Era uma
vez um comboio pequeno, todo colorido, que nunca antes tinha sido visto a
passar pela floresta. Esse comboio não andava sobre carris, tinha rodas e
andava na terra, mas era um comboio. De dia, o comboio rodava pela
floresta, feliz, a cantarolar, sorria a quem passava e de repente desaparecia,
e voltava a aparecer mais adiante, diferente…mas nunca se via ninguém a sair de
lá. Parecia que entrava em alguns sítios e tornava-se invisível.
Outras vezes, o comboio andava na
terra e levantava voo, como se pudesse andar e atravessar as nuvens, mas não se
via asas. À noite, este comboio ficava cheio de lindas luzes, parecia um
presépio, ou muitas casas todas juntas, e viam-se outras luzes à sua volta…seriam
pirilampos ou fadas? Não se conseguia ver porque estava escuro. Toda a gente
falava do comboio.
Um grilo sentia uma agitação estranha, mas não
sabia o que estava a acontecer. Adorava ficar à porta da sua toca, à noite, a
conviver e a cantar com as cigarras, e outros grilos. Faziam grandes concertos
juntos, e havia muita gargalhada, pela noite fora. De repente, o grilo olha
para o horizonte, e no escuro vê muitas luzinhas a brilhar.
- Amigos…o
que é aquilo? – Pergunta o grilo assustado
Todos olham.
- Só
consigo ver que são muitas luzes juntas! – Diz uma cigarra
- Será uma
festa? – Pergunta outro grilo
- Um
circo? – Pergunta outra cigarra
- Não ouvi
anunciar nenhuma festa, nem nenhum circo! – Responde o grilo pensativo
- Eu
também não! – Respondem todos
- Devem
ser aqueles encontros de gente estranha. – Comenta outra cigarra
- Aqueles
que se juntam e fazem um barulho insuportável? – Pergunta outra cigarra
- Não são
os sapos, nem os pirilampos…os outros. – Explica a cigarra
- Ela está
a falar daqueles parecidos com os anões, muito estranhos. – Esclarece outra
cigarra
- Áhhh! –
Respondem todos
- Aqueles
que deixam tudo uma porcaria, e queimam a floresta, cortam as árvores e as
flores…e coisas parecidas ou piores! – Diz o grilo
- Isso
mesmo! – Respondem todos
- Os
homens…- Resmunga outra cigarra
- Esses. –
Confirma o grilo
- Devíamos
corre-los daqui. – Sugere outro grilo
- Não
faltará muito para o fazermos. – Diz outro grilo
Uma pica - pau sai do tronco a rir.
- Não é
nada disso que estão a dizer.
- O quê? –
Perguntam todos
-
Acordamos-te? – Pergunta um grilo preocupado
- Não. Eu
estava a acabar a minha renda, e vou agora dormir. Ouvi o que disseram. Aquelas
luzes não são de um circo, nem de uma festa, nem de…humanos…até me dá azia no
estômago a dizer esta palavra! Lhec.
- Lhec. –
Repetem todos
- Então o
que são aquelas luzes? – Pergunta o grilo
- São o
nosso novo inclino. – Responde a pica-pau
- Inclino?
– Perguntam em coro
- Sim! O
quê? Nunca o viram? – Pergunta a pica-pau intrigada
- Não! –
Respondem todos
- Estão
muito desatualizados. – Responde a pica-pau
- Ai,
conta tudo…- Pede uma cigarra
- Aquelas
luzes todas são de um pequeno comboio que veio aqui parar. Se calhar ainda não
o viram porque ele anda mais de dia. Não sabemos como veio aqui parar, nem de
onde é, nem o que veio cá fazer…ele é muito estranho. Umas vezes, vê-se…outras
vezes…parece que se torna invisível ou que desaparece em qualquer sítio…e à
noite…tem todas aquelas luzes…umas vezes vêem-se, outras vezes, não.
- O quê? –
Perguntam todos
- Mas…isso
não é possível! – Diz outro grilo
- Isso é
muito estranho…- Comenta outro grilo
- Está-me
a cheirar muito mal… - Diz uma cigarra muito pensativa
- Não fui
eu. – Gritam todos
- Não
estou a falar desse cheiro. Quero dizer que alguma coisa de muito errado se
está a passar aqui. – Diz a cigarra pensativa
- Alguma
vez falaste com ele? – Pergunta outro grilo á pica-pau
- Não. –
Responde a pica-pau
- Vamos lá
mais perto. – Sugere outra cigarra
- Não será
perigoso? – Pergunta outro grilo
- Não. –
Assegura a pica-pau
Põem patas ao caminho e vão ter com
o comboio. Aproximam-se um pouco a medo.
- Boa
noite…aproximem-se! Não mordo. – Diz o comboio
- Quem és
tu? – Pergunta a pica-pau
- És novo
aqui, não és? – Pergunta uma cigarra
- Sim, sou
novo aqui. Venho de muito longe. Gostei tanto deste sítio que decidi descansar
aqui. Espero que não se importem! – Diz o comboio
- Fica á
vontade! – Diz a pica-pau
- Desde
que não destrua o nosso cantinho… - Diz uma cigarra
- Óh…destruir?
Que horror…na…na…eu adoro a natureza, nunca lhe faria mal, nem a vocês. –
Assegura o comboio.
- Porque é
que tens tantas luzes…e às vezes deixas de ter luzes? – Pergunta outra cigarra
curiosa e intrigada
- Porque…quando
estou acordado, tenho as luzes acesas, quando estou a descansar ou a dormir as
luzes apagam-se. – Explica o comboio
- Áh! –
Respondem em coro
- Mas,
entrem…e conheçam-me por dentro. – Diz o comboio
- Entramos
por onde? – Perguntam em coro
- Pela
porta que se vai abrir. – Responde o comboio
- Mas quem
és tu? – Pergunta a cigarra
- Sou um
comboio.
- Um
comboio? – Perguntam todos em coro
- Sim, um
comboio. Nunca ouviram falar de mim?
- Já! –
Respondem todos
- Mas os
comboios não são enormes? – Pergunta um grilo
- São…e eu
também sou grande. – Diz o comboio
- Grande? –
Perguntam em coro e riem
- Não se
deixem levar pelas aparências…entrem e verão.
E abre-se uma porta enorme. Todos soltam
grandes exclamações de encanto e algum medo. Entram e fecha-se a porta.
-
Bem-vindos a bordo…amigos! Conheçam-me à vontade.
- Áh! É mesmo
enorme… - Repara uma cigarra
- Eu disse
para não se deixarem levar pelas aparências. – Diz o comboio a rir
- Uau! –
Suspiram todos, encantados.
Dentro do comboio a surpresa é total…um espaço
enorme, cheio de cenários diferentes, cada qual o mais bonito, a três dimensões
que parece estarem mesmo nessas paisagens. O comboio estica-se mais e alarga.
- Querem
tomar alguma coisa? – Pergunta o comboio
- Chá… -
Dizem as cigarras em coro
- Tens? Se
tiveres, eu também tomo. – Pergunta a pica-pau.
- É para
já…minhas donzelas.
O comboio prepara um belo chá para
as cigarras e para a pica-pau
- Aqui
tem, meninas…querem açúcar?
- Não,
obrigada. – Respondem todas
Elas bebem e suspiram.
- Huummm…
- Dizem em coro
- Mas que
chá requintado…- Comenta a pica-pau
- Huummm…que
sabor raro. – Comenta outra cigarra
- Está uma
manjar das deusas… - Diz outra cigarra
- Não
conhecia estes sabores, mas adoro. – Comenta outra cigarra
- Onde se
encontra este chá tão bom? – Pergunta outra cigarra
- À saída,
eu ofereço-vos uma caixa…ou então vem tomá-lo aqui, sempre que quiserem. – Diz o
comboio
-
Obrigada. – Dizem em coro.
- Fiquem à
vontade. Qualquer coisa é só pedirem ou dizerem. – Diz o comboio
Todos exploram o comboio. Tinha roupas
de diferentes culturas, jóias, chapéus, gorros, cobertores, lanternas, mantas,
fatos-de-banho, máquinas fotográficas e de filmar, milhares de fotografias de
animais, paisagens e outros objectos. Tinha pratos de comidas típicas de países
diferentes, borboletas e flores de todas as cores, voavam milhares de bolas de
sabão e havia muita música, muitas luzes a piscar. De repente, o comboio
levanta voo.
- Agora,
olhem pelas janelas, e vejam a vossa floresta de cima, à noite.
Recolhem-se as fotografias e
abrem-se umas janelas enormes. Apagam-se as luzes do comboio, e todos olham
pelas janelas.
- Ááááááááhhhhhh!
- Suspiram todos a sorrir encantados
- Estamos
a andar? – Pergunta uma cigarra
- Sim! É seguríssimo
andar aqui. – Responde o comboio
- Que
linda que é a nossa floresta! – Diz outro grilo
- De dia e
de noite. – Acrescenta outro grilo
- Olha as
casa dos anões… - Repara outra cigarra
-
Maravilhoso. – Suspira outra cigarra
- É mesmo!
– Sorri o comboio
- Já
tinhas andado por aqui? – Pergunta a pica-pau
- Sim,
quando cheguei. – Diz o comboio
Depois da vista de sonho, o comboio
volta a pousar. E acontecem coisas muito diferentes, todos brincam, saltam em
piscinas de espuma, atiram espuma uns aos outros, mergulham em piscinas de água
quente, e jacuzzis, escorregam em colchões de esponja e de plástico, brincam
uns com os outros, convivem alegremente até ficarem com muito sono.
Agradecem tudo, e voltam para a sua toca quase
a arrastarem-se depois de tanta coisa nova e tão boa que experimentaram e
conheceram. Estão mesmo cansados, mas muito felizes, quase ao nascer do dia.
Nos dias que se seguiram, toda a
gente quis visitar o comboio cheio de surpresas, e passeios fantásticos. O comboio
fez muitas e boas novas amizades.
Ele adorava receber visitas e levar
os amigos a passear, mas às vezes também se cansava e precisava de ficar
sossegado no seu canto, a descansar, de luzes apagadas, para criar novas magias.
Todos já sabiam quando isso acontecia, e deixavam-no descansar. Quando estava
totalmente recuperado, recomeçava tudo…as visitas, as magias, as luzes, os
passeios, e muito mais. Este não era um comboio qualquer…este, era o comboio
mágico, cheio de magia e amizade.
Todos nós às vezes precisamos de
algum tempo para estarmos fechados em nós mesmos, e descansar, para renascermos,
novos, com uma nova força, uma outra energia, uma outra maturidade, e
perspectiva das coisas.
Às vezes precisamos de viajar no nosso comboio
interior, e descobrir ou revisitar memórias felizes, matar saudades, recordar
momentos únicos e irrepetíveis que ainda hoje nos fazem arrepiar.
Às vezes todos nós precisamos de silêncio e
paz, para nos encontrarmos com aquele ser único e irrepetível que somos…e
procurar respostas, ou simplesmente, embalar o coração quando ele sofre.
Às vezes…precisamos de abraçar
novamente a criança que fomos, e tirá-la para fora do nosso comboio, para que
reencontremos a felicidade de viver, e para que possamos renascer, criar coisas
novas.
Todos nós somos comboios cheios de
magia!
FIM
Lálá
(31/Março/2014)
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