A jovem andava com a chave, mas já não o abria há muito tempo, entretanto, estava uma caneta pousada na mesma prateleira. O diário ficou tão feliz por ver a caneta que deu uma sonora gargalhada, bateu palmas, saltitou e saiu do sítio onde estava.
Os outros livros apanharam um grande susto e ficam a apreciar. Até a caneta dá um grito, assustada.
- O que é que lhe deu? - pergunta um livro
- Não sei! Passou-se… - responde outro
- Nunca o vi assim! - acrescenta outro livro
- Uma caneta! - suspira o diário
- Estás a falar comigo? - pergunta a caneta
- Sim! - responde o livro
- O que é que eu tenho?
- (ri) já não via uma caneta há tantos séculos!
- Azar o teu. O que é que eu tenho a ver com isso? Estou onde a menina me põe!
- Eu sei! Desculpa a minha manifestação de alegria, mas é que não via uma caneta tão de perto há tantos séculos, que quando te vi, não contive a minha emoção.
- Foi por isso que gritaste daquela maneira?
- Foi.
- Ah! Está bem.
(Todos riem)
Entra a jovem. Faz-se silêncio. O diário pensa para si próprio: «será que é desta que vou ser outra vez utilizado, acariciado, riscado…? Que mãos bonitas aquelas! Porque deixaste de escrever em mim? Eu gostava tanto do que partilhavas comigo!»
Enquanto o diário está mergulhado nos seus pensamentos, a jovem pega na chave, a seguir no diário, pega nele e depois na caneta.
- Olá! - diz a jovem
- Ah! Mas o que é que aconteceu aqui? Vais-me tirar o pó?
A menina sacode o pó do diário. Este ri à gargalhada de felicidade.
- Desculpa, não percebo qual a tua histeria com o que está a acontecer. - diz a caneta
- É que já só tinha mais pó do que palavras…
- E depois?
- E depois? Não gosto de pó, nem de estar sozinho, sem palavras, sem ser escrito, já tinha muitas saudades de sentir uma caneta e de estar entre duas mãos.
A jovem relê as páginas escritas do diário, este está tão feliz que até pensa ser um sonho.
- Óh, diz-me que isto é real!
- Sim, é real! Não sei se ela vai realizar o teu desejo de… me sentires e de escrever em ti, mas pelo menos tirou-te o pó.
- É verdade.
A jovem ri e comenta:
- Eiiii...que coisa mais pré-histórica. Já nem lembro desta criatura, felizmente não voltei a vê-la. Acho que não ia dar certo...parecia quase um romance daqueles de filmes...ele já nem se deve lembrar de mim! E…nem eu me lembro dele. Vou voltar a escrever no diário, tem acontecido coisas tão boas que são para ser registadas, não vá a memória atraiçoar-me daqui a uns anos.
O diário chora de alegria, e ri à gargalhada:
- O meu desejo foi realizado. Ah! Finalmente, vou livrar-me do pó, abraçar outra vez palavras, e sentir canetas…que maravilha! Obrigada, amiga! Como ela está diferente! Realmente as palavras que escreveste aqui, não me souberam muito bem, mas a minha função não é avaliar o que me contas, é apenas ouvir...ou...ler...bem, não sei como se diz...mas...receber as tuas palavras e guardá-las. Obrigada pela tua confiança em mim, menina…!
- Nunca outra vi…! - ri a caneta
- Desculpa…?!
- Nunca vi um diário fazer tanta desta por ser escrito.
- Deixa para lá!
A menina acaricia o diário, sorri, o diário fica tão feliz que sorri, suspira e comenta:
- Óh! Que saudades que eu tinha deste carinho! Que mãos maravilhosas, macias, delicadas...adoro!
Pega na caneta e começa a escrever. O diário fica deliciado ao sentir a caneta, ao vê-la dançar tão bem no papel e as palavras a aparecer no papel com todas as formas, cores, cheiros, sons, tamanhos. O diário aplaude a dança e o cantar da caneta, ela ri.
A jovem escreve páginas e páginas, milhares de palavras, sobre acontecimentos atuais que a fazem sentir-se realizada, feliz, coisas que a preocupam, medos, pessoas e situações que a irritam e fazem sentir raiva. Sonhos que gostava de realizar, outros que sabe não serem possíveis, fantasias, palavras que gostava de dizer e não pode, porque magoará outros, recordações.
Descreve paisagens, aventuras com pessoas, escreve letras de músicas, poemas, que gosta, e de repente…o diário fica totalmente preenchido. A jovem para:
- Óh! Acabou este diário. Vou comprar outro, para te fazer companhia. Obrigada querido diário, por estares aí! Ao fim de tanto tempo em que conversava contigo, deixei de o fazer, porque achava que escrever diários era coisa de adolescentes, mas agora que sou adulta, voltei a sentir necessidade de escrever. Pelo menos, sei que em ti posso confiar.
- Eufórico – Ela está a agradecer-me, que querida! Eu é que fico feliz e agradeço a partilha, a confiança, a amizade...não há idades para escrever num diário, pelo menos, foi o que sempre ouvi dizer, e vi mãozinhas pequeninas, a escrever, mãos maiores, outras com muita experiência de vida que usavam muito as mãos com certeza...qualquer um pode usar-nos! Mas...espera aí...depois destas coisas tão boas, e bonitas...ela vai deitar-me para o lixo? Só porque já tenho todas as folhas escritas?
- Não! Ela vai comprar outro, e pôr à tua beira. - diz a caneta.
- Ah! Que susto. Seria muito injusto, não achas?
- Sim!
- Tu também tens um diário?
- Claro que não! Eu só escrevo o que me mandam.
- Estás cansada?
- Não! Gosto muito de transmitir o que me pedem nas folhas.
- Gostei muito de te ver dançar, e de todas as palavras que deixaste sair.
- Até já, querido diário. Obrigada. Vou buscar um companheiro para ti.
- Até já!
O diário e a caneta continuam numa conversa muito animada enquanto a jovem vai buscar outro diário. Este diário não podia estar mais feliz, e vocês, usam diários? O que escrevem neles? Se quiserem podem partilhar nos comentários.
FIM
Lara Rocha
5/Junho/2023
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