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quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Os beijinhos das flores



     Era uma vez uma bela montanha com grandes rochedos, desviada da cidade de onde brotavam belos riachos de água. 

    Estes formavam cascatinhas, primeiro pequeninas, depois aumentavam a intensidade da água, à medida que seguiam caminho para um grande lago, onde havia um espaço muito agradável, verde, cheio de árvores, bancos e mesas para merendas, e um rio. 

    Mas além da água que se formava nas grutinhas das rochas, entre muitas fissuras espalhadas até ao rio, nasciam lindas flores selvagens, de várias cores, tamanhos, e  delicadas. 

    Tinham a companhia dos lobos, há muitos anos, das águias, dos falcões, dos veados, das corças, dos esquilos, morcegos, mochos, corujas, lagartixas, coelhos bravos, linces, corvos, e muitos outros. 

    Os pastores levavam o gado: as vacas, os bois, as ovelhas, as cabras, os bodes, para o pasto que naquela zona era muito bom, juntamente com os seus cães. 

    O vento, a chuva, o sol, o calor, as trovoadas, a neve, também marcavam a sua presença, de forma mais ou menos intensa, de acordo com a estação do ano. 

    Os pastores tinham sempre as suas casinhas de resguardo, porque já sabiam o tempo podia mudar. Infelizmente, nos últimos tempos, as cascatinhas e os riachos, tal como o grande rio do parque estavam praticamente secas e paradas, quase não circulavam pelas rochas, nem nas grutinhas. 

    Estavam sem força, e em vez de transparente, a sua cor, era verde, da pouca que circulava. As flores dos rochedos e da margem do lago, bebiam dela, mas andavam a sentir-se estranhas. 

    O sabor não era o mesmo, uma água que antes sabia tão bem, agora, sentiam um sabor estranho, não sabiam o que estava a acontecer. 

    Nunca tinham visto a água daquela cor, sentiam medo, mas bebiam-na porque não havia outra, e precisavam dela, caso contrário, secavam. 

    Uma tarde, ouviram dois pastores que tinham levado o gado, nos rochedos a comentar um com o outro: 

- Moço, já viste que está quase tudo seco, aqui? 

- Pois! Já reparei. Se calhar tem raízes ou lixo ali nas grutas! 

- Pode ser! Ou é de não chover há muito. 

- É verdade! Pode ser das alterações climáticas! Olha a cor da água! 

- Está horrível. Até lá em baixo! 

- Aquilo não será perigoso? 

    As flores ficam em pânico, agarradas aos caules, e trocam olhares: 

- Pois! Também tenho medo! Aquilo...aquela cor parece veneno. 

- Veneno? - murmuram as flores umas com as outras 

- Se for veneno, estamos todos fritos. 

- Fritos mesmo! Nós e o gado, tudo o que aqui está. 

- Não sei como é que as flores resistem.  

- Mas também veneno não será, se não, os nossos animais ficavam mal dispostos, e não estão. 

- Pois. Mas pelo sim, pelo não, é melhor analisarmos a água, não? Os animais bebem-na pelo caminho, mas para percebermos porque é que está daquela cor. 

- É. Boa ideia. Pode ser uma alga. Os meus às vezes também bebem, mas esta de cima também está quase seca, acho que é melhor do que a de lá de baixo! 

-É, mesmo assim, já está com uma cor estranha! 

- Vamos ver às grutinhas de onde ela sai, se há alguma coisa a poluir. 

- Boa ideia. 

    As flores ficam muito ansiosas e com muito medo. Os pastores entram nas grutinhas, iluminam o espaço, e não há nada a impedir a passagem da água, nem a polui-la. Quando voltam a sair, os dois comentam: 

- Nada! 

- É. Deve ser a própria poluição do ar, e de estarem paradas! Mesmo assim, já não são nada do que eram, e pelo sim, pelo não...vamos levar uma amostra para análise. 

- É. É melhor. Estas flores não estão com um ar muito saudável, mas deve ser da pouca água. 

    Os pastores recolhem um bocadinho de água num frasco limpo, em cima e em baixo, e levam ao laboratório. As flores, olham para a água, para ver o seu aspeto. 

- Que exagero, aqueles dois pastores! - comenta uma flor 

- Não estamos assim com tão mau aspeto. - comenta outra 

- Nem eu! - diz outra 

    Mesmo com muito medo, uma flor inclina-se e encosta as pétalas às águas, que tem ao seu lado, como se fosse dar um beijinho, soprar ou fazer uma oração. 

- Óh maravilhas águas, por favor...não estejam doentes, se não, onde vamos beber? Precisamos muito de vocês. Gratidão, gratidão, gratidão, Natureza, por estas águas que nos fazem bem! 

- A quem é que estás a agradecer? - pergunta uma 

- À Natureza! Ela gosta que lhe agradeçam, e acredito que está tão feliz, que vai limpar estas águas. 

- Ela não está boa do caule, nem das pétalas! - diz uma flor surpresa 

- A água deve ter mesmo qualquer coisa venenosa, nunca disse isto. - comenta outra 

    Dá mais um beijinho com a pétala, e endireita-se. As outras gritam: 

- Cuidado! Não te encostes a essas águas. 

- Também acho melhor não, enquanto não soubermos o que está a acontecer com essas águas. 

- Façam o mesmo! Ou não vão beber, só porque aqueles falaram? - convida a flor 

- O que é que tu fizeste? 

- Dei-lhe dois beijinhos e disse o que vocês ouviram. 

- E achas mesmo que as águas vão ficar limpas, só porque disseste isso… 

- Com certeza! Façam, e vão ver amanhã. 

- És mesmo sonhadora. - diz outra 

- Mas…- diz outra assustada 

- O que é que tem o mas? - pergunta a flor 

- Não sei...acho que não...quer dizer...não queria! Mas depois do que aqueles disseram, fiquei a pensar que podia estar ou podemos ficar doentes! - diz outra flor nervosa. 

- Há quanto tempo já bebemos desta água e as de lá de baixo, e nunca nos aconteceu nada? - pergunta a flor 

- Já há bastante tempo, é verdade, quer dizer...desde sempre que estamos aqui. Mas a água não era daquela cor. - responde a outra flor 

- Que mudou de cor e está fraca, está! Porquê? Não sabemos...-repara outra 

- Pode ser a poluição do ar, a falta de chuva. - diz a flor 

- Sim, é...! É verdade. Pelo que sei...desde que estamos aqui, quando não chove há muito tempo, ela fica com esta cor. - lembra outra flor 

- Pois é! - diz a flor 

- Vamos experimentar! Dar também um beijinho nas águas, para ver se acontece alguma coisa. - aceita outra flor 

- E não se esqueçam de agradecer. - reforça a flor 

- Boa! - dizem todas 

- É isso. - concordam todas

    Cada uma encosta as pétalas como fazem para beber, tocam com as pétalas nas águas e nas rochas, como se fossem a dar um abraço às rochas. As águas vibram e fazem pequeninas ondinhas, dão beijinhos com as pétalas e agradecem à Natureza. Convidam as de baixo a fazer o mesmo, e fazem.  

    Na manhã seguinte, nem querem acreditar no que estão a ver...as águas pareciam sair de todos os buracos e mais alguns, até de espaços invisíveis, como se tivesse chovido vários meses, e enchesse os riachos. 

    Uma água limpa, a correr com toda a força, as flores de cima e da berma do rio, aplaudem, felizes, e provam a água: 

- Humm...que delícia! - Suspiram todas 

- Como está transparente e abundante. - comenta uma 

- Mas o que é que aconteceu aqui? - pergunta outra 

- Parece que choveram meses seguidos de ontem para hoje! - comenta uma flor surpresa 

- Realmente! - dizem em coro 

- Que maravilha! - sorriem todas 

- Olhem a de lá de baixo, que espetáculo. Com o sol a dar, parecem brilhantes. - repara outra flor 

- Eu disse que ia resultar! - diz a flor que começou, orgulhosa. 

- Tinhas razão, a Natureza gostou que lhe agradecêssemos. - comenta outra flor 

- E dos nossos beijinhos. - acrescenta outra 

- Claro! Eu disse, e vamos agradecer outra vez, em coro? - sugere a flor 

- Claro que sim, ela merece. Meninas aí de baixo, gritem connosco...vamos agradecer à Natureza! 

- Estamos convosco! - gritam as de baixo 

- Um...dois...três…- grita uma flor de cima 

- Gratidão, gratidão, gratidão, querida Natureza!

    Dizem todas em coro e aplaudem. Chegam os pastores com o gado, e ficam quase congelados com a surpresa de ver tanta água e tão limpa. 

- Mas, mas...o que é que aconteceu aqui? - pergunta um pastor 

- Não sei. Mas realmente as análises deram tudo bem. 

    O gado bebe deliciado, e manifestam-se, como se estivessem a confirmar que aquela água está mesmo boa, e até eles ficaram surpresos. 

    Os pastores sobem com o gado, provam a água das rochas. 

- Que diferença! - diz um pastor 

- Realmente...é pura! - diz o outro 

    Ajoelham-se, rezam e agradecem o regresso e a limpeza da água. 

- E quando for época das chuvas, das trovoadas e da neve é que vai ser! - acrescenta um pastor 

- Pois é. - concorda o outro 

    Os dois dão uma gargalhada, de tão felizes: 

- Até as flores estão mais bonitas! - comenta um pastor 

- Pois estão. 

- Vou já encher a minha garrafa. 

- Eu também. 

    E os dois ficam a apreciar a mudança, encantados, enquanto o gado pasta e bebe a água, sem saberem que foram os beijinhos, os abraços e a gratidão das flores, à Natureza. 

                                                    FIM 

                                               Lara Rocha

                                        25/Novembro/2024  





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