Às vezes ficava em silêncio, imóvel, de dia dormia, outras vezes quando tinha insónias de noite, ou estava mais nervosa, saía da sua toca para ver as diferenças das paisagens, entre o dia e a noite.
Se estava muito calor, de dia dormia fora da toca, dois andares a cima da sua casa, onde havia ainda mais sombra, com as folhas frondosas.
Ela gostava do sítio onde vivia, mas no Outono, e Inverno, sentia-se mais triste, só que não se deixava dominar por esse estado. Sabia que todos sentiam essa mudança.
Como não podia sair tantas vezes por causa do frio gelado, do vento e da chuva, enquanto estava recolhida no seu cantinho, quente e confortável, escrevia poemas, poesia, pensamentos, lia, e declamava o que escrevia.
Já tinha uma lista que nunca mais acabava. Animava e encantava as noites com as suas declamações, na aldeia e na cidade. Todos a ouviam deliciados, encantados, suspiravam, sorriam, riam, emocionavam-se, deixavam cair algumas lágrimas, de felicidade, outras de tristeza e saudade.
Aplaudiam, e sonhavam com a voz e as palavras da Girassol Rosa que vagueava por ruas noturnas, onde havia gente para a ouvir. Alguns músicos que tocavam de noite, na cidade, para ganhar algum dinheiro, desafiavam a Girassol a declamar as suas poesias, e poemas, acompanhadas pelas suas músicas, e pediam-lhe autorização para as transformar em canções que os próprios compunham, outros cantavam.
A Girassol Rosa sentia-se vaidosa e orgulhosa, feliz por ter tantas pessoas a ouvi-la, a apreciar os seus poemas e ainda ajudava quem usava a arte para transmitir mensagens, fazer disso vida.
Era uma grande amiga de todos e todas, fotografavam-na, filmavam, gravavam os seus poemas. Um dia, uma senhora que pintava quadros na rua, perguntou se podia pintá-la. Girassol disse que sim, com muito gosto, e enquanto isso, as duas conversaram, e dessa conversa surgiram vários poemas da Girassol Rosa, deixando a pintora com um sorriso de orelha a orelha, e disse:
- Mas é isso mesmo. Conseguiste transmitir melhor com as tuas palavras os meus sentimentos e emoções, da nossa conversa, do que eu a falar contigo!
- A sério? Que bom! Sim, na verdade foi o que eu senti que querias dizer!
- Tens poemas tão bonitos...! Onde vais buscar tanta inspiração? Se é que posso saber.
- Boa pergunta, sim claro que podes saber. Olha...vou buscar inspiração a tudo o que aparece, tudo o que vejo, tudo o que oiço, tudo o que sinto, tudo o que outros sentem. O amor, o dia, a noite, a natureza, as estações do ano, as cores, os sons, o sol, a lua, a chuva, o vento...o mundo, os animais, o mar...os meus pensamentos quando olho para a paisagem, o que a cidade me comunica, as caras de quem passa por mim, os olhos, as palmas, os risos, os choros, os abraços, os carinhos, os beijinhos, a solidão, as aves, a tristeza, a saudade...as crianças, a música, o movimento, a família, as brincadeiras, os barcos, as luzes, até as pedras, as pessoas solitárias...muita coisa. E a ti?
- Óh, és uma coruja muito especial.
- Chamo-me Girassol Rosa, e tu?
- Eu chamo-me Aguarela!
- Áh! Que nome tão bonito, e raro.
- É. O teu também.
- Obrigada.
- Também há muita coisa que me inspira. É por isso que quando estou mais feliz, pinto quadros mais alegres, bonitos, coloridos, quando estou mais triste, os quadros são de cores escuras e paisagens mais despidas.
E enquanto conversam mais um pouco, a Aguarela termina o quadro com a coruja numa cena a declamar.
- Áh! Mas que bonita que fiquei...óh! Estou tal e qual. Que maravilha, estou orgulhosa. Sem palavras para te agradecer.
- Obrigada, que bom que gostaste. Eu também adorei pintar-te! Podes levá-lo, e pões a secar uns dias, ou se quiseres voltas daqui a uns dias, e levas.
- Deixa secar, eu volto e levo daqui a uns dias. Está tão bonito. Bem, desculpa, vou regressar a casa, está quase de manhã.
- Claro, à vontade. Eu também vou para a minha.
- Adorei este bocadinho contigo, Aguarela.
- Óh, eu também adorei pintar-se, Girassol, e conversar contigo.
- Voltaremos a encontrar-nos em breve! - garante a coruja
- Com certeza, estou sempre aqui.
- Está bem. Bom descanso.
- Obrigada, igualmente. Até já.
- Até já.
Cada uma vai para sua casa, a coruja muito feliz, e a Aguarela ainda mais. Depois de dormir, a coruja Girassol escreve todos os poemas que declamou inspirados na conversa que teve com a Aguarela.
A Aguarela, recebe a partir dessa noite, dezenas de pedidos de quadros iguais aos da Coruja, iguais ao que ela pintou, e noutras posições, porque toda a gente conhecia a Girassol, e mostravam fotografias para os quadros.
Uns dias depois, a Girassol volta, declama os seus poemas, e vai buscar o seu quadro à Aguarela. A Aguarela contou-lhe o que aconteceu, desde que conversaram, e a Girassol fica muito orgulhosa, não cabe em si de felicidade.
Desse dia em diante, as duas tornam-se grandes amigas, e a Coruja serve de inspiração para a Aguarela, que a pinta para muitas gente, com poemas da Girassol. Ela também ajuda os músicos, e continua a encantar com as suas declamações, ainda mais feliz por ajudar aqueles artistas.
31/Julho/2022
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