Demência
de uma hipocondríaca
MEMÓRIA NOSSA DE TODOS OS DIAS!
(monólogo)
Todos os dias temos memória! Memórias. A
memória faz-nos mover, agir de forma automática, quase sem pensarmos,
principalmente naqueles gestos rotineiros, aprendemos, lemos, estudamos,
escrevemos.
Pela
memória emocionamo-nos (ou re-emocionamo-nos), rimos às gargalhadas, choramos,
sentimos saudades, e vontade de repetir determinados momentos, ou lembramos
acontecimentos que queríamos esquecer, e esquecemos por vezes recordações que
gostaríamos de reavivar todos os dias, falamos, pensamos, decidimos, sentimos o
mundo à nossa volta, defendemo-nos de agressões internas e externas.
A
memória por vezes corresponde a momentos, outras informações ficam armazenadas,
e umas são ativadas sempre que necessário, outras parece que se apagam.
A memória
pode ser tão fugaz como um suspiro, dá sentido à nossa vida e à nossa existência, às nossas relações, pois
permite-nos armazenar informações relativas a rostos e dados sobre as pessoas
que nos são familiares, permite-nos andar com segurança por espaços, e conhecer
outros, sem esquecermos as nossas origens, a memória conta histórias.
Em
todos os tipos de memória, há a conservação do passado através de imagens ou
representações que podem ser evocadas. Não há tempo sem um conceito de memória,
não há presente sem um conceito de tempo, não há realidade sem memórias e sem
uma noção de presente, passado e futuro.
A memória é o armazenamento e evocação de informação adquirida
através de experiências, e a aquisição de memórias designa-se aprendizagem. Memória
e aprendizagem estão interrelacionadas, as memórias, tal como os sonhos, planos
e projetos, nascem do que alguma vez percebemos ou sentimos.
Mas a memória também nos atraiçoa, não dura para sempre, tem quebras, falhas, lapsos que nos assustam. Ninguém imagina a angústia que me assombra! A mim e a toda a gente, mas parece que só eu, em
nome de todos os que sofrem do mesmo que eu, tenho coragem de assumir esse
medo.
É que ninguém
imagina, nem sabem que sou uma mensageira enviada pelas deusas angelicais,
desde o dia em que nasci, para denunciar, ser a voz… dos medos das pessoas.
Aqueles medos secretos, que se escondem debaixo de sorrisos amarelos e falsos.
Eu ainda tentei
negociar com elas, e disse que não queria, porque não sou coscuvilheira. Disse
que não queria essa missão, porque todos os seres humanos, são um bando de
falsos. Usam máscaras. Eu sou a única que não uso máscaras, por isso é que elas
me escolheram.
Sim, e medo é
pouco. Acho que é mesmo fobia ou lá o que quiserem chamar. Tenho muito medo de
ter demência. Eu acho, acho não, tenho a certeza… que ela já está em mim. De
certeza que todos vocês também notam que estou a ficar demente. Se é que sabem
o que isso é. Ainda é um segredo para muita gente. Não sei porquê, afinal
estamos todos sujeitos.
Toda a gente à
minha volta me rotula, dizem que sou louca, que preciso de tratamento
psiquiátrico, que estou a delirar, que tenho a mania das doenças. Como é
possível? Até me magoam. Só quem tem demência, sabe e sente a dor que é.
Já se
imaginaram dementes? Também vos chamaram loucos? Como não ter medo de uma cena
dessas… ai…como se chama…? Óh, lá estou eu. Já me esqueci. O que é que eu
estava a dizer? Acho que era sobre…a loucura, não era?
Já
não sei o que disse, mas repito outra vez o meu terror, que é o de todos vocês,
só que não assumem: ficar…esquecida de tudo! Já aconteceu comigo, mas dizem que
sou muito nova, ainda sou uma criança. Ora…já nem sei que idade tenho, a
família diz que sou uma criança. Não acredito que seja uma criança. Porque se
já tenho demência, a demência é dos mais velhos, por isso já devo estar com
bastante idade.
Até o espelho
me engana, e concorda com eles que dizem que ainda sou uma criança. Não sei se
sou aquela que aparece no espelho, não a conheço. Eles, todos os que me rodeiam
estão a enganar-me. Tenho a certeza…ou acho eu! Tenho a certeza. Estão a
esconder-me o meu real problema. A demência.
Ou foi aquela
maldita que me roubou o meu amor, claro, só pode…ela deve ter feito algum
feitiço contra mim, levaram-me ao hospital, e disseram para lá que eu tinha uma
depressão, grave, é claro. Comigo é sempre tudo o pior.
Estúpida,
roubaste o meu amor, e ainda por cima lançaste-me um feitiço, mas vais
pagá-las! Não vou ser eu que me vou vingar, mas alguém, estás rodeada de gente
má…cornos vais ter com toda a certeza! Que grande pinta! (gargalhadas) Uau, vão
ficar a matar. Eu também os tive, e tu não és mais do que eu! Aliás, deves ser
bem menos que eu, para ele gostar de ti, quando me tinha.
Será que ele
também já sabia que eu estou demente ou que tinha muito medo de estar demente?
E não me disse nada? Deixou-me…mas que maldoso. É o que ele merece, porque na
prática também não era flor que se cheirasse. Era um babadola. Não podia ver
uma mulher. Acho que na realidade, ele nunca me viu, porque se me visse,
dava-me um beijo daqueles que me aspirava, e quebrava o feitiço daquela cabra!
Ele nunca me
deu desses beijos, mas era um dos meus sonhos a realizar com ele. Monstro!
Tínhamos tanta coisa para viver e realizar. Ele é que deve estar demente, para
ter gostado daquela porcaria.
Até ela deve
ter demência, ou tem medo, mas arma-se em forte! Sim, claro, ninguém está livre
de ter uma cena dessas! Áhhh,,, onde é que eu ia? Estava a falar de quê? Isto é
sinal de demência. Eu li!
Outro sinal… eu
olho para o espelho e para as fotos e não sei quem é aquela mulher. É por isso
que eu digo que me querem muito mal. De certeza que entraram no meu cérebro e
apagaram uma série de lembranças. Não sei se foi lá no…como se chama…onde
estavam todos vestidos de branco, os que me esconderam que eu tenho demência, e
inventaram que era depressão.
Se
calhar são as porcarias que eles me mandaram tomar. Sinto-me muito estranha!
Aquilo deve ser droga, deve ser isso que apaga a minha mente…é que estou
perdida no espaço e não sei onde estou, nem que dia é hoje.
Aqueles de
branco disseram que era próprio da…como se chama? Óh! Já me esqueci outra vez.
Bem, eles disseram que era da tal…depressão grave. Mas não sei porque dizem que
é depressão, se eu tenho mesmo é…demência!
Eu sei que é! O
não saber onde estou, nem me conhecer também é sinal de demência. Ou foi aquela
bruxa que mexeu na minha cabeça e roubou-me tudo, até o meu amor. Não sei se o
nome dele era esse, mas sei que ela mo roubou.
Eu sempre soube
que estava rodeada de gente má! Gente que me odiava e que só me queriam mal.
Mas porquê? Eu sempre fui boa para eles, ao contrário do que eles dizem, só que
às vezes tinha mau feitio pelo que dizem.
Não sei se
tinha, porque eles são muito suspeitos a dizer isso. Toda a gente tem mau
feitio, e se eu fui má, assim tão má como eles dizem, é porque eles provocaram.
Claro! Eu não ia ter mau feitio assim às boas, só porque eles diziam.
Só me queriam
fazer mal. Mas porquê? Eu sempre fui boa para eles…que mal agradados, ou lá
como se diz. Esqueci-me como se diz, Óh valha-me não sei quem! Vou de mal a
pior. Também aquela que aparece nas imagens e no espelho, podia dar-me uma
ajuda. Se calhar foi enviada por aquele monstro que só me quer prejudicar.
Cá para mim foi
o tal amor, que não me lembro se era assim que se chamava, mas era o que acho
que lhe chamava. Não sei o que é que ele tinha para eu gostar tanto dele, mas
eu gostava. Já devia ser a bruxaria da outra a começar.
Como é possível
eu esquecer-me da cara de quem chamava amor? Amor…não me lembro da cara dele,
mas sei que é bom o que sinto quando digo o nome dele…amor…! Como é possível
haver gente tão má, para lançar feitiços, e principalmente, conseguem pegar. Em
mim, e no tal Amor.
Não sei se ele
está como eu. Não consigo encontra-lo. Ele estava sempre à minha beira, mas
como desapareceu…nunca mais o vi. Foi aquela que o levou, só não sei para onde.
Mas eles estão a esconder o meu verdadeiro problema.
Até o Amor
saberia qual era o meu problema e pôs-se a andar. Lá porque parece que já estou
velha, nem sei quantos anos tenho. Isso é outro sinal de que tenho demência.
Eu li isso.
Felizmente agora a internet tem todas as informações, assim não nos deixamos
enganar. Só que no meu caso, sou eu a dizer uma coisa, e aqueles de branco a
dizer outra coisa completamente diferente.
Eles é que
estão errados. Tudo o que eu li, bate certo com a demência. Têm muito essa
mania de esconder dos velhotes, os verdadeiros problemas. Que falsidade. Não
sei como aturam isso. Até inventam outros nomes, mais mimosos, estão a brincar
com uma coisa muito séria. Não gosto nada disso.
Não lhes
adianta nada esconder, porque eu sei que é isso que eu tenho… demência. Acho
que não vou acabar bem. Porque a tendência desta doença é piorar, e a minha já
está adiantada!
Não tardará
nada, eu sei, eu li isso, perder-me-ei na rua. Aliás, isso já acontece. Já
imaginaram o que é…? Que medo! Já não me deixam sair à rua sozinha. Eles não
dizem, mas de certeza que é para tomar conta de mim, a ver se não me perco. Não
gosto destas brincadeiras de esconder coisas sérias.
Não ia mudar
nada, se me dissessem que tenho mesmo é demência. Eu já sei que sim. Porque é
que fazem isso comigo? Não sei que mal lhes fiz. Eles e elas é que se fartam de
me fazer mal. Que nojo. Insensíveis.
Escondem-me a
demência, com a máscara da tal…depressão grave, que eu nem sei quem é. Mas
fartam-se de falar nela. Deve ser alguém de muito valor, para se ter encostado
a mim. Sim, porque só se encosta a mim quem tem mesmo valor.
Porque eu não
sou qualquer um…ou uma…também não interessa se sou um ou uma, porque na
realidade ela encosta-se a cada um, a quem quer, pelo menos ela não se importa
com rótulos.
A
tal…depressão, pelos vistos gosta de toda a gente. Cá para mim, ela é uma
falsa. Deve fazer-se de simpática e boazinha com todos, e depois, nas costas
trama…dá facadinhas! A mim também me deu facadinhas, facadinhas não… facadonas!
Está aqui a prova, no meu corpo! Óóóhhhh… cicatrizes por todo o lado.
Sabem o que me
disseram disto? Que fui eu que me cortei. Como? Mas alguém acredita?
Impossível… acho que ninguém é tolinho para se cortar de propósito. Mais uma
vez disseram que era a tal…depressão. Será que foi ela que me cortou?
A missão que me
deram as angélicas foi assumir os meus medos e denunciar os medos dos outros.
às vezes parece que uso uma máscara, ou então, alguém me invade e fala por mim,
porque sou tímida, mas ás vezes, falo como se não houvesse amanhã. Não sei de
onde me sai tanta palavra. Parece que engulo no ar um monte de palavras.
Aqueles
falsos…tenho a sensação que…já sei, foi aquele monstro que incluiu isso no
feitiço que me lançou para toda a gente se afastar de mim! Claro, quem é que
está para aturar alguém que parece um rádio ou uma rela?
Mas ela vai
ver! E ele também! Eu não atribuo as culpas do que me acontece, aos outros, mas
nisto, eu tenho a certeza que foi ela, e ele também, que era tão idiota que de
certeza caiu que nem um pateco no feitiço dela.
Eu não digo que
a culpa é dos outros, mas neste caso, é! Eu não sou louca, nem sou assim tão
tagarela que não me calo. Eles é que me fazem falar demasiado. Não sei se são
eles, ou se são elas…para eu cumprir a minha missão.
Os outros nem
precisam de abrir a boca, para mostrarem as suas máscaras. Eu, ou alguém que
toma conta de mim, percebo muito bem as falsidades. Mas todos acham que sou uma
idiota.
E eu finjo que
acredito neles, e não lhes conto sobre a minha missão. Mais cedo ou mais tarde
revelam-nas, mas primeiro sou eu que as vejo. O que fazem com elas não sei, nem
me interessa, nem tenho que me meter nosso. só lhes levo as informações.
Mas eu não uso
máscaras! Os outros é que as usam. Às vezes, só finjo que acredito, é diferente
de usar máscaras. Estou rodeada de falsos. Mas, eu estava a falar de quê?
Raios. Já me esqueci outra vez.
Como é que se
atrevem a tornar a coisa leve, com o rótulo de…depressão profunda? A depressão
profunda não dá nada do que eu tenho. Não dá esquecimentos, e esqueço-me de
tudo. Não dá confusão mental, bem, isso, eu às vezes tenho…não sei onde estou,
nem que dia é, nem semana, nem mês…os que ficam na companhia da tal rapariga de
que tanto falam…a…como é que ela se chama?! Ai, Santos, ajudai-me! A que dizem
que eu tenho…depressa ou algo assim. Depe…qualquer coisa. Eles é que estão com
ela. Mas claro, os outros é que têm sempre a culpa. Estão a ver como são
falsos?
A culpa é
deles, e estão a dizer que a culpa é da tal rapariga. Eu se fosse à tal
rapariga ficava muito zangada, pior que um bicho. Insultava-os. Ela deve ter
mais o que fazer do que me fazer companhia e comandar-me!
Na, na… isto
que eu tenho…é demência! Eu li sobre isso. Já não se pode confiar naqueles de
roupa toda branca. Aliás, acho que nunca se pôde confiar. Não me lembro se
alguma vez estive com eles, mas supostamente não. Só quando me falaram da tal
rapariga é que…eu vi-os, mas de certeza que não estive com eles antes, porque
não os reconheci.
Estão a ver?
Não há dúvida. Eu ~sei mais que eles, também não sei se a missão deles é
ensinar, mas debaixo daquela máscara deles, não sabem nada. Nem sabem dizer que
a minha verdadeira doença é demência, dizem que é depressão grave! Vejam lá,
vão ao médico por causa de sinais de demência, e ouvem dizer que é a rapariga.
Ela não apareceu.
Não sei o nome
de nenhum deles, mas sei que disseram que não tenho demência. Ora! Acho que vou
ter que lhes ensinar as diferenças entre a depressão profunda e a demência.
Também não sei quais são! Tenho de ir ver à internet, e fotografo. É, pode ser.
A outra que me
comanda ou que vive em mim, a que me ajuda a descobrir as máscaras, bem me
disse, não sei o quê, mas sei que na verdade ela quis dar-me sinal da falsidade
deles! E estava certa. Eles estão a mentir sobre a minha doença. Não sei para
quê!
Tudo o que li,
bate certo com demência, e não com a maneira de ser da tal gaja…a…como é que
ela se chama? A…ai.,. depressão. Coitada. Que nome! Ela se calhar é um fantasma
porque nunca a vi. Fartam-se de falar nela. Deve ser alguma personagem mística.
Que mauzinhos. Podiam ter escolhido um nome mais simpático para ela.
Um dia destes,
eles vão dizer que tenho razão. O que eu tenho mesmo é um medo desmedido de ter
demência, um medo que me domina por inteiro, e que me faz sentir tudo o que
caracteriza essa doença. Porque sou hipocondríaca.
Talvez esteja
com depressão profunda, depois de ter levado com enfeites na cabeça, aquela
armação que muitas recebemos, mas a depressão e dor passam, têm tratamento.
Agora…a demência…tenho muito medo de ter. Os sintomas aparecem em muitas
perturbações, mas a que tenho realmente muito medo é a demência.
A demência
separa-nos dos que amamos, dos que não queremos esquecer, dos que sempre se
lembraram de nós, e nós deles. A demência apaga-nos as recordações mais
felizes, os lugares por onde passamos.
As pessoas que
conhecíamos tornam-se estranhos mascarados. Temos medo de tudo. Perdemos a
noção de tudo, do espaço, do tempo, de nós, dos outros. claro que temos muito
medo da demência. E quem é hipocondríaco, fica demente só de ler os sintomas,
ou com sintomas de depressão grave.
Não há que ter
medo da depressão, porque tem cura e pode ser prevenida! A demência não tem cura, mas pode ser
prevenida em parte. Mais importante do que ter medo, é fazer o que for possível
para não evoluir.
Hipocondria,
demência ou depressão…tudo se resume a… medo!
Fim
Lara
Rocha
11/Novembro/2019
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