Um dia, uma menina escreve uma carta a um menino refugiado de guerra que viu nas notícias da televisão:
Olá
menino de olhos verdes! Vejo nos teus olhos dor, tristeza, lágrimas...parecem
cristais a brilhar que os tornam ainda mais bonitos! Alguma coisa está mal…o
verde dos teus olhos deviam espelhar esperança, felicidade e saúde porque és
criança. Ainda não tens a maldade dos adultos, mas não…o que eles mostram é um
verde com cortinas pretas. São olhos verdes e ao mesmo tempo pretos. Olhos consumidos
pela guerra da tua cidade. O verde dos teus olhos chora. E sei porque choras,
menino bonito! Choras porque em vez de teres uma casa como eu, com tecto e todo
o conforto, tens uma tenda. Em vez de teres uma cama fofa e quente como eu,
tens o chão duro, de terra. Choras porque viste a tua casa ser derretida por
monstros verdes que lançaram fogo com bombas e outras coisas feias. A tua casa,
o teu conforto, as tuas coisas…tudo se derreteu num abrir e fechar de olhos. Choras
porque perdeste todos os sonhos que tinhas plantado na tua casa, no teu quarto,
na paz e do calor dos teus pais. Agora, tu e os teus pais apenas têm o amor uns
pelos outros, a companhia e as lágrimas pela destruição. Pelo menos o amor
sobreviveu, no meio de tantos escombros. Não é justo, tudo isto! Tu és uma
criança, tinhas todo o direito como outra criança como nós…a ter uma casa, com
quatro paredes, com todo o conforto. Agora não resta nada! Choras porque
perdeste as tuas roupas, e porque tiveste de fugir sem pensar, sem olhar para
trás, para te salvares. Agora, vestes apenas um trapo branco, que os médicos te
deram. Choras porque pouco ou nada tens de comer…porque além de ti, há muitos
outros milhares na tua cidade que também viram tudo transformar-se em pó. Claro
que isso não te serve de consolo, porque todos sofrem. Choras porque em vez de
ouvires passarinhos, cantos e música, ondas, ventos, e chuva…ouves apenas
estrondos ensurdecedores, que abanam tudo, bombas que rebentam tudo, estalidos
de armadilhas no chão que pisas, helicópteros que sobrevoam a tua cidade, com
as portas abertas prestes a largar fogo, gritos de dor e de raiva. Choras porque
não podes dormir em paz…pois os teus ouvidos estão sempre atentos ao mais
pequeno barulho, e as tuas pernas, sempre prontas para ter de correr a qualquer
momento, e fugir. Não consegues dormir, porque tens medo! Choras porque em vez
de os teus olhos verem o verde da floresta, o branco das casas, os sorrisos das
pessoas…vêm o preto dos fumos, as cinzas da destruição que transportam vida e
sonhos, planos pensados, momentos de paz e de felicidade, que terminam em
poucos segundos, o cor-de-laranja, e o amarelo do fogo assassino, o sangue dos
feridos, inocentes, e dos que se transformam em estrelas sem culpa nenhuma, e
as lágrimas. Choras porque em vez de teres brinquedos, tens apenas armas, balas
espalhadas por todo o lado, destroços, ossos. Choras porque não podes brincar
livre na rua, jogar à bola e correr à vontade, esfolar os joelhos, saltar à
corda, andar de bicicleta, jogar ao peão e aos berlindes ou às caricas, jogar à
malha e com os carrinhos como nós…nem na rua nem na tua casa…quer dizer…tenda…!
Porque tudo derreteu juntamente com os escombros daqueles malditos homens
verdes. Choras porque mal tens onde fazer as tuas necessidades, e a tua
higiene. Choras porque mal tens água potável para beber, sempre que quiseres. Choras
porque tens fome e frio, choras porque não tens vontade de rir ou sorrir…talvez
até já te tenhas esquecido de como isso se faz. Choras porque não tens amigos,
nem livros…choras porque não podes abraçar uma árvore, porque até essas estão
chamuscadas, secas, sem folhas…e muitas já serviram para lenha há muito tempo,
sem que lenhadores as tivessem cortado! Foram destruídas, tal como a tua casa!
Choras porque não podes respirar, nem sentir o ar puro, porque tudo está poluído.
Aqui temos árvores e ar puro. Choras porque não podes ir à escola, e porque não
tens amigos…coisas essenciais para todos os seres humanos, mas a ti, menino de
olhos verdes, tiraram-te esse direito que aqui temos, felizmente. Muitos dos
teus amigos fugiram, outros, não tiveram tempo. E os teus olhos verdes viram
isso tudo…é por isso que eles choram. Choras que não tens animais, pois todos
foram desfeitos pelos horríveis homens verdes, e pelo que eles lançaram. Em vez
de lançarem flores ou alimentos, ou água ou medicamentos…lançaram…destruição! Sei
porque choras, menino de olhos verdes…choras porque te cortaram as asas…e
impedem-te de voar…choras porque te roubaram a infância…choras porque te
roubaram os sonhos, tiraram o direito a ser simplesmente uma criança feliz,
saudável, e impediram-te de viver em paz. Sabes uma coisa? Muita gente na minha
cidade, está sempre a reclamar de tudo…e tudo têm! Bom…tudo, para viver com o
mínimo de condições, mas há gente que exige demasiado, quando na verdade têm
tudo. Já viste? Elas reclamam porque a casa é pequena…mas…então…e tu? Porque
não reclamas de viver numa tenda? Talvez…porque nessa tua cidade, apesar de
tanta maldade e destruição já ficaste feliz por estares vivo, e teres do teu
lado, quem mais te ama…quem tu amas. E se elas vivessem numa tenda como a tua? Aí,
talvez dessem valor à casa que têm…pequena ou grande…pelo menos estão
protegidos, têm todo o conforto…tu querias conforto, e não tens direito a ele. Se
calhar, quando te cansas de chorar, ou quando tens fome…nem sentes a dureza do
chão onde cais. Queres é…descansar. Não descansas, porque a qualquer momento
poderás ter de fugir outra vez, e poderás receber uma bomba…! Aqui não há
bombas! Felizmente. Há gente na minha cidade, que reclama porque não tem o
carro que queria…mas pelo menos também não têm bombas ou minas no chão por onde
pisam…podem sempre ir a pé ou noutros meios de transporte, em segurança. Tu,
não! Os únicos carros que tens na tua cidade, são os dos monstros, e nunca
estás seguro. Há gente na minha cidade que reclama de não ter dinheiro…mas…e se
elas estivessem na tua cidade, será que estariam preocupadas com o dinheiro, e
exigiam tanto? Talvez não! Há gente que só tem coisas más a dizer do meu país,
mas não entendo porquê…claro que as coisas aqui também estão um pouco difíceis,
há falta de empregos, há alguns crimes, assaltos…mas…sinceramente…à beira da
tua cidade, podemos dizer que estamos num paraíso. Não temos guerra, as nossas
casas estão de pé, podemos pisar o chão em segurança, temos conforto nas casas,
temos água, temos gás, temos cama, temos televisão, luz, rádio, e o amor dos
familiares…temos escolas e amigos…temos livros e brinquedos, alimentação e
muito, muito mais! Acho que temos o essencial para sermos felizes, mesmo com as
dificuldades que encontramos. Agora, tu…não tens nada, e provavelmente jamais
terás. Gostava muito de te dizer o contrário, mas infelizmente, as imagens que
mostram da tua cidade, não permitem…elas mostram terror, guerra, destruição. Gostava
muito de te receber aqui, acolher-te na minha casa, dar-te tudo o que perdeste,
ser tua amiga! É triste, e injusto não poder ajudar-te, amigo…menino de olhos
verdes. Estamos muito longe, mas se pudesse trazia-te para bem perto de mim,
acolhia-te nos meus braços…! É triste ver aquelas imagens. Apenas posso
acolher-te no meu pensamento, e nas minhas orações. Sim, tenho-te no meu
coração. Rezo todas as noites, pela paz na tua cidade. Se dependesse de mim e
de muita gente, já terias paz há muito! Se pudesse…trazia-te para viveres numa
cidade em paz, com tudo a que tens direito, e onde pudesses ser feliz…na minha
cidade, pode-se ser criança feliz, pode-se sonhar, brincar, ter uma casa e
conforto. Queria muito enviar-te esta carta, para que sentisses que alguém
muito longe, pensa em ti, e nos teus! Sei porque choras, menino de olhos verdes…e
eu choro contigo! O meu desejo é que um dia muito breve, possas viver em paz,
na tua cidade, ou em qualquer outra. Foge…se puderes! Para Portugal. Aqui te
esperamos. Quem sabe…um dia…não nos encontramos por aqui. Enquanto esse dia não
chega, que tenhas muita força, e que tudo te corra bem. Sei que estás em Guerra
e fico muito triste por isso, mas também é por esse motivo que agradeço todos
os dias o que tenho, os que tenho e que me amam, a saúde, a alegria, o amor, o
carinho, a paz, os brinquedos, a casa, e tudo à minha volta. Agradeço todos os
dias, as mais pequenas coisas, porque sei que também tu, gostarias de as ter, e
não tens, por injustiça ou por maldade…porque és uma criança, e todas as
crianças querem as mesmas coisas. Até breve. Beijos…
FIM
Lara Rocha
15/Fevereiro/2014
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