Era uma vez uma Fada e uma Bruxa, que se davam muito mal. Não era pela Fada, porque essa era muito meiga, e simpática, amiga de todos e gostava de ajudar, mas a Bruxa era muito diferente.
Também não era por serem diferentes que se entendiam
mal, mas porque a Bruxa perseguia a Fada e tentava destruir todas as coisas
boas que ela fazia, e muitas vezes conseguia mesmo, porque a Fada não estava em
todo o lado ao mesmo tempo, e a Bruxa era muito esperta…só destruía quando não
estava ninguém para a acusar.
A Fada ficava sempre muito triste com as maldades da
Bruxa, mas deixava-a seguir o seu caminho, e não se metia com ela…apenas…quando
via tudo destruído, voltava a construir, e a Bruxa voltava a destruir.
Desta vez, a Fada plantou umas sementinhas muito especiais,
brilhantes e cheias de luz, nos jardins das entradas das casas por onde passou,
com muito carinho e delicadeza, e um grande sorriso. Uns gatinhos sentiram a
presença da Bruxa, e ficam agitados, começam a miar sem parar.
- Lá estão aqueles
malditos peludos ali! Que maldição…perseguem-me aqueles idiotas…! Mas eu acabo
depressa com aqueles bandidos! – Resmunga baixinho a Bruxa que está escondida
- Cuidado fadinha! – Miam em
coro
- Calem-se insuportáveis…
- Murmura a Bruxa
- Com quê, gatinhos? –
Pergunta a Fada
- Com aquela Bruxa
maldita! – Responde o Gato
- Ááááhhh…que nojo! –
Murmura a Bruxa
- Ela está aí! – Garante a
Gata
- Não a vejo! – Diz a Fada
- Ainda bem…Claro que não
me vês…eu estou bem guardada…ih, ih, ih…! - Murmura a Bruxa
- Nós sentimos a presença
dela. – Diz o Gato
- Estúpidos gatos! Não me
estraguem os planos…vou dar cabo de vocês! – Resmunga baixinho a Bruxa
- Mas fica descansada…nós
tomamos conta das tuas sementinhas. São coisas boas não são? – Pergunta a Gata
- São! Sementinhas muito
especiais.
- Que coisas é que aquele
pirilampo peneirento está a deitar para ali? De certeza que é lixo…coisas
nojentas, horríveis…só pode! Áh! Se eu fosse uma pessoa, corria-a dali à
vassourada! Mas que atrevida! Planta coisas assim…ainda por cima…porcarias! –
Resmunga a Bruxa
A Fada deita as
sementinhas na Terra, cobre-as, rega-as e ilumina-as com os brilhantes das suas
asas para crescerem muito rápido e fortes.
- Áh! Que lindo! – Dizem os
gatos em coro
- E vão ver quando
aparecerem! – Diz a fada a sorrir
- Sonha, sonha…! Que inocente…
Nunca crescerão! – Resmunga a Bruxa
- Vai descansada, Fadinha…as
tuas sementes ficam bem guardadas! – Garantem os Gatos
A Bruxa invejosa, logo que a Fada se afasta vai a cada
jardim, e o seu cheiro é tão mau que afugenta os gatos e todos os animais ou
pessoas que se aproximem… até a pobre Coruja tem de se refugiar no tronco, para
não cair.
Com as suas garras enormes, remexe a terra toda, acompanhada
de gargalhadas estrondosas, cheia de maldade. As sementinhas transformam-se em
cubos de gelo e não aparecem à superfície.
- Que coisas peçonhentas
são estas que ela meteu aqui? Seja o que for, não posso deixar que isto
aconteça…tenho de proteger estas pessoas. Não é que elas mereçam porque estão
sempre a dizer mal de mim, mas se eu as defender destas coisas, de certeza que
vão começar a adorar-me.
Vira costas, toda satisfeita e a rir por ter congelado as
sementes da Fada.
- Maldita! Festeja enquanto
podes, porque muito em breve vais ser descoberta. – Diz a coruja
No dia seguinte, a Fada volta aos jardins e vê o solo
congelado num dia em que esteve muito calor, e toda a terra remexida.
- Lá vem ela! – Murmura a
Bruxa escondida
- O que aconteceu aqui? –
Pergunta a Fada
- Fada querida…foi aquela
maldita! Aquela fedorenta chegou aqui, afugentou os gatos e eu também tive de
me recolher, e remexeu isto tudo. – Confessa a Coruja.
- Claro! Já suspeitava…é
sempre a mesma…porque é que ela não me deixa em Paz?
- Porque ela só sabe ser
má! – Diz a Coruja
- E o que é que eu tenho a
ver com ela? Ela só não é boa porque não quer.
- Ou então porque nunca a
ensinaram a ser boa!
- Ainda está muito a tempo
de aprender.
- Mas porque é que ela só
faz estas coisas comigo?
- Não é só contigo!
- Não pode ver nada bom…! Olha
o que ela fez com as minhas sementes…! E agora?
- Eu vi…ela congelou-as! Remexeu
a terra toda.
- Ih, ih, ih, ih, ih, ih,
ih, ih…foi tão divertido…! Muito melhor que um ginásio! – Murmura a Bruxa a rir
- Que uma toupeira ou
outro animal qualquer fizesse esta asneira, ainda se desculpava…mas ela faz por
maldade!
- Cansei de ser boa…é uma
tristeza, ser boa! Não se ganha nada com isso! – Resmunga a Bruxa baixinho
- Nisso tens toda a razão!
– Diz a Coruja
- Se ela não fosse tão
malvada, eu até lhe podia ensinar a ser boa, mas ela não deixa!
- Que nojo…e quem disse
que eu queria aprender…? Só se eu fosse louca! – Murmura a Bruxa
- Como vou descongelar
isto? – Pergunta a fada
- Com o teu carinho! – Diz
a Coruja
- Nem pensar…ela vai
envenenar a terra! – Murmura a Bruxa zangada
A fada descongela, sorri, e as sementinhas reaparecem.
- São umas sementinhas
muito especiais…acho que vou ficar aqui a noite toda a tomar conta e a proteger
as sementes.
- Eu posso tomar conta,
Fada, desde que aquela maldita não venha com aquele cheiro impossível… vai
descansar.
- Obrigada, mas eu vou
ficar escondida. Quero apanhar aquela maldita em acção para lhe dar uma lição! Não
entendo porque é que ela faz isto comigo! – Diz a Fada
- Para mim, é tudo por
inveja!
- Inveja?
- Sim!
- Ela é mesmo
insuportável.
- Precisa de amor. – Diz a
Coruja
- Talvez…mas ela é que
foge de tudo o que é bom!
- Isso é verdade!
- Uh, Uh uh, uh…Uuuuuuuuuuuuuhhhhhhh…
- Vem a Bruxa
- Lá vem ela… - Murmura a
Fada
- Olá mosquita com
pirilampos colados…estavas a falar em mim, não era…? Ai, que nojenta tão
odiável… - Diz a Bruxa a rir
- Ainda bem que apareceste…precisamos
de ter uma conversa muito séria… - Diz a Fada
- Ui, que medo! – Diz a
Bruxa às gargalhadas
- Cala-te! – Grita a
Coruja
- Olha a felpuda a dar
sinal…Ááááááhhhh…. – Goza a Bruxa
A Fada agarra nos cabelos da Bruxa, enrola-os e puxa-os. A bruxa
grita.
- Ai, isso magoa!
- Para a próxima é muito
pior…aliás as coisas que me fazes, magoam-me muito mais, que um puxar de
cabelos. – Diz a Fada
Ficam frente a frente, olham-se fixamente.
- Porque é que tu me
persegues? – Pergunta a Fada
- Eu não te persigo! –
Garante a Bruxa
- Ai não? Então o que é
isto? Tudo o que me vês fazer, destróis!
- Porque detesto as coisas
boas que tu espalhas por aí…!
- Porquê?
- Porque sou má!
- Porque é que és má?
- Porque nasci assim.
- Porque é que nasceste
assim?
- Porque a minha família é
toda assim.
- Porque é que a tua
família é toda assim?
- Não sei!
- Vocês dão-se bem?
- Não!
- Porquê?
- Porque detestamo-nos!
- Como é possível uma
família detestar-se?
- É! Na minha é possível.
- E tu gostas da tua família
assim?
- Não tenho outro remédio…são
família. Odiamo-nos todos…tenho de os odiar também.
- És feliz nessa família?
- Sou…somos todos!
- E porque é que me
persegues?
- Eu não te persigo.
- Persegues sim!
- Não!
- Então o que chamas a
isto que me fazes? Destróis-me todas as coisas boas que espalho por aí!
- Porque odeio coisas
boas! A minha função é espalhar coisas más!
- E tens conseguido fazer
um óptimo trabalho, porque toda a sociedade tem a tua marca!
- A sério?
- Vê-se à distância!
- (sorri) Mas isso é uma
óptima notícia!
- Não! Não tem nada de
bom, isso.
- Porque não?
- Porque a sociedade anda
mergulhada no mal.
- Isso é maravilhoso! –
Gargalhadas da bruxa
- Tu não tens noção do que
estás a dizer!
- É sinal que eles sentem,
e valorizam a minha presença! Apoiam-me. Pelo menos eles para alguém gostar de
mim.
- Só dizes disparates! A sociedade…as
pessoas estão loucas…tudo funciona pelo mal, com o mal, e para o mal.
- Fantástico! Até me sinto
realizada! – Diz a Bruxa às gargalhadas.
- Cala-te! O planeta está
quase inabitável por tua causa…
- É tão lindo! Eu adoro
ver toda a gente a dar-se mal… - sorri a bruxa
- Desavergonhada! Porque é
que congelaste as minhas sementes?
- Porque é tão divertido
destruir coisas de mosquitos! – Diz a bruxa a rir
- O quê?
- É. Fico tão feliz…temos
de fazer coisas que nos completem e nos façam sentir felizes não é? – Ri a
bruxa
- Tu não prestas mesmo! És
feliz à custa da maldade…! – Diz a Coruja
- Óh! É o primeiro elogio
que recebo hoje! Obrigada.
- Achas isso, um elogio?
- Sim, claro que é um
elogio!
- Como consegues fazer
tanto mal…e ficar feliz com isso?
- Cada um tem o seu papel…o
meu é ser má! E é tão bom! Ficas cheia de inveja não?
- Inveja do mal? Francamente!
Tu… é que tens inveja de quem é bom.
- Eu, inveja de quem é
bom? Que horror! Achas que tenho assim tão mau gosto?
- Porque é que não és má,
com quem também é mau?
- São todos maus!
- Claro, influenciados por
ti!
- Não! São todos…naturalmente
maus, mas infelizmente, a sociedade onde vivem não permite que mostrem as
bruxas e o diabinho que há em cada um… - Explica a Bruxa
- Não faltava mais nada,
todos mostrarmos o nosso lado mau, sempre que queríamos… - Acrescenta a Coruja.
- A sociedade é uma seca! Cheia
de regras, cheias de coisas boas…que nojo! É por isso que eu tento ajudar a
sentirem-se melhor – Resmunga a Bruxa
- E achas que os seres
humanos gostam de ser maus? – Pergunta a fada
- Adoram…mas não são
porque estão proibidos de ser. Que tristeza! – Reclama a Bruxa.
- A tua presença ainda
piora mais as coisas!
- Ai…és mesmo querida! Lhec…que
nojo…é insuportável essa tua doçura.
- Cala-te.
- Áhh…se continuas a dizer
essas coisas tão monstruosas…e feias…eu começo a gostar de ti…- Diz a bruxa a
sorrir
- Até acredito que não
sejas má pessoa.
- Agora ofendeste-me! –
Resmunga a Bruxa
- Que pena! Porque é que
andas sempre atrás de mim, a ver tudo o que faço?
- Porque não gosto de ti. E
tu gostas de mim…tenho a certeza!
- Até podia gostar…
- Também acho que sim! Se não
fosses como és.
- Tu também andas sempre
atrás de mim…
- Convencida. Isso não
quer dizer que gosto de ti. Tenho de te defender da humanidade.
- Eu..é que tenho de
defender…
- Devias ter vergonha!
- Porquê? Eu gosto de mim
assim. Já sei…estás com inveja! Querias que toda a gente gostasse de ti, mas
ainda bem que as pessoas são mais inteligentes, e preferem o mal.
- Áh! É? Achas que sim?
- Tenho a certeza…pelo que
vejo!
- Estás a ver muito mal.
- Não. Eu vejo muito bem!
- Porque é que destróis
tudo o que eu planto?
- Outra vez? Mas que
chata! Já disse…porque odeio tudo o que plantas. Porque tu prejudicas as
pessoas, e só destruindo é que eu posso protegê-las do teu veneno. Tu és um
perigo!
- Tu não tens nada na
cabeça, pois não?
- E depois eu é que estou
a ver mal…claro que tenho! Então não vês? Tenho cabelo.
- Pois…só deves ter isso,
mesmo…
- O que querias que
tivesse mais? Coisas espetadas como tu?
- Antenas…chamam-se
antenas!
- Não gosto disso. – A bruxa
desata a rir
- O que é que tu queres de
mim, óh Bruxa Maldita?
- Nada!
- Nada?
- Nada!
- Então porque é que andas
sempre atrás de mim?
- Outra vez? Já te disse
que é para defender a humanidade de ti.
- Não aceito isso como
justificação.
- Mas é mesmo por isso.
- Queres as minhas
sementes, é?
- As tuas sementes? Estas porcarias
que plantaste aqui? Que nojo…de certeza que são coisas horríveis.
- Não! São sementes de
amor.
- Lhec. Que porcaria! – A Bruxa
estremece
- Nunca conheceste o amor,
pois não?
- Felizmente não! nem faço
qualquer questão de conhecer…deve ser um monstro nojento, pegajoso, horrível!
- Ias adorar conhecê-lo.
- Só quero distância dessa
coisa.
- Então porque as
destróis?
- Porque as odeio! Eu vi
logo que não podia ser coisa boa.
- Alguma vez provaste?
- Essas coisas são de
comer?
- Podem-se comer.
- Felizmente nunca comi…nem
pretendo.
- Mas devias prová-las,
primeiro, antes de as destruir, para ter a certeza que não gostas.
- Eu não preciso de provar
lixo para saber que não gosto.
- Mas estas, faço questão
que as proves.
- Nunca.
- Vá lá!
- Não.
- Sim.
- Não.
- Sim.
- Não.
- Sim.
- Que nervos…já disse que
não…
A Bruxa, com a irritação começa a esgravatar a terra aos
gritos, e come mesmo distraída algumas sementes. A Fada e a Coruja riem. Os gatos
aplaudem a rir. De repente, a Bruxa pára.
- Porque é que paraste? Eu
estava a gostar tanto de te ver…! – Diz a fada a rir
- Não acredito! Acho que
comi…veneno!
- Veneno? Estas sementes
não são veneno. Vão fazer-te muito bem.
- Ai…! – Grita a Bruxa
encolhida
- O que foi? – Pergunta a
Coruja
- Estou a sentir-me muito
estranha! – Diz a Bruxa.
- A sério? Que chatice! –
Diz a Coruja a rir
- Estás a gozar-me? –
Pergunta a Bruxa
- Não. Achas? – Pergunta a
Coruja a rir
- Maldita! – Grita a Bruxa
- São boas, não são? –
Pergunta a Fada a rir
A Bruxa grita, torce-se, enrola-se e explode. Depois da
explosão, transforma-se numa linda e simpática rapariga, que abraça e beija e
fada, a coruja, acaricia os gatos, ajuda a Fada a plantar as sementes,
cantarola e dança com a fada.
- Quem é esta? – Pergunta a
Coruja, surpresa
- É a Bruxa…? – Perguntam baixinho
os gatos
- Será que é uma armadilha
dela fazer-se de boa? – Pergunta a Coruja um pouco preocupada
- É ela…? Mas que mudança!
– Murmura a Fada surpresa
- Acho que sim…a cara é a
mesma! – Diz a Coruja baixinho
- As tuas sementes
resultaram! – Diz a gata a rir
As sementes de amor plantadas pela fada e pela bruxa crescem
lindas, enormes, em todos os jardins, luminosas, e com um perfume que ao entrar
nas casas, faz verdadeiros milagres, na relação entre as pessoas.
Respira-se paz, as pessoas são mais amigas e sorridentes,
carinhosas umas com as outras.
É verdade! A Bruxa estava mesmo
transformada, por ter comido as sementes de amor. Amor…era mesmo o que lhe
faltava na família…por isso é que ela era má também.
Talvez não fosse má porque quisesse, mas porque a ensinaram
desde bebé a ser má, e a conseguir tudo o que queria com o mal dos outros. Isso
acontece em algumas famílias da nossa sociedade, infelizmente, nas quais, em
vez de se ensinar o amor, e o bem…ensina-se o ódio e a maldade!
Nessas casas deveriam ser plantadas as sementes do amor…como
estas, que a Fada e a Bruxa, agora boa, plantaram, depois de ela as ter
provado, mesmo sem querer.
A fada tinha razão…debaixo daquela pele de má, havia na
verdade uma pessoa boa, que estava à espera da oportunidade de encontrar o
momento ideal e a altura certa para se mostrar.
Felizmente encontrou a Fada, e a sua inveja até teve um
bom resultado final. O amor na família faz milagres, transforma e forma as
pessoas que a compõem…mas o mal, se existir, também se mostra na família.
Nós também podemos plantar sementes de amor nas nossas casas,
e noutras…no dia-a-dia, a qualquer momento, através de pequenos momentos e
pequenos gestos de carinho. Ou então, plantamos sementes venenosas, e depois
teremos o que elas derem. É sempre melhor escolhermos sementes de amor.
FIM
Lálá
(24/Junho/2014)