foto de Lara Rocha
Era uma vez um menino
que se refugiava todos os dias no seu quarto, à noite a olhar para as estrelas.
Umas vezes deitava-se no puf à beira da grande janela, outras vezes sentava-se
e apreciava as estrelas, até lhe chegar o sono. Ninguém percebia porque o fazia
todos os dias, e o que teria tanto para ver.
No fim de
jantar, aos pais, aos quatro irmãos, aos amigos dos irmãos que iam muitas vezes
lá para casa, e até aos vizinhos ele dizia:
- Se alguém perguntar por mim, digam que fui ver as
estrelas!
Todos diziam
«está bem», riam e deixavam-no estar. Um dia, foi ver as estrelas e começou a
pensar…
- Será que as pessoas à minha volta, perguntam por mim?
Desceu, e
perguntou aos pais, aos irmãos e aos amigos dos irmãos:
- Alguém perguntou por mim?
Todos respondiam:
- Não!
- E nos outros dias, alguém perguntou por mim?
- Não! Ninguém perguntou por ti.
- Se alguém perguntar por mim...
Não o deixam
terminar a frase e respondem por ele:
- Dizemos que foste ver as estrelas!
Todos começam
às gargalhadas, por terem dito em coro, e ele fica surpreso.
- É. Se alguém perguntar por mim, digam que fui ver as
estrelas!
Continuam a
rir, e não respondem mais nada. Voltou para a janela, ficou triste e sentiu-se
sozinho.
- Porque é que ninguém pergunta por mim? Nem me procuram?
Vê um gato
vadio a desfilar no seu telhado e teve esperança de que saberia responder. Abre
a janela:
- Óh, gato…
O gato dá um
salto, eriça-se todo, e fica a tremer todo enrolado no mesmo sítio.
- Óh, desculpa, assustei-te. Anda cá, por favor. Não te
vou fazer mal, só quero fazer-te uma pergunta.
O gato
olha-o de cima a baixo, meio desconfiado, e vai ter com o menino a medo.
- Olá, boa noite. O que estás a fazer a esta hora aí
fora? – Pergunta o menino
- Olá. Eu vivo cá fora. – Responde o gato
- Como assim?
- Sou um gato vadio. Durmo onde calha…onde está mais
quente.
- E o meu telhado é quente?
- Tem sítios bem quentinhos.
- Já costumavas dormir por aqui?
- Sim.
- Nunca te vi antes.
- Mas eu já te vi muitas vezes!
- Onde?
- Aqui nesta janela. A olhar para não sei onde…pensei que
me vias, porque eu passava bem à frente dos teus olhos.
- Estava a olhar para as estrelas!
- Áh! Então por isso não me vias. Mas…qual era a pergunta
que me querias fazer?
- Áh, sim…era…antes de dormir, eu venho sempre ver as estrelas,
e peço a todos à minha volta para se alguém perguntar por mim, dizer que vim
ver as estrelas. De vez em quando, pergunto se alguém perguntou por mim, mas
dizem que não. Há bocado estava a pensar porque é que ninguém me procura, nem
vem ver onde estou! Fui à sala perguntar se alguém tinha perguntado por mim,
disseram que ninguém perguntou, nem perguntam por mim. Depois eu disse que se
alguém perguntar por mim…e eles disseram a minha frase, começaram-se todos a
rir.
- E qual é a tua frase?
- É…se alguém perguntar por mim, digam que fui ver as
estrelas!
- Áh! E eles riram, porquê?
- Não sei. Eu não disse nenhuma coisa engraçada.
- Pois não.
- Tu por acaso sabes porque é que ninguém pergunta por
mim?
- Hummm…se calhar é porque já sabem que foste ver as estrelas.
- Áh! Pois. Eu digo sempre que vou ver as estrelas, mas
não digo para onde. Pensei que eles quisessem saber onde vou ver as estrelas,
se vou para um sítio fora de casa, perigoso, ou aqui em casa. Mas não querem
saber.
- Isso deixa-te triste?
- Sim! Hoje senti-me sozinho aqui. E a resposta deles
deixou-me triste.
- Tu querias que eles te procurassem?
- Queria.
- Acho que eles sabem que estás num sítio seguro.
- Como é que eles sabem, se não me vem ver?
- Se calhar já te viram aqui.
- Não sei. Acho que não…se vissem talvez dissessem alguma
coisa, mas não disseram nada!
- Mas não estás sozinho. Sabes que estão todos na sala, e
que há muita gente à tua volta, agora eu também estou aqui, estão ali as
estrelas, e a Lua.
- Fazes-me um bocadinho de companhia, por favor?
- Claro.
- Queres entrar?
- Posso?
- Podes.
O gato entra
no quarto do menino, fica encantado com o que vê.
- Áh! Que lindo que é o teu quarto.
- Obrigada.
- Então é para aqui que tu vens ver as estrelas.
- Sim.
- E o que vês nas estrelas?
- Vejo luzinhas. E tu, também vês as estrelas?
- Sim, elas também me fazem companhia. Têm alguma coisa
de mágico, especial.
- É mesmo! Eu vejo muitas coisas nas estrelas…figuras, e
uma coisa que o mundo não tem.
- O quê?
- Paz!
- Ááááááááhhhhhh… que bonito, isso que disseste agora! Elas
dão-te paz?
- A paz não se dá…sente-se, principalmente. Quando olho
para elas, além da beleza e da companhia, sinto paz! Não sei como sinto isso,
mas gosto do que sinto, e acho que se chama paz! É muito bom, e especial.
- O mundo está cheio de guerra. – Lamenta o gato
- Pois está! Se as pessoas olhassem mais para as
estrelas, talvez sentissem mais paz.
- Achas?
- Acho que sim! Deve ser essa a magia que vemos nas
estrelas. Paz é magia, não achas?
- Concordo.
Os dois
continuam numa longa e animada conversa, até o menino adormecer. Nessa noite, o
gato dorme no quarto. No dia seguinte, no fim de jantar o menino disse aos pais
e aos irmãos:
- Se alguém perguntar por mim…
- Digam que fui ver as estrelas! – Respondem todos
- Fica descansado…ninguém pergunta por ti. – Responde um
dos irmãos
- Porque é que ninguém pergunta por mim? – Pergunta o
menino
- Porque já todos sabemos onde estás! – Responde a mãe
- Como é que sabem, se nunca vão ver onde estou?
- Sabemos que estás no teu quarto! – Diz uma das irmãs
- Nunca foste lá ver… - diz o menino
- Mas sabemos que estás lá…não sais de casa! – Garante o
pai
- Vai descansado, filho! – Diz a mãe
- Vocês não vêm as estrelas pois não? – Pergunta o menino
- Não! – Respondem todos
- Não se aprende nada a ver estrelas! – Comenta outro
irmão a rir
- Não temos tempo para ver estrelas, filho. – Diz o pai
- O que é que tem de tão especial ver estrelas…? Elas estão
lá para cima, não dão nada, não dizem nada, não fazem nada por ti. – Diz outra
irmã
- As estrelas dão o que falta ao Mundo! – Responde o
menino
- O quê? – Perguntam todos surpresos
- Paz!
- Ãh…? – Exclamam todos
E desatam
todos às gargalhadas.
- Era bom era…
- Santa inocência!
- Coitadinho!
- Experimentem. Olhar para as estrelas não é perda de
tempo, é ouvir a mensagem tão importante que elas têm a dizer. Agora não há
tempo para coisas boas, é por isso que o mundo anda em Guerra. Então vocês não
tem tempo para saber de mim, claro, também não vão ter tempo para ver as
estrelas. É triste!
Ficam todos
em silêncio, pensativos, a olhar uns para os outros.
- Se alguém perguntar por mim, digam que fui ver as
estrelas. Ninguém vai perguntar por mim, ninguém tem tempo, mas se alguém tiver
tempo para perguntar por mim, digam que fui ver as estrelas, e buscar nelas a
Paz para o mundo. Se alguém tiver tempo para perguntar por mim, digam que fui
ver as estrelas, e fui lá buscar tempo para que as pessoas possam estar juntas,
e perguntar umas pelas outras. – Responde o menino
Ninguém tem
resposta para o menino. Ele vai para o quarto, ver as estrelas, e conversar com
o gato. Passado um bocado, toda a família aparece na casa do menino, juntam-se
aos pais, a mãe pega nele ao colo e vão para o terraço conviver, ver as
estrelas. O menino fica mesmo feliz, não para de sorrir, abraça todos, vai de
colo em colo, e diz:
- Boa! Afinal as estrelas ouviram o meu pedido…elas
espalharam magia e tempo para estarmos uns com os outros. Obrigada, estrelas. Se
perguntarem por nós…?
- Digam que viemos ver as estrelas! – Responde toda a
grande família em coro
Desatam todos
às gargalhadas, dançam e brincam uns com os outros. A partir dessa noite,
algumas outras noites, ver as estrelas com o menino passou a fazer parte dos
programas de família, e todos se sentiam realmente mais felizes, principalmente
por estarem uns com os outros.
FIM
Lálá
(19/Novembro/2017)
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