desenhado e pintado por Lara Rocha
Era uma vez uma linda borboleta que tinha asas como as outras, mas esquecia-me muitas vezes que as tinha. Um dia foi passear, pousada na terra, com as patinhas assentes no chão, e encontrou uma menina muito brincalhona que lhe pediu para calçar umas botinhas que a sua avó tinha acabado de fazer para os seus bonecos.
A
borboleta não sabia o que era aquilo, mas achou tão bonitos e tão confortáveis
que autorizou a menina a calçá-la, e deixou-se andar com eles. Sentia-se um
bocadinho esquisita, mas não sabia o que era.
Perguntou
à menina que estava a rir às gargalhadas de ver a borboleta calçada com aquelas
botinhas, o que tinha nas patinhas. A menina respondeu que eram uns sapatinhos,
e que ficavam muito bem nos seus pezinhos.
A
borboleta disse que não tinha pés, tinha patas, agradeceu e deu os parabéns à
avó, mas pediu para as tirar. A menina continuou a rir e não tirou. A borboleta
ficou muito zangada, e foi o caminho todo por terra, a resmungar.
Encontrou
mais à frente um gatinho bebé que a cheirou, parecia que a ia aspirar. Ela assustou-se
e o gatinho quis brincar com ela, ela correu, ele foi atrás dela, ela
escondia-se, e ele ia à procura, até que se cansou, e deixou a borboleta
sozinha.
A borboleta viu uma flor,
muito bonita, e quis descansar, mas como a flor era muito alta de pé, a
borboleta não se lembrou como subia, e disse:
- Óh flor…posso descansar aqui no teu pé? É que
estás muito alta, e não posso subir.
- Podes. Mas porque não podes subir? – Pergunta
a flor muito surpresa
- Porque estás aí em cima. – Responde a
borboleta
- Ora essa…tu tens asas? Porque não sobes
mais? Ou tens medo das alturas? – Pergunta a flor
- Tenho o quê? – Pergunta a borboleta
- Asas. E bem bonitas. Não estou a perceber
porque estás a perguntar isso! – Explica a flor
- O que são asas? – Pergunta a borboleta
- Estás a perguntar isso a sério? – Pergunta a
flor
- Sim! Não sei o que são asas. – Diz a
borboleta pensativa e surpresa
- Como assim? – Pergunta a flor
- Olha o que uma criatura me calçou, quando eu
ia pela estrada! Eu disse-lhe que tinha patas, e pedi-lhe para me tirar isto,
mas ela só se ria, e não tirou. Depois, encontrei um gatinho bebé, que me
cheirava de uma maneira que parecia que me ia aspirar, e também fui pelo chão,
chateou-se e foi-se embora, deixou-me sozinha. E agora, queria descansar porque
sinto-me um bocadinho estranha. – Conta a borboleta
- Pois… (ri-se) Tens as patas presas, dentro
de botinhas de agasalho. Mas tens asas! Porque não as usas? Estão magoadas? –
Pergunta a flor
- Asas…? Não! – Diz a borboleta
A flor suspira.
- Vai ali ao lago e espreita para veres o que
são asas. – Sugere a flor já sem saber o que responder ou perguntar…ou dizer
A borboleta vai pelo chão,
até ao lago, a flor aprecia-se muito surpresa e murmura:
- Ela não está boa…
A borboleta espreita e vê-se.
- Ááááááhhhh…eu tenho duas coisas de fora… -
exclama a borboleta
- São asas! Para tu voares, não é para andares
pelo chão. – Relembra a flor
- Ááááááhhhh…e como é que eu faço isso? –
Pergunta a borboleta
- Óh valham-me todas as florestas…- murmura a
flor preocupada
Aparece outra borboleta, e as
duas borboletas conversam:
- Ai, mas que belos sapatinhos…! Consegues voar
com isso? – Pergunta a sua amiga borboleta
- Outra? – Pergunta a borboleta
- Outra quê? – Pergunta a outra borboleta
- Outra borboleta a falar em voar. – Responde a
borboleta
- Claro, e o que fazemos nós, borboletas? Voamos…pousamos
de flor em flor…e por muitos sítios. – Explica a outra borboleta
- Ainda bem que apareceste, borboleta! Eu estava
a ficar assustada… - Diz a flor a sorrir aliviada
- Ááááááhhhh…tenho asas…? - Pergunta a
borboleta
- Claro, eu também. Querias ter o quê? –
Responde a outra borboleta
- Mas, eu andei pelo chão! – Lembra a
borboleta
- Porque quiseste…e com esses sapatinhos nas
patas é possível que não consigas voar. Experimenta. – Sugere a outra borboleta
- E
como é que eu faço isso? – Pergunta a borboleta
- Ai, não acredito! – Dizem a flor e a outra
borboleta
- Vê como eu faço. – Recomenda a outra borboleta
A borboleta explica como se
faz, e a outra dá saltinhos para tentar sair do chão. A outra borboleta tira-lhe
os sapatos e grita:
- Não são saltinhos, são voos…assim…abre as asas…um…dois…três…
(empurra a amiga) Dá às asas… dá às asas…assim…mais…mais…dá às asas.
A borboleta grita muito
assustada mas consegue voar.
- Boa! Isso mesmo. – Elogia a outra borboleta
- Áh! Estou muito melhor. – Diz a borboleta a
sorrir
E as duas vão voar, enquanto
conversam alegremente. De repente apanham uma rajada de vento que as faz rodar
várias vezes no ar, para tentar lutar e manter-se sem cair, e a borboleta que
se esqueceu outra vez que tinha asas, deixou-se cair. A outra abraça-se e
grita-lhe:
- Dá às asas…
E as duas voltam a levantar
voo, e um bocadinho mais à frente, cansadas, repousam numa flor. As duas
conversam sobre as asas.
- Para que servem as nossas asas? – Pergunta a
borboleta pensativa
- Para te levarem onde queres e precisas de
ir. – Responde a outra borboleta
- Porque é que eu me esqueço sempre que tenho
asas, e que consigo voar? – Pergunta a borboleta
- Gostas de ser borboleta? – Pergunta a outra
borboleta
- Gosto! – Exclama a borboleta
- Então porque te esqueces das asas? Uma das
coisas que temos de mais importante? Se calhar só usas as asas do sonho, e da
imaginação! Porque estás sempre distraída. – Responde a outra borboleta
- Os sonhos e a imaginação têm asas, sim… e
levam-nos muito, muito longe, também nos levam para onde queremos, ou
precisamos de ir. – Explica a borboleta
- Como são as asas dos teus sonhos? – Pergunta
a outra borboleta
- Não sei…nunca reparei nelas. – Diz a
borboleta
- Como nunca repaste nelas? – Pergunta a outra
borboleta
- Eu vou nelas, mas vejo outras coisas. –
Responde a borboleta
- Já viste como elas são importantes? Como as
nossas asas! - Pergunta a outra borboleta
- Sim, mas não as conheço. – Responde a
borboleta
- Como não? – Pergunta a outra borboleta
- Acho que nunca as vi. – Responde a borboleta
- De certeza que já as viste, mas não lhes
ligas, porque elas fazem tudo o que tu queres, nunca pensaste no que elas fazem
por ti, e nunca quiseste conhecê-las. Elas levam-te e pronto. – Responde a
outra borboleta
- Sim, acho que é isso. Tu conheces as tuas? –
Diz a borboleta e pergunta
- Claro que conheço. Vejo-as todos os dias,
são lindas, e agradeço todos os dias as asas que tenho. – Responde a outra borboleta
- E os teus sonhos, e a tua imaginação têm
asas? – Pergunta a borboleta
- Têm! – Responde a outra borboleta
- Como são essas asas? – Pergunta a borboleta
curiosa
- São iguais às minhas. – Responde a outra
borboleta
- Como é que sabes? – Pergunta a borboleta
- Eu vejo-as sempre. – Responde a outra
borboleta
- E eu posso ver as asas dos meus sonhos? - Pergunta
a borboleta
- Claro que sim. – Responde a outra borboleta
- Como? – Pergunta a borboleta
- Da próxima vez que fores nelas, verás como
são. – Responde a outra borboleta
- Achas que são iguais às nossas? – Pergunta a
borboleta
- Não. As minhas e as tuas não são iguais…temos
padrões diferentes…mas talvez as asas dos teus sonhos, sejam iguais às tuas,
como são as minhas. – Responde a outra borboleta
- Vou fechar os olhos, para ver se as consigo
ver. – Diz a borboleta
- Está bem. – Concorda a outra borboleta
A borboleta fecha os olhos,
sorri.
- Óh, só estou a ver a sombra delas. – Diz a
borboleta
- Tens de olhar com atenção. – Recomenda a
outra borboleta
- Como? – Pergunta a borboleta
- Olha para elas sem pressa. Deixa que elas se
mostrem. – Sugere a outra borboleta
E passado um bocadinho ela
consegue ver as suas próprias asas de olhos fechados, quando a sua amiga
borboleta a abraça.
- Áh! São iguais às minhas. – Repara a
borboleta muito surpresa
- Boa! Conseguiste vê-las. Eu disse-te. E gostas
delas? – Responde e pergunta a outra borboleta
- Adoro. – Responde a borboleta, sorridente
- Porquê? – Pergunta a outra borboleta
- Porque elas são importantes e levam-me onde
eu quero. E porque adoro ver tudo o que elas me mostram. – Responde a borboleta
- Certo. Eu também, mas não te podes esquecer
que tens asas de verdade, e são elas que existem, que te levam, que não te
deixam cair, a não ser que estejam feridas. Essas é que importam mesmo. – Diz a
outra borboleta
- E as do sonho e da imaginação? – Pergunta a
borboleta
- Essas são lindas e importantes, mas não
tanto como as tuas verdadeiras asas. – Responde a outra borboleta
Depois
dessa conversa, a borboleta ainda se esqueceu algumas vezes que tinha asas, porque
só se lembrava de usar as asas da imaginação e do sonho.
Era mesmo muito sonhadora, de
olhos abertos, e gostava muito de sonhar, era por isso que estava sempre distraída,
até se esquecia que tinha umas asas verdadeiras, mas a sua amiga estava sempre
por perto, para lhe lembrar que tinha asas, e o que fazer com elas.
E vocês? Conhecem as vossas asas? Como são?
Onde vos levam?
Fim
Lálá
(28/Setembro/2016)