Era uma vez uma menina, que tinha no sótão da sua casa um livro enorme, com uma capa brilhante, e muitas centenas de páginas.
Quando aprendeu a ler, a menina quis saber o que guardava o livro. Foi ao sótão, encontrou o livro pousado no chão, cheio de pó, a soluçar.
- Óh, o que é que eu estou a ouvir...? Parece alguém a soluçar.
Procurou pelo sótão todo, na janela não viu nenhum animal, nem pessoa, mas continuava a ouvir chorar.
- Quem está aí a soluçar e a chorar? - pergunta a menina, na esperança de ouvir alguma coisa.
- Sou eu! - responde o livro
- Não estou a ver ninguém!
- O livro...estás a olhar para mim, pequena!
- Áh! Um livro a chorar e a soluçar...? O que se passa? - perguntou a menina
- Estou a chorar de tristeza e de alegria! - diz o livro
- Mas como assim? Só se chora quando se está triste, ou quando acontece alguma coisa muito boa.
- Estou triste porque estou para aqui neste sítio, sem ser limpo, sem ser folheado, sem ser lido. Vejo outros livros a ser lidos, e eu continuo para aqui! Encostado, abandonado!
- Mas já estás cá há muito tempo?
- Acho que sim, não sei...!
- Como não sabes?
- Eu não sou como vocês, sou um livro.
- E os livros choram?
- Também, tanto fazem rir como chorar.
- E porque é que estás feliz?
- Tu viste-me! E vais ler-me?
- Ahhhh...tu és gigantesco! Ainda não sei ler bem.
- Óh, por favor, lê-me. Estás a aprender, daqui a pouco já sabes.
- E sobre o que é que falas?
- Sobre...muita coisa, pelo que me lembro! Alguém conversou muito comigo, a certa altura, mas não sei como ainda estou aqui, mas ninguém fala comigo.
- Estás cheio de pó. Vou limpar-te!
Soprou e limpou o pó, abriu a primeira página, começou a ler, meia dúzia de linhas, porque ainda mal sabia ler, e ficou cheia de sono. O livro não cabia em si de felicidade.
Inclinou-se, quase dormia sentada, deitou-se sobre as páginas enormes do livro, como se fosse uma cama, e adormeceu.
O livro acariciou-a, e cobriu-a com duas grandes folhas dobradas, sussurrou uma pequenina história de embalar, que a fez sonhar com o que estava a ouvir, mesmo a dormir.
Quando adormeceu, sonhou com o que o livro lhe contou, com a palavra era uma vez...a seguir a essa palavra, enquanto dormia, a sua mente criou uma história diferente.
Acordou aos gritos, a chamar pela mãe, a mãe muito assustada vai ter com ela e perguntou o que aconteceu. Viu-a deitada em cima do livro.
- O que estás aí a fazer?
- Mãe, estava a ler a primeira página deste livro gigante, mas fiquei com sono, deitei-me por cima desta página. Ele falou comigo, até o ouvir a soluçar, e a dizer que estava triste e feliz, estava a chorar.
- Imaginaste que ele fez isso, não foi?
- Não, aconteceu mesmo!
A mãe ri, e finge que acredita:
- Está bem, está bem. Coitadinho, deve ter razão…!
- Tu também falas com os teus livros, mãe?
- Falo. E escrevo coisas sobre isso nas margens dos lados. Os meus pensamentos.
- Tu também choras, e ris com os livros que lês? - pergunta a menina
- Claro, toda a gente! - diz a mãe
- Ele disse que estava triste porque estava aqui há muito tempo e ninguém o lia, via outros a ser lidos, e ele nada! Disse-me que os livros tanto fazem rir como chorar, que falou durante muito tempo com alguém que o deixou aqui abandonado. Já viste como ele é enorme? Quase parece uma cama. Quando adormeci, sonhei com estas palavras: «era uma vez», e depois apareceu uma história diferente, que eu gostei, queria escrevê-la. Ou podes escrever tu, mamã, por favor!!!
- Tiveste um sonho, imaginado na tua cabeça depois de ler as primeiras linhas.
- Sim, eu leio devagar, li poucas linhas, mas como adormeci, acho que sonhei, só que não era o que dizia no livro.
- Então ainda te lembras do que sonhaste?
- Sim.
- Está bem, enquanto estás a aprender a ler e a escrever, tu ditas-me e eu escrevo. Não é muito grande, pois não?
- Não.
- Espera, vou fazer melhor...vou gravá-la no telemóvel, e assim depois podes pô-la para o pai, e para os Avós.
- Está bem.
- Vá, põe-te direita, e começa a contar, quando eu disser.
- Está bem.
A mãe pega no telemóvel, põe a gravar, e faz-lhe sinal. A menina começa a contar o seu sonho, começado por era uma vez, com risos e pormenores que se lembrava muito bem. Depois contou as linhas que leu.
A mãe não se lembrava de ter lido aquele livro tão grande, nem de quem era, mesmo assim, adorou o sonho da menina, inspirado no que leu.
A menina entusiasmada, pede à mãe para pôr o pai e os avós a ouvir a sua história e sonho. Todos aplaudem e riem.
Quando a menina já sabia ler melhor, já conseguia ler mais páginas do gigantesco livro de cada vez, mesmo assim, cansava, sonhava, e a mãe gravava outro sonho que a filha tinha, umas vezes inspirados no que tinha lido, outras vezes, novas histórias, que ela dizia ser as suas respostas e os diálogos com o que estava escrito no livro.
Depois de aprender a escrever, a menina lia poucas frases, e escrevia o que lhe vinha à cabeça, mostrava aos pais e aos avós, que se sentiram orgulhosos pela sua imaginação e evolução a ler e a escrever.
Muitas vezes, ouviam a menina a falar sozinha, espreitavam para ver se ela estava acompanhada, ou a falar com eles.
- Não, estou a falar com as palavras do livro! Ele está a falar comigo! - respondia
Todos percebiam que era da sua imaginação. Quanto mais a menina desenvolvia na leitura e na escrita, mais lia, mais conversava com o livro, com as personagens, e mais histórias nasciam na sua cabeça, que escrevia.
Demorou bastante tempo a ler o livro todo, mas escreveu muitas histórias, aprendeu muito, e era o seu passatempo preferido.
Mostrava orgulhosa, as suas histórias e um dia mais tarde, os seus pais fizeram um livro com todas elas, todos os seus sonhos, respostas, diálogos, perguntas e outras que surgiram enquanto lia e escrevia.
A menina ficou muito feliz, riu muito enquanto releu as histórias, e as suas professoras de português gostaram tanto do que ela escrevia que foram a uma editora, e publicaram um livro, muito vendido em todas as livrarias.
Foi um sucesso! Ela transmitia sempre a seguinte mensagem: é muito importante e é bom ler, escrever. Estamos sempre a aprender, com os livros, e quanto mais lemos, melhor escrevemos, mais sonhos temos, mais felizes somos.
Isto incentivou muitos meninos e meninas a ler, a escrever, com gosto. Alguns escreviam também as respostas que imaginavam enquanto liam.
A menina, mesmo mais crescida, ainda falava com o livro, agradecia-lhe por tudo o que ele lhe contava, e tudo o que tinha aprendido com ele.
Os dois tinham longas conversas, e eram grandes amigos!
FIM
Lara Rocha
19/11/2022
Ler é bom, é como se estivéssemos a conversar com alguém, com muita gente, aprende-se muito a ler.
E vocês, também leem?
Também falam com os livros, ou escrevem?
Experimentem!
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