Era uma vez uma jovem rapariga, muito desorganizada e
desarrumada. O seu quarto metia medo…parecia uma pocilga como a sua mãe
classificava.
– Já te disse mais de cem vezes para arrumares este
quarto imundo, e tudo continua na mesma! Para que servem os armários? Olha para
isto…tudo fora dos sítios! Que vergonha! - ralha a mãe
– Mas, mãe…porque é que não paras de resmungar comigo?
– Se tu tivesses a porcaria do quarto arrumado, eu já
não precisava de estar sempre a resmungar, não era?
– Isto é como eu sei arrumar. Um dia destes arrumo outra
vez!
– É como tu sabes arrumar? Francamente! Achas que isto é
arrumado?
– Assim sei onde estão as coisas…quando me arrumam já não sei de nada!
– Onde já se viu? O quarto dos teus pais e dos teus
irmãos está sempre arrumado, e sabemos sempre onde estão as coisas!
– Porque és tu que fazes tudo!
– Não senhora…os teus irmãos arrumam sempre o principal
nos quartos deles. Eu pouca coisa faço lá.
– Os meus irmãos são os meus irmãos, e eu…sou eu!
– Deixa-te de conversas e arruma-me esta porcaria toda!
– Um dia destes eu arrumo.
– Não é um dia destes. É hoje. Agora…já!
– Eu não sei arrumar.
– O quê? Vê lá se tens de ir a Coimbra tirar um curso de
arrumação de quartos! Eu que não volte aqui e o quarto esteja assim.
– Mas como é que eu arrumo?
– Que pergunta! Arruma as coisas como deve ser…onde
quiseres…não te falta espaço. Arruma em locais que saibas quando precisares ou
procurares.
– Eu não sei arrumar.
– Claro que sabes…quem sabe desarrumar, também sabe
arrumar.
– Por onde começo?
– Por onde quiseres.
– Ajuda-me mamã…!
– Não faltava mais nada! - ri a mãe
– Anda lá…
– Não. Arranja-te.
– Óh, mamã…
– Não há mamã, nem meio mamã… arruma!
A mãe sai do quarto, e a Filipa olha em volta.
– Ai, porque é que eu sou desarrumada? Ou…arrumo, e pouco
depois já está tudo uma bagunça…! Mas que seca! Ai…por onde é que eu vou
começar?
– Começa por mim! - diz a cama
– Hã?
– Sim, por aqui…pela tua cama. - convida a cama
– Também exiges?
– Exijo para teu bem… - lembra a cama
– Não. É só para me chatear…foi a minha mãe que te
encomendou sermão, não foi?
– Não. Claro que não. É que…se eu não estiver feita…tu é
que pagas, com os ácaros e outras coisas que fazem do colchão a sua casa.
– E tu deixas que eles pousem em ti?
– Não os vejo sequer, mas sinto a presença deles!
– Que chata.
– Sim, a presença deles incomoda.
– Eu estava a dizer que tu é que és chata.
– Muito obrigada….pode ser que esta noite durmas no
chão, se não me respeitas! Mal agradecida!
– Era mesmo o que ela merecia que fizesses, cama! - apoia a almofada
– Tu também? - resmunga Filipa
– Sacode-me, por favor, e põe-me aqui em cima. - diz a almofada
– Mete-me os lençóis e cobertores aqui deste lado…e
daquele…! Isso mesmo! (p.c) Estica-me…não…ali na ponta, sobra lençol. É assim!
– Agora põe isto por cima de mim, por favor. Esticado! - diz a almofada l
– A colcha…isso mesmo! Não te esqueças dos bonecos. E o
pijama naquele dorminhoco. Isso mesmo. - indica a cama
Filipa faz tudo o que elas dizem. No fim de arrumar a
cama, passa para a secretaria.
– Tanto papel! - repara Filipa
– É a vida de estudante. - diz o candeeiro
– Onde vou pôr isto tudo? Não tenho espaço.
– Não tens espaço agora, porque parece um depósito de
lixo…mas logo que metas tudo o que é trabalhos, nas capas, e nas disciplinas a
que pertencem, já vais ter espaço de sobra! Experimenta. - sugere a capa
Filipa vê o papel que interessa, coloca nas capas das
disciplinas por datas, e por trabalhos, fotocópias, cadernos, folhas em branco
e outros.
– E estes papéis escritos?
– Se não precisas deles, dá-mos…que já estou cheio de
fome. - sugere o caixotedo lixo
– Tu comes papéis?
– Claro! achas que como o quê?
– Lixo, é claro!
– Pois claro! E os papéis que não precisas, são o quê? Relíquias?
– Não.
– Então…vem para mim. Aliás, já deviam ter vindo há
muito tempo!
– Ainda vai a tempo. Que impaciente. - diz o porta lápis
– Para mim, vem os blocos. - sugere a gaveta
– E para mim, vem as borrachas. - diz a gaveta pequena
Todos os espaços e mobílias do quarto ajudam a Filipa
a arrumar as coisas, nos sítios certos.
No armário grande, há umas gavetinhas
mais pequenina de sobra, depois de guardar as roupas lavadas as meias, os
sapatos, os lençóis, os gorros, as cuecas, outras roupas penduradas, e outras
acomodadas nas prateleiras.
– Sobram estas gavetinhas, o que vou pôr nelas? Áh, já
sei…o diário e estas fotos todas… (vê as fotos) São de quando eu era bebé…e
mais actuais…! (p.c) Ai, quem me dera ser outra vez bebé! Os bebés têm uma
sorte… não têm que arrumar quartos, nem aturar as mães a ralhar…!
(Ouve-se um
espirrinho pequenino, que vem da gavetinha. A jovem assusta-se e vê uma fada a
sacudir-se, a tossir e a espirrar)
– Ai…brrrrrrrrr…arrepiei-me toda, de espirrar! Esta gaveta
está cheia de pó.
– Uma fada…? - sorri a Filipa
– Sim, sou uma fada. Finalmente abriste esta gaveta! Eu quase
não conseguia entrar aqui
– Como é que sabes?
– Ora, ora…eu conheço muito bem este espaço.
– Nunca te vi por aqui…
– Viste sim…tu é que já não te lembras, é normal…mas eu
sempre estive aqui! Bem pertinho de ti. - diz a fada
– Onde? E quando…?
– Aqui no teu quarto! Primeiro…na cabeceira da tua cama,
ou berço como lhe chamam. Depois…na tua almofada…depois…na tua cama…e depois…na
tua prateleira…na tua secretária…cada vez mais longe! Até que…quando cresceste…fechaste-me
aqui no armário, na gaveta, e esqueceste-me! É normal, eu sei. Mas fiquei muito
triste! A minha sorte é que eu voo, e ando sempre por todo o lado…mesmo assim,
vinha cá muitas vezes.
– E eu não te via?
– Não.
– Chamavas-me!
– Não adiantava…tinhas outros interesses.
– Mas agora, tenho outros interesses, e estou a ver-te!
– Porque abriste a gaveta e o armário onde tens a tua
infância! E é lá que estou desde sempre. Por isso, sempre que abres essas
gavetas, com as tuas coisas de bebé, eu apareço e vês-me!
– Áh! Que linda que és. - sorri Filipa
– Tu sempre foste uma bebé encantadora, simpática,
risonha…éramos inseparáveis. Eu e tu! Vivemos momentos muito felizes, outros
mais tristes, brincamos muitas vezes juntas! Éramos muito felizes.
– Sim, lembro-me de ser muito feliz, e acho que tenho
uma memória de ti…- recorda Filipa
– É natural! Todos têm! Infelizmente passa a voar. Agora
estás uma mulher linda!
– Obrigada.
– Estiveste a arrumar o quarto?
– Não se nota?
– Nota! Está óptimo. - sorri a fada
– Eu não sei arrumar, nem sou organizada.
– Eles ajudaram-te. -sorri a fada
– Sim.
– A tua mãe vai ficar muito orgulhosa de ti. E as mães
bem merecem estes mimos das filhas.
– Sim! (sorri) Às vezes enche-me a cabeça, mas eu
adoro-a, e tento ajudá-la noutras coisas…eu sei que ela tem razão, mas não
entende que não sei arrumar.
– Não é preciso saber arrumar, só tens de colocar as
coisas nos sítios próprios, como fizeste agora. Enquanto tiveres espaços, vais
metendo para lá, o que está solto. Aqui nestas gavetinhas que sobram, por
exemplo, podes meter o teu diário, as fotografias…até lhe podes chamar a gaveta
dos desejos, e podes pôr aqui todos os teus desejos. Fechas à chave, guardas a
chave contigo. Na gavetinha de baixo…podes guardar todos os teus sonhos…os que
queres ou querias realizar…os que não passam de sonhos…e que em principio sabes
que não se vão realizar…ou que dificilmente se realizarão…os sonhos e desejos
pelos quais vais lutar…para ver se consegues realizá-los…todos os que quiseres.
Todos temos sonhos e desejos secretos, que gostávamos de poder realizar, mas
sabemos que não será possível, porque…somos humanos, e temos limites! Não somos
máquinas…as próprias máquinas não fazem tudo! Mas mesmo não sendo possíveis de
realizá-los, podemos e devemos escrevê-los e guardá-los, para olhar para eles,
sempre que nos sentirmos mais pequeninos, como grãos de areia, neste imenso
universo, e planeta! Todos os sonhos e desejos que temos, são pedacinhos do
coração que tiramos da escuridão…e são esses pedacinhos que dão sentido à nossa
vida, que fazem o nosso coração bater mais forte, porque para ele tanto faz…se
os sonhos que de lá saem são realizáveis ou não…ele quer é sentir vida dentro
dele…e muitos sonhos e desejos, mesmos não realizados, ficam dentro de nós,
fazem-nos viver, sorrir, rir, emocionarmo-nos, vibrarmos…todos fazem parte de
nós e são feitos por tudo o que temos!
– Áh! Que lindo! - diz Filipa deliciada
– Aqui estão seguros. As fadas protegem-nos.
– Não sabia que os sonhos e os desejos são assim tão
importantes para nós!
– São.
A Filipa coloca o diário e todos os papéis que tinha
numas caixas com desejos e sonhos…uns que ela realizou, outros que não realizou…desejos
que sabe que mais não são do que isso, e outros que guardam também a esperança
de os realizar qualquer dia! O quarto está como novo. A mãe entra e olha em
volta, com um sorriso de orelha a orelha.
– Áh! Mas que lindo! Estás a ver como sabes arrumar? Muito
bem! Agora já parece um quarto de uma princesa. - observa a mãe
A mãe passa a revista rápido em tudo. As duas
conversam mais um pouco.
– Anda lanchar agora! Fiz um bolo de chocolate.
– Sim, vou só à casa de banho.
– Está bem. Aparece lá dentro.
– Está bem.
(A Mãe sai, a menina vai ao armário e lá está a fada a
sorrir)
– Não vás embora, por favor! - pede a Filipa
– Não! Estarei sempre aqui, como sempre estive! Basta abrires
o armário…ou as gavetas dos desejos, dos sonhos e da tua infância! Até breve.
– É muito bom saber que estás sempre aqui no meu quarto.
Gosto muito da tua companhia e da tua presença.
– Estou e estarei…e seremos para sempre amigas…como
sempre fomos.
– Podes ter a certeza que sim! Que bom, voltar a ver-te!
Até já.
– Até já. (Filipa sai) O tempo passa mesmo a correr. E vocês?
Também têm um armário, com gavetas da infância e dos desejos e sonhos…onde
vivem fadas e monstros…? Revisitam esse armário? Experimentem…faz bem à saúde,
ao coração e traz luz à nossa vida. Se não têm esse armário, ainda estão muito
a tempo de o ter. Criem-no! Basta ir às vossas recordações! Nunca fechem a
gaveta da vossa infância, independentemente da vossa idade.
FIM
Lálá
(6/Janeiro/2014)
Gostei muito da gavetinha dos desejos.Sim irei lá cada vez que eu desejar, necessito de abrir muitas vezes a gaveta da minha infancia.Beijinho
ResponderEliminarMuito obrigada :) bjssssssss
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