fotos de Lara Rocha
Era
uma vez umas flores num jardim. De entre todas as flores, todas bonitas, cada
uma com a sua beleza particular e diferente da outra, havia uma que chamava
mais a atenção de todos. Era uma flor grande, com pétalas lindas, tão macias
que pareciam de veludo, e salpicos de várias cores, ao contrário das outras que
tinham pétalas de uma só cor.
Toda
a gente reparava nela, e servia de inspiração para muitos artistas que a
pintavam, bordavam, fotografavam e filmavam, e escreviam lindas frases a pensar
nela. Fartavam-se de a elogiar. Era por isso que ela ficava cada vez mais
bonita, vaidosa e sentia-se realmente especial.
No
inicio a flor tinha muitas amigas, porque embora ela fosse a preferida, as suas
amigas sabiam disso, e também sabiam que eram bonitas, mas o tempo passou, e
quanto mais as pessoas reparavam na amiga, menos reparavam nelas. Por isso…elas
começaram a ficar tristes e a deixar de ligar à sua bela amiga, a murchar, a
perder a cor e as pétalas a ficarem secas.
Até começaram a comentar entre si:
- Olha para ela…
- Já estou farta de olhar para ela.
- Convencida.
- Tem a mania que é boa.
- Só me apetece desaparecer daqui…só reparam nela.
- Realmente, parece que não há mais nenhuma flor
neste jardim.
- Toda a gente repara nela.
- Eu sinto-me horrível.
- Eu também…no inicio até gostava dela, e achava que
tinham razão em apreciá-la, mas agora até mete nojo.
- Também acho. Eu achava que também era bonita, mas
agora já não tenho tanta certeza disso!
- Pois! – Dizem todas
De repente chegam dois meninos: o
Gonçalo e a Maria Luísa, que reparam nas flores murchas.
- Óh…olha mano…estão cheias de sede! – Diz a Maria
Luísa
- Coitadinhas! Até já estão a ficar secas, e
murchas…a perder a cor. – Confirma o Gonçalo
Pegam num regador e regam-nas. As
flores abrem um grande sorriso por estarem a ter atenção!
- Olha esta que linda… - Repara o Gonçalo
- E esta…tem uma cor tão bonita! – Diz a Maria Luísa
Os manos reparam em cada pormenor, e
acariciam as pétalas de cada flor. Elas renascem…aqueles elogios, os mimos e a
atenção que receberam dos meninos fez-lhes mesmo bem. Estavam como novas. A
última flor em que reparam é na mais bonita.
- Óh mano…olha que gira esta… - Elogia a Maria Luísa
E a flor fica vaidosa.
- Estava a ver que não reparavam em mim.
Mas ela começou a ser ignorada,
deixam de reparar nela, e de a elogiar. Ela começa a fazer de tudo para que
voltem a reparar em si, mas não consegue…então, começa a murchar, a perder as
cores, a ficar seca, como aconteceu com as suas amigas. Uma voz soa do interior
da flor mais bonita:
- Aaaaaiiiiii…. Que tristeza!
A flor estremece.
- Estou a ouvir coisas?
- Sim…estás-me a ouvir?
- Estou a ouvir alguém a falar.
- Sou eu.
- Quem?
- A flor murcha.
- Onde estás?
- Estou aqui.
- Onde…?
- Aqui.
- Estás a gozar comigo?
- Não. Estou aqui.
- Não vejo aqui nenhuma flor murcha. Só eu. Mas não
me estou a ver ao espelho.
- Pois não. Mas estás a falar com a flor murcha.
- Eu era uma flor vistosa, linda, maravilhosa, sexy,
a mais bonita do jardim, mas agora já ninguém repara em mim. Toda a gente
gostava de olhar para mim, de me tocar, e diziam coisas bonitas… sem querer, eu
até ficava vaidosa. Mas tinha razão para ficar, não é…? Agora…Já ninguém toca
nas minhas pétalas, já ninguém diz que elas são bonitas, já ninguém vê as cores
que eu tenho em cada uma delas! Já ninguém me fotografa, nem me pinta, nem me
borda! Já ninguém me escreve poemas. Parece que de repente deixei de existir
neste jardim. Será?
- Pois, eu sou a flor murcha. Estou murcha pelos
mesmos motivos que tu…porque deixei de ter atenção, deixei de receber elogios,
carinhos e palavras bonitas.
- Óh…é muito triste!
- É. Mas então…espera eu…eu não te vejo, mas estou a
ouvir-te. Se nos aconteceu a mesma coisa…
- Não sei o que estás a pensar.
- Estou confusa!
- Eu também.
A
Maria Luísa acabou de ter uma conversa com a sua Avó, sobre flores. E a sua Avó
disse-lhe que as flores são como as pessoas…gostam de receber mimos, e atenção,
gostam que reparem nelas, que as elogiem e conversem com elas.
A
Maria Luísa ficou a pensar que talvez fosse por isso que aquela flor estava
murcha, como as outras, e lembrou-se do que tinha acontecido uns dias antes,
quando ela e o mano regaram as outras flores, repararam em todos os seus
pormenores e belezas, tocaram-lhes nas pétalas delicadamente, e elas ficaram
como novas. E foi mesmo isso que aconteceu!
A
Avó tinha toda a razão…quando a menina foi regá-las, uma por uma, acariciou as
pétalas de cada uma, carinhosamente e delicadamente, disse coisas bonitas a
cada uma delas, aconteceu uma verdadeira magia: todas as flores que estavam
quase a murchar, por falta de carinho, atenção e dedicação, ficaram como novas,
voltaram a despertar e as suas pétalas vistosas como sempre.
A outra flor bonita, não via a flor
murcha porque elas são uma só…era o lado dela que ninguém via…o seu coração…a
sua maneira de ser, os seus pensamentos, o que ela achava de si própria, os
seus sentimentos. Quando voltou a despertar mais bonita, a outra flor murcha
que falava com ela responde-lhe:
- Áh! Agora sim…estamos bem! Lindas como éramos
antes, vistosas…vais ver que toda a gente vai voltar a reparar em nós. Uau!
Obrigada menina, que nos regaste, que nos deste carinho, que tocaste nas nossas
pétalas, que nos disseste coisas bonitas… lá porque somos flores, também
gostamos e precisamos disso tudo. Não são só os humanos.
- Áh! A Avó tem razão. Olha que lindas que elas
voltaram a ficar… precisam mesmo de carinho, atenção e dedicação. Voltarei mais
vezes! Sabem, eu e o mano, os meus pais, os meus Avós…todos gostamos muito uns
dos outros, e às vezes dizemos coisas bonitas, trocamos carinhos, abraçamo-nos,
brincamos e conversamos muitos. Mas outras vezes, eu e o mano ficamos muito
tristes porque os papás dizem que não têm tempo para brincar connosco, ou para
conversar e ouvir o que queremos dizer…outras vezes, eu e o mano fazemos umas
surpresas à mamã e ao papá, e eles nem reparam…não dizem nada! Às vezes só
reparam nas asneiras que fazemos. Na escola, a nossa professora às vezes dá-nos
os parabéns pelos trabalhos, e assim eu e o mano, e os outros meninos, até
gostamos mais da escola, de fazer os trabalhos, esforçamo-nos mais, mas outras
vezes…achamos que está bem feito e bonito, mas a professora não diz nada.
Ficamos tristes! Também ficamos tristes quando os papás e os avós não nos dão
carinhos, quando fazem de conta que nos ouvem, mas nem olham para nós, e depois
não sabem o que dissemos. Na escola também há meninos maus, que têm a mania de
nos chamar nomes feios, de dizer mal do que vestimos, de se rirem quando não
fazemos as coisas direito…sentimo-nos muito envergonhados. Eu acho que às vezes
eles não pensam que quando não nos ligam ou quando não falam connosco, quando
não nos dizem coisas bonitas e agradáveis, ou quando não nos dão carinho…deixam-nos
muito tristes, e a pensar que somos maus, que não prestamos, que não merecemos
o que eles têm de melhor…até achamos que não temos nada de bom que os agrade!
Convosco também vos acontece o mesmo?
Quando? Onde? Como se sentem? O que pensam disso?
O que conseguem ver de vocês?
O que não conseguem ver de vocês?
Gostam da vossa imagem?
Sabem, às vezes o que os outros
dizem de nós, e quando não reparam em nós, ficamos tristes, e tudo o que dizem
de nós, vai ajudar-nos a construir a nossa visão de nós mesmos…aquilo que
achamos que somos como pessoas, aquilo que os outros não vêem à primeira vista,
como vêem a nossa cara! A flor vistosa também não via a flor murcha, mas ouvia
a sua voz…a voz dos seus sentimentos.
Sabes uma coisa…? Não podemos deixar
que o que os outros dizem de nós, nos transforme noutras pessoas, só para eles
gostarem. Somos todos diferentes, mas só assim é que vale a pena…podemos ser
amigos de todos, e não precisamos de ser iguais em tudo.
Nem sempre o que nos dizem sobre nós
é a verdade que nós somos!
FIM
Lálá
(24/Agosto/2015)
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