Era uma vez uma bela montanha com grandes rochedos, desviada da cidade de onde brotavam belos riachos de água.
Estes formavam cascatinhas, primeiro pequeninas, depois aumentavam a intensidade da água, à medida que seguiam caminho para um grande lago, onde havia um espaço muito agradável, verde, cheio de árvores, bancos e mesas para merendas, e um rio.
Mas além da água que se formava nas grutinhas das rochas, entre muitas fissuras espalhadas até ao rio, nasciam lindas flores selvagens, de várias cores, tamanhos, e delicadas.
Tinham a companhia dos lobos, há muitos anos, das águias, dos falcões, dos veados, das corças, dos esquilos, morcegos, mochos, corujas, lagartixas, coelhos bravos, linces, corvos, e muitos outros.
Os pastores levavam o gado: as vacas, os bois, as ovelhas, as cabras, os bodes, para o pasto que naquela zona era muito bom, juntamente com os seus cães.
O vento, a chuva, o sol, o calor, as trovoadas, a neve, também marcavam a sua presença, de forma mais ou menos intensa, de acordo com a estação do ano.
Os pastores tinham sempre as suas casinhas de resguardo, porque já sabiam o tempo podia mudar. Infelizmente, nos últimos tempos, as cascatinhas e os riachos, tal como o grande rio do parque estavam praticamente secas e paradas, quase não circulavam pelas rochas, nem nas grutinhas.
Estavam sem força, e em vez de transparente, a sua cor, era verde, da pouca que circulava. As flores dos rochedos e da margem do lago, bebiam dela, mas andavam a sentir-se estranhas.
O sabor não era o mesmo, uma água que antes sabia tão bem, agora, sentiam um sabor estranho, não sabiam o que estava a acontecer.
Nunca tinham visto a água daquela cor, sentiam medo, mas bebiam-na porque não havia outra, e precisavam dela, caso contrário, secavam.
Uma tarde, ouviram dois pastores que tinham levado o gado, nos rochedos a comentar um com o outro:
- Moço, já viste que está quase tudo seco, aqui?
- Pois! Já reparei. Se calhar tem raízes ou lixo ali nas grutas!
- Pode ser! Ou é de não chover há muito.
- É verdade! Pode ser das alterações climáticas! Olha a cor da água!
- Está horrível. Até lá em baixo!
- Aquilo não será perigoso?
As flores ficam em pânico, agarradas aos caules, e trocam olhares:
- Pois! Também tenho medo! Aquilo...aquela cor parece veneno.
- Veneno? - murmuram as flores umas com as outras
- Se for veneno, estamos todos fritos.
- Fritos mesmo! Nós e o gado, tudo o que aqui está.
- Não sei como é que as flores resistem.
- Mas também veneno não será, se não, os nossos animais ficavam mal dispostos, e não estão.
- Pois. Mas pelo sim, pelo não, é melhor analisarmos a água, não? Os animais bebem-na pelo caminho, mas para percebermos porque é que está daquela cor.
- É. Boa ideia. Pode ser uma alga. Os meus às vezes também bebem, mas esta de cima também está quase seca, acho que é melhor do que a de lá de baixo!
-É, mesmo assim, já está com uma cor estranha!
- Vamos ver às grutinhas de onde ela sai, se há alguma coisa a poluir.
- Boa ideia.
As flores ficam muito ansiosas e com muito medo. Os pastores entram nas grutinhas, iluminam o espaço, e não há nada a impedir a passagem da água, nem a polui-la. Quando voltam a sair, os dois comentam:
- Nada!
- É. Deve ser a própria poluição do ar, e de estarem paradas! Mesmo assim, já não são nada do que eram, e pelo sim, pelo não...vamos levar uma amostra para análise.
- É. É melhor. Estas flores não estão com um ar muito saudável, mas deve ser da pouca água.
Os pastores recolhem um bocadinho de água num frasco limpo, em cima e em baixo, e levam ao laboratório. As flores, olham para a água, para ver o seu aspeto.
- Que exagero, aqueles dois pastores! - comenta uma flor
- Não estamos assim com tão mau aspeto. - comenta outra
- Nem eu! - diz outra
Mesmo com muito medo, uma flor inclina-se e encosta as pétalas às águas, que tem ao seu lado, como se fosse dar um beijinho, soprar ou fazer uma oração.
- Óh maravilhas águas, por favor...não estejam doentes, se não, onde vamos beber? Precisamos muito de vocês. Gratidão, gratidão, gratidão, Natureza, por estas águas que nos fazem bem!
- A quem é que estás a agradecer? - pergunta uma
- À Natureza! Ela gosta que lhe agradeçam, e acredito que está tão feliz, que vai limpar estas águas.
- Ela não está boa do caule, nem das pétalas! - diz uma flor surpresa
- A água deve ter mesmo qualquer coisa venenosa, nunca disse isto. - comenta outra
Dá mais um beijinho com a pétala, e endireita-se. As outras gritam:
- Cuidado! Não te encostes a essas águas.
- Também acho melhor não, enquanto não soubermos o que está a acontecer com essas águas.
- Façam o mesmo! Ou não vão beber, só porque aqueles falaram? - convida a flor
- O que é que tu fizeste?
- Dei-lhe dois beijinhos e disse o que vocês ouviram.
- E achas mesmo que as águas vão ficar limpas, só porque disseste isso…
- Com certeza! Façam, e vão ver amanhã.
- És mesmo sonhadora. - diz outra
- Mas…- diz outra assustada
- O que é que tem o mas? - pergunta a flor
- Não sei...acho que não...quer dizer...não queria! Mas depois do que aqueles disseram, fiquei a pensar que podia estar ou podemos ficar doentes! - diz outra flor nervosa.
- Há quanto tempo já bebemos desta água e as de lá de baixo, e nunca nos aconteceu nada? - pergunta a flor
- Já há bastante tempo, é verdade, quer dizer...desde sempre que estamos aqui. Mas a água não era daquela cor. - responde a outra flor
- Que mudou de cor e está fraca, está! Porquê? Não sabemos...-repara outra
- Pode ser a poluição do ar, a falta de chuva. - diz a flor
- Sim, é...! É verdade. Pelo que sei...desde que estamos aqui, quando não chove há muito tempo, ela fica com esta cor. - lembra outra flor
- Pois é! - diz a flor
- Vamos experimentar! Dar também um beijinho nas águas, para ver se acontece alguma coisa. - aceita outra flor
- E não se esqueçam de agradecer. - reforça a flor
- Boa! - dizem todas
- É isso. - concordam todas
Cada uma encosta as pétalas como fazem para beber, tocam com as pétalas nas águas e nas rochas, como se fossem a dar um abraço às rochas. As águas vibram e fazem pequeninas ondinhas, dão beijinhos com as pétalas e agradecem à Natureza. Convidam as de baixo a fazer o mesmo, e fazem.
Na manhã seguinte, nem querem acreditar no que estão a ver...as águas pareciam sair de todos os buracos e mais alguns, até de espaços invisíveis, como se tivesse chovido vários meses, e enchesse os riachos.
Uma água limpa, a correr com toda a força, as flores de cima e da berma do rio, aplaudem, felizes, e provam a água:
- Humm...que delícia! - Suspiram todas
- Como está transparente e abundante. - comenta uma
- Mas o que é que aconteceu aqui? - pergunta outra
- Parece que choveram meses seguidos de ontem para hoje! - comenta uma flor surpresa
- Realmente! - dizem em coro
- Que maravilha! - sorriem todas
- Olhem a de lá de baixo, que espetáculo. Com o sol a dar, parecem brilhantes. - repara outra flor
- Eu disse que ia resultar! - diz a flor que começou, orgulhosa.
- Tinhas razão, a Natureza gostou que lhe agradecêssemos. - comenta outra flor
- E dos nossos beijinhos. - acrescenta outra
- Claro! Eu disse, e vamos agradecer outra vez, em coro? - sugere a flor
- Claro que sim, ela merece. Meninas aí de baixo, gritem connosco...vamos agradecer à Natureza!
- Estamos convosco! - gritam as de baixo
- Um...dois...três…- grita uma flor de cima
- Gratidão, gratidão, gratidão, querida Natureza!
Dizem todas em coro e aplaudem. Chegam os pastores com o gado, e ficam quase congelados com a surpresa de ver tanta água e tão limpa.
- Mas, mas...o que é que aconteceu aqui? - pergunta um pastor
- Não sei. Mas realmente as análises deram tudo bem.
O gado bebe deliciado, e manifestam-se, como se estivessem a confirmar que aquela água está mesmo boa, e até eles ficaram surpresos.
Os pastores sobem com o gado, provam a água das rochas.
- Que diferença! - diz um pastor
- Realmente...é pura! - diz o outro
Ajoelham-se, rezam e agradecem o regresso e a limpeza da água.
- E quando for época das chuvas, das trovoadas e da neve é que vai ser! - acrescenta um pastor
- Pois é. - concorda o outro
Os dois dão uma gargalhada, de tão felizes:
- Até as flores estão mais bonitas! - comenta um pastor
- Pois estão.
- Vou já encher a minha garrafa.
- Eu também.
E os dois ficam a apreciar a mudança, encantados, enquanto o gado pasta e bebe a água, sem saberem que foram os beijinhos, os abraços e a gratidão das flores, à Natureza.
FIM
Lara Rocha
25/Novembro/2024