Era uma vez uma menina que tinha muito medo do escuro. Sempre que tinha de ir para a cama gritava, resistia, lutava, inventava mil e uma coisas para fazer até cair mesmo com sono. Quando acordava de noite, via tudo escuro e a sua imaginação começava a trabalhar. Parecia que o seu quarto era invadido por seres monstruosos, horríveis, que a assustavam, diziam mal dela, provocavam-na e obrigavam-na a gritar.
Saía do seu quarto a correr, para o quarto dos pais, os pais iam com ela ao quarto, acendiam a luz e mostravam-lhe debaixo da cama, nos armários, nas gavetas, em todos os sítios que não havia ninguém, estava tudo sossegado, e ela tinha era de fechar os olhos e dormir. Ela achava aquilo tudo muito misterioso.
Os pais voltavam a deitá-la, faziam-lhe carinhos, e quando adormecia, apagavam a luz, e voltavam a sair. Acordava outra vez, e lá estava outra vez o seu quarto cheio de criaturas assustadoras, vindas das gavetas, das portas, das janelas, cada qual o mais feio, debaixo da cama, uns que lhe puxavam os cabelos, outros que a descobriam, outros que lhe tiravam a chupeta, outros que lhe tiravam a almofada.
Gritava outra vez, e lá ia a mãe a correr, acendia a luz, ela estava muito assustada, mas a mãe não via nada no quarto, a não ser o que já existia. A mãe ficava com ela até adormecer e voltava a apagar a luz. Quando percebeu que era tudo imaginação da menina, e o medo do escuro, deixou de ir ter com ela.
A mãe ensinou-a que sempre que ela sentisse medo, ou achasse que aquelas criaturas estavam no quarto, acendia a luz, porque elas tinham medo de luz. A menina voltou a sentir medo, acendeu a luz, e não é que a mãe tinha razão? As criaturas que a assustavam tinham mesmo muito medo do escuro.
No seu aniversário, a mãe ofereceu à menina uma luz de presença, fraquinha, pequenina, de colocar na tomada para quando ela acordasse e olhasse em volta, percebesse que estava em segurança no quarto, e que não havia monstros nenhuns. Era uma luz azul clarinha, onde até o João Pestana gostava de repousar um bocadinho e aquecer-se, quando ia levar os frasquinhos com pó de sono e sonhos.
Uma noite, a menina viu o João Pestana pousado na lâmpada e perguntou-lhe:
- Olá João...o que fazes aqui?
- Olá! O mesmo de sempre.
- E o que é o mesmo de sempre?
- É trazer-te soninho e sonhos!
- Mas trazes coisas que eu não gosto, não trazes?
- Eu? Trago coisas que não gostas? Como assim? O quê?
- Tu trazes criaturas horrendas que se metem em tudo quanto é sítio aqui no quarto e depois atacam-me, puxam-me os cabelos, puxam-me a chupeta, puxam-me a almofada, gritam-me, chamam-me nomes feios, fazem-me gritar.
O João Pestana dá uma sonora gargalhada.
- Ai, que susto! O que foi isso?
- Isso o quê?
- Esse barulho, não ouviste?
- Foi uma gargalhada minha! - Diz o João Pestana
- E porque é que te riste assim? Foi para me assustar?
- Não.
- Também fazes parte das criaturas horríveis que me assustam?
- Também não! Nem sei do que estás a falar.
- Nunca ouviste falar de umas figuras assustadoras, feias, malvadas, no quarto das crianças?
- Não. Também nunca falei com eles. Só deixo os frasquinhos, e depois eles que se arranjem.
- Será que elas só vêm ter comigo?
- Não sei!
- Mas se não és tu que as trazes...quem as trará?
- Não sei! Vou continuar o meu serviço. Gosto muito da tua lâmpada.
- Gostas?
- Gosto.
- O que tem de especial?
- É bonita, e aquece-me.
- Tu também tens frio?
- Tenho, claro.
- Mas não vais levá-la pois não?
- Não!
- É que desde que a tenho, os monstros não voltaram.
- Ainda bem...Boa noite!
- Óh, espera!
- O que foi?
- Achas que esses monstros estão aí nessa lâmpada?
- Claro que não! Aqui nesta lâmpada, só tem a sua luz.
- De certeza?
- Sim.
- Consegues ver?
- Consigo! Não está aqui nada, nem ninguém. Agora, tenho de ir...Dorme bem!
- Espera!
- O que foi?
- Então se calhar elas têm mesmo medo da luz!
- Talvez. E tu, tens medo do escuro?
- Tenho!
- Então é por isso que eles aparecem!
- Como assim?
- Esses monstros aparecem quando os meninos têm medo do escuro!
- Ah! Então conhece-los?
- Acho que sim... Mas agora fecha os olhos que eles também não aparecem.
- Não?
- Não!
- Como é que sabes?
- É o que dizem!
- Então também já os conheces?
- Não! Já ouvi falar neles, por outras crianças, mas eu nunca os vi. Nunca falei com eles.
- Não tens medo do escuro?
- Não! Agora dorme...
- Espera!
- O que foi?
- O que é que os outros meninos dizem deles?
- Óh, não sei, não decorei, mas acho que são coisas parecidas com o que tu dizes.
- Como é que sabes?
- É o que todos dizem. Dorme!
- Espera...
- O que foi?
- Eles também têm luzes como as minhas?
- Sim, alguns.
- E os monstros aparecem?
- Acho que não.
- E aos outros que não têm luzes?
- Acho que aparecem, pelo menos é o que dizem! Agora, fecha os olhos, e dorme...eu tenho de continuar o meu trabalho.
- Espera!
- O que foi agora?
- Espera mais um bocadinho!
- Não posso.
- Vá lá! Porque é que estás com tanta pressa de ir embora?
- Porque ainda tenho muitas casas para onde ir. Daqui a pouco é tarde.
- Não é nada, para nós crianças não existe tarde, são sempre horas de tudo, e ficamos muito zangados quando temos de interromper o que estamos a fazer, para te fazermos a vontade! Dormir...detestamos dormir.
- Mas dormir é preciso, e eu só faço isso para vosso bem, porque vos faz bem, e porque me mandam.
- Quem é que te manda?
- Os vossos pais e outras pessoas que não conhecem.
- E para que é que eles te mandam fazer isso?
- Porque vocês crianças precisam de descansar, e eles também.
- Tu também dás sono aos grandes?
- Claro.
- Mas eles ainda não estão a dormir.
- Pois não, dormem mais tarde.
- Porquê?
- Porque não conseguimos distribuir sono e sonhos por toda a gente ao mesmo tempo, as crianças têm de dormir mais tempo, e precisam mais, por isso damos primeiro às crianças.
- Não é justo!
- Dorme! Boa noite, descansa...
- Espera!
- O que foi?
- Faz-me companhia até eu adormecer.
- Mas ainda vais demorar a adormecer...e eu tenho mais o que fazer.
- Como é que sabes que vou demorar a adormecer?
- Porque estás com vontade de conversar.
- Não, se ficares só um bocadinho à minha beira, eu adormeço rápido.
- Posso ficar aqui na lâmpada?
- Não. Anda mais perto de mim.
- Óh...!
- O que foi? Viste alguma criatura das que te falei?
- Não. Para que queres que eu vá para a tua beira até adormeceres?
- Quero sentir-te!
- Para quê?
- Para ter a certeza que tu existes.
- Ora essa, é claro que existo, acho que não preciso de ir para a tua beira, para saberes que existo.
- Vá lá!
- Vocês são muito estranhos...pessoas!
- Tu não és uma pessoa?
- Sou...mas não como vocês.
O João Pestana aproxima-se, e a menina sorri:
- Sim, já percebi que existes mesmo...mas aquelas criaturas...
- Não está aqui mais ninguém: só eu, tu e aquela luz maravilhosa.
- Boa noite, obrigada! Volta um dia destes para conversarmos mais, e para te aqueceres ali na lâmpada.
- Está bem. Um dia destes. Enquanto isso, dorme descansada.
- Tens a certeza que os monstros não vão aparecer aqui no quarto?
-Tenho!
- Prometes?
- Prometo!
- Olha, podes vir aqui aquecer-te mais no fim do trabalho, mas não deixas os monstros entrar aqui, está bem?
- Está bem!
- Se os vires, dá-lhes uma sova!
- Está bem.
- Prometes?
- Prometo!
- Eu não gosto deles!
- Eles não entram aqui.
- Tens a certeza?
- Tenho!
- Como?
- Eles não gostam da tua luz de presença!
- Não?
- Não!
- Tens a certeza?
- Tenho.
- Toma conta de mim, se os vires avisa-me.
- Está bem.
- Obrigada, boa noite.
- Boa Noite
A menina boceja, sorri e adormece. O João Pestana sorri respira de alívio, e sai. Quando a menina acordava via a luzinha de presença e não via os monstros. Era uma luzinha mágica que fazia desaparecer os monstros, porque eles têm medo da luz e adoram o escuro.
Fim
Lálá
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