a janela. E mostrei-a à minha mãe, mas ela nem
olhou…nem reparou…mandou calar-me, e arranjar-me depressa…e disse que eu estava
a imaginar…aquelas coisas todas, feias…! - desabafa a menina
– Mas tu viste a princesa, e isso é o que importa. - diz a Avó a sorrir
–
Sim. Óh Avó…porque é que a minha mãe é tão má?
– Ela
não é má…está só um bocado…cansada e nervosa…mas aquilo passa-lhe!
– Não gosto nada de ver a minha mãe assim. diz a menina
–
Olha…um dia ela vai lembrar-se de ti…
–
Eu só queria que ela também alimentasse o meu coração, como tu, o Avô e as tias
fazem…!
- Sim, essa alimentação é muito importante, mas a outra…esta
do pequeno-almoço e outras, são ainda mais…! E para isso, ela tem de trabalhar.
– E nunca tem tempo para mim. - lamenta a menina, triste
– Vais
ver que daqui a uns tempos…ela vai ter tempo para ti. Mas podes ter a certeza
que ela ama-te muito. - garante a Avó
–
Não acredito.
– Sabes
que festa vem aí?
– A festa da folha! - diz a menina com um grande sorriso
– Isso mesmo. Temos de ver se o teu vestido do ano passado
ainda te serve…mas quase de certeza que não…! - diz a Avó a sorrir
– Ai, Avó…tem de servir, se não…como é que eu vou
à festa? - preocupada
– Óh rapariga…se não te servir, faz-se outro…qual
é o problema?! - diz a avó às gargalhadas
– Mas dá tempo? - pergunta a menina, preocupada
– Claro que dá! - diz a Avó a rir
– Gosto tanto desta festa! E as tias vão? - comenta a menina a sorrir
– Vão, de certeza que sim (sorri).
- Boa…! As minhas tias preferidas…Adoro-as…! - diz a menina feliz
– Sim, elas também te adoram…mas uma mais que a outra. (ri)
– Eu sei! Ela também é a minha preferida…mas não digas às
outras. Olha, e vais fazer os sumos, e os bolos?
– Sim, é
mesmo, já me estava a esquecer…ajudas-me? - pergunta a Avó
– Claro, Avó.
A Avó e a neta tomam um belo pequeno-almoço, enquanto conversam sobre vários
assuntos, e riem. No fim vão experimentar os vestidos e fazem uns ajustes,
divertidas. A cidade é muito agitada, mas tem uma festa muito bonita, todos os
anos, e muito típica: a festa da folha. Nessa festa, a cidade não dorme. Dia e
noite, no fim-de-semana, há muita música por todo o lado, danças, os carros são
desviados do centro, e as ruas são apenas para as pessoas, que se vestem e
desfilam com lindos vestidos, saias, capas…feitos de folhas misturadas: umas
são amarelas, outras vermelhas, outras castanhas, outras verdes, e outras de
cores misturadas. Além destas lindas roupas, come-se e bebe-se frutos da
época…bebe-se sumo de uvas brancas, uvas pretas, uvas bordo, uvas roxas, uvas
azuis escuras, que são muito deliciosas, vinho branco, vinho tinto…outras
pessoas gostam de as comer a partir dos cachos enormes. Come-se romã, melancia,
sumo de amoras, e de outras frutas.
Há sopa de cabaço, de abóbora, caldo-verde,
cabrito, vitela, frango, batatas fritas, arroz de feijão, arroz de legumes,
saladas frescas de pepino, alface, azeitonas, salpicão, chouriços, pão caseiro,
broa.
Para a sobremesa, há bolos de noz, de amêndoas, de castanhas, castanhas
assadas, pipocas, espigas de milho fritas, e muitas outras delícias da Terra.
Mas uma festa não tem só comida e bebida…também, tem muita dança,
cantares…gargalhadas, abraços, beijos…reencontros, encontros românticos,
namoricos…muita brincadeira, muitas folhas que decoram os locais, pelo chão, e
nas paredes, ou troncos...junto de poemas alusivos ao Outono, algumas
escorregadelas, concursos, e prémios.
Todos festejam até amanhecer, até porque
na segunda-feira não há aulas. Embora a menina já estivesse mais calma, e mais
contente com a Avó…decide escrever uma carta ao presidente do trabalho da
mãe.
Uma carta onde diz ao presidente, a sua tristeza com ele, por ter a sua mãe
tanto tempo no trabalho, e estar a dar cabo dela! Falou-lhe nos gritos e nos
nervos da mãe, disse-lhe que ficava muito triste, porque o seu coração não era
alimentado, e ela ficava doente muitas vezes por causa disso…Disse tudo o que
sentia, e convidou-o para ir à festa da folha.
Pediu-lhe que reduzisse as horas
de trabalho, a carga de trabalho, e que até pusesse umas horas por dia, para
terminar mais cedo, e poder estar com ela. Aconselhou-o a fazer o mesmo, para
que os filhos dele, não passassem o sofrimento que ela estava a passar…e falou
na importância que ela achava que tinham os pais para as crianças. Pediu à Avó
que lesse, e que corrigisse. A Avó fica comovida com as palavras da neta.
– Muito bem, filha…muito bonita!
– É o que eu sinto mesmo, Avó.
– E está muito bem.
–
Sabes onde é o trabalho da mãe?
– Sim.
–
Então…vamos lá deixar essa carta…! Pode ser?
– Está bem…! - ri à gargalhada
A menina vai com a Avó ao trabalho da mãe, e entrega à secretária do chefe.
–
Eu quero vê-la entregar a carta, nas mãos desse vampi (interrompe) … quer dizer…desse
senhor. - diz a menina
A secretária pega na carta da menina, muito intrigada, e leva-a com ela pela
mão.
–
Sr. Dr.…tenho uma carta para si. - anuncia a secretária
–
É você…? É médico…? - pergunta a menina
– Não…não sou médico. Não podem entrar aqui
crianças…! - responde o presidente, surpreso
–
Eu disse, mas… - diz a secretária
–
Parece que quer ser despedida. - comenta o Presidente
A menina larga a mão da secretária, pega na carta, e avança em direção ao
Presidente, a olhá-lo fixamente nos olhos.
– Não vai ser despedida coisa nenhuma…fui eu que
quis entrar, e esta carta fui eu que escrevi! É para si…seu monstro
vampiresco, ladrão de mães… - diz a menina firme, e zangada
– O quê…? Sua pirralha…fora daqui já…vai para o
infantário. - grita o presidente, nervoso
– Eu ando na escola primária. Eu respeito os mais
velhos, mas você não merece qualquer respeito…! Olhe muito bem nos meus olhos…e
leia a carta! Era só o que faltava! - responde a menina, zangada
–
Achas que eu não tenho mais o que fazer…? - pergunta o presidente
– Leia a carta…e olhe bem para os meus olhos… - grita a menina, como se fosse uma mulher adulta
–
Mas o que é que tem os teus olhos…? São escuros… - diz o presidente
–
O senhor tem filhos…? - pergunta a menina
–
Sim, tenho…
–
Não parece…! Então quando ler, lembre-se deles…eles também lhe dizem isso.
–
Mas que raio… - resmunga o presidente, nervoso
–
Na minha frente…! Já…! Agora! Ou quer que o prenda na cadeira e leia eu...? - pergunta a menina, imponente
O Presidente olha a menina de cima a baixo…e ela está muito zangada. Ele lê a
carta, em silêncio, e começa a ficar entalado…com as lágrimas nos olhos, e no
fim chora mesmo. A secretária fica preocupada.
–
Doutor…está bem…? Precisa de alguma coisa…? - pergunta a secretária, preocupada
– Ai…isto nunca me aconteceu antes…traga-me um
copo de água por favor…! - pede o presidente, a chorar
–
E então…? - pergunta a menina
– Eu…não sei o que dizer…estou…sem palavras! - responde o presidente, a chorar
–
Não acha que tenho razão? Eu estou a falar por todos os filhos, de quem
trabalha aqui…e para si ainda mais…! - pergunta a menina
– Óh…! Esta carta…destroçou-me…! - admite o presidente, a chorar
–
E como é que acha que os filhos se sentem…?
– Nunca tinha pensado que seria assim…tão… - responde o presidente a chorar
–
Mau…sim, é mesmo muito mau! (Ele bebe água) O que vai fazer agora…?
– Eu…tenho de pensar…vá…saiam…! - recomenda o presidente
As duas saem, e a menina vai ter com a Avó. A Avó fica muito surpresa.
–
Esta menina…pôs o presidente a chorar…nunca o vi assim…e ela fez com que ele
lesse a sua carta. - comenta a secretária
(Todas
riem)
–
Vamos ver se adiantou alguma coisa…obrigada…até á próxima. - diz a menina a sorrir
- Até à próxima. E apareça nas festas da folha.
As duas voltam para casa. O Presidente ficou tão comovido e tão perturbado, com
a carta da menina, que introduziu uma série de alterações nos horários, e na
forma de trabalhar, que todos os funcionários, incluindo a sua mãe, nunca
souberam porquê, nem como.
Mas adoraram as mudanças, porque passaram a ter muito mais tempo para os
filhos, muito mais calmos.
Quando a mãe percebeu as mudanças no seu trabalho, ficou muito mais calma, pediu desculpa à sua mãe e à filha, por ter ralhado tanto com elas, e pôde finalmente apreciar a festa da folha, a princesa Outono, as cores, os vestidos, brincar com a filha, dançar, ler e contar histórias, desenhar, fazer refeições juntas, passear e trocar mimos, principalmente porque o chefe da empresa da mãe nunca mais foi o mesmo.
Tornou-se mais compreensivo, mais carinhoso, mais delicado, também ele aproveitou muito mais tempo com os filhos, que não cabiam em si de felicidade. tal como a menina.
Até fechou a empresa nos dois dias da festa da
folha, onde todos se encontraram, brincaram, riram, dançaram, comeram, beberam, e divertiram-se.
E
vocês, meninos…também fazem a festa da folha?
Como
recebem o Outono?
O que
comem e o que bebem no Outono?
O que
vêem no Outono?
A vossa
cidade também é como esta?
FIM
Lálá
(3/Setembro/2013)
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