Era uma vez um gatinho
pequenino que de pequenino só tinha o tamanho porque era um grande pintor,
muito simpático e adorava conversar com toda a gente, mas quem passava por ele
achava-o estranho.
Ia sempre muito distraído,
absorvido por cada pormenor da paisagem, encantado, parava, olhava, punha-se em
várias posições, e em sítios diferentes para perceber se via da mesma maneira,
desenhava com a patinha no ar, tudo o que via, sorria, abria e quase fechava os
olhos, para guardar aquelas imagens tão bonitas, e saltitava de felicidade.
Quando chegava a casa,
passava tudo o que tinha visto para papel: tanto escrevia palavras soltas, como
fazia rascunhos de desenhos, imagens, sombras, desenhos pormenorizados, muito
perfeitos, outros nem tanto, mas ele sabia bem o que eles significavam.
Depois brincava com as cores
e as imagens, fazia montagens, misturava objetos, paisagens, animais em
cenários diferentes, e criava ele próprio novas pinturas. Já tinha feito
milhares de quadros lindos, que expunha e vendia todos os dias. Era muito
apreciado e conhecido.
Um dia foi passear e ia tão distraído
que sem dar por isso entrou na floresta onde viviam animais grandes, e alguns
perigosos. Ele sabia que existiam, mas não sabia que estavam tão perto. Apareceu-lhe
logo um leão que rugiu muito alto.
O gato deu um grande salto
porque não contava com aquele animal tão grande à sua frente, a rugir e ainda
por cima com uns dentarrões que impunham respeito, e aquele rugido que
estremeceu, até fez vento. O gatinho escondeu-se para recuperar, e o leão ficou
à espera dele.
- Eu sei que estás aí…ou sais a bem ou sais a
mal. - Diz o leão
O gato ficou gelado, e
respirou fundo, encheu-se de coragem e pergunta:
- Vais-me comer?
O leão ficou muito surpreso:
- O quê?
- Se eu aparecer comes-me?
- Que pergunta é essa, bicho?
- É uma pergunta válida…se eu aparecer, vou
ser comido por esses dentarrões, certo?
- Huuummm… é isso que tu queres? – Pergunta o
leão
- Não! Olha que eu vim na paz…entrei aqui por
engano… mas, mas…vou-me já embora. – Responde o gato
- Espera! – Diz o leão
- O que foi?
- Aparece…eu não gosto de conversar com
paredes…ou, neste caso…árvores…!
- Mas eu não quero ser engolido por ti…
- Não te vou engolir…só quero conversar um
bocadinho…pode ser? – Pergunta o leão
- Está bem…posso mesmo confiar em ti?
- Podes. Se eu gostar de ti, não te como.
- Prometes?
- Prometo.
- De certeza que não é nenhuma armadilha tua?
- Não.
O gato aparece cheio de medo,
o leão inclina-se sobre ele, e cheira-o. Quase aspira o gato, e dá uma
gargalhada:
- Posso estar descansado…tu és do bem. – Diz o
leão
- Sim, já te tinha dito que venho na paz.
- Gosto do teu cheiro! – Diz o leão
- Obrigado. – Diz o gato a sorrir
- Então…enganaste-te! E para onde ias? – Pergunta
o leão
- É. Ia por ai, sem destino… é que eu sou pintor,
e saio todos os dias à procura de inspiração. Hoje ia para outro sítio
diferente, vi tanta coisa tão bonita pelo caminho que andei, andei, andei…e
chegou a entrar na floresta.
- Hum…és pintor? E o que é isso?
O gato dá uma longa
explicação, fala de todos os quadros que já pintou, das cores que usa, das
coisas bonitas que vê pelo caminho, e o leão fica deliciado a ouvi-lo.
- Queres que te pinte? – Pergunta o gato
- Óh…tu farias isso? – Pergunta o leão a
fazer-se de caro
- Sim. Se tu quiseres…
- Bom…achas que…sou um bom modelo? – Pergunta o
leão vaidoso
- Com certeza! Eu admiro muito a tua força, o
teu pêlo…
- Obrigado. Mas como me vais pintar? Queres fazê-lo
agora? – Diz o leão a sorrir
- Sim, poderei fazê-lo agora se tiveres ai
papel e algum material que dê para pintar…
- Sim, tenho…anda comigo.
E os dois vão à toca do leão,
onde ele tem material de pintura. O leão põe-se numa pose confortável, e o gato
olha-o fixamente, desenha-o primeiro com a pata no ar, põe-se em várias
posições, o leão segue-lhe os movimentos:
- O que foi…bicho? Não estou bem assim? – Pergunta
o leão
- Estás! – Responde o gato
- Falta-te alguma coisa? – Pergunta o leão
- Não. Está tudo bem. – Garante o gato
O leão ri-se:
- É que andas aí muito agitado, de um lado
para o outro, olhas para mim, viras-te ao contrário, baixas-te, pões-te de pé…
- Estou a ver a tua melhor imagem, de que lado
e em que posição ficas mais vistoso… quer dizer, já és vistoso, mas a que ficas
melhor. – Explica o gato
- Encontraste? – Pergunta o leão
- Sim, vai ficar perfeito. – Garante o gato
E o gato respira fundo e faz a pintura do
leão.
- Já está! Se não ficou perfeito vais-me
comer? – Diz o gato
- Claro que não! Estará melhor do que eu
próprio a fazer, com certeza.
- Já alguma vez experimentaste?
- Não. Já desenhei outras coisas, mas a mim
próprio não.
E o gato vira o quadro. O leão
abre a bocarra de espanto. O gato fica com medo.
- Então…? – Pergunta o gato a medo
- Mas como é possível? – Pergunta o leão muito
surpreso
- Ui…o que é que isso quer dizer? – Pergunta o
gato assustado
- Que maravilha…está perfeito! Parece mesmo a
imagem que eu vejo no meu espelho todos os dias. Estou…sem palavras, bicho! Muitos
parabéns…realmente és um grande artista. Adorei.
- Obrigado! Tu pareces assustador, és enorme,
mas afinal és um bom animal…se não terias-me devorado. – Diz o gato a sorrir
aliviado
O leão ri-se um pouco
envergonhado:
- Acho difícil dizer como somos, sim, tenho
este tamanho todo por fora, mas por dentro acho que sou assim, do teu tamanho. Entendes-me?
- Claro que sim, mas tu és muito corajoso. –
Repara o gato
- Óh…isso é aparência…acho que me armo em
forte, só para me defender, mas tenho medos, e nem sempre sou mau. Há animais
mais fortes que eu.
- Tens medos? Nunca pensei…pensei que só
metias medo… - diz o gato
- Não. O medo não tem nada a ver com tamanho. Todos
temos medos. Tu também tens medos… e todos os animais que aqui vivem, têm medos…
- Sim, é verdade.
- A selva nem sempre é um lugar totalmente
seguro, mas temos de estar atentos, e se virmos que há ameaças…temos de nos
defender. O medo faz-nos estar mais despertos, e pode tornar-nos mais rápidos
para fugirmos ou lutarmos.
- Áh, não sabia! E tu costumas fugir ou lutar,
quando tens medo?
- Umas vezes fujo, outras vezes luto…depende
do que aparece. E tu?
- Eu, quando tenho medo, geralmente fujo e
escondo-me até a ameaça fugir!
- E que ameaças existem no lugar onde
vives?
- Muitas! Principalmente de duas patas…
- Áh, referes-te àqueles malditos que usam
pistolas e umas coisas nos caminhos…
- Isso, que eles chamam de…carros…
- Não gosto deles! Desses sempre que posso
luto, porque sei que eles têm medo de mim, mas eu também tenho medo deles, só
que não mostro para me defender.
- Fazes tu muito bem…eles são mesmo perigosos.
- Tu também tens medo deles?
- Às vezes, porque eles são difíceis de
conhecer…são maus uns com os outros, e com os animais.
- Pois.
- As aparências iludem mesmo! Contigo fiquei
surpreso. – Confessa o gato
- É verdade! (o leão sorri) A mim também me
surpreendeste, pensei que ias fugir e quase fugiste, ou que ias lutar…
- Eu? Lutar contigo?
Os dois riem, conversam sobre
os medos, lancham e conversam alegremente sobre vários assuntos. O leão diz a
outros animais que tem um amigo pintor, mostra orgulhoso a pintura que ele fez,
e muitos outros animais pedem para ele fazer o mesmo. Tornam-se grandes amigos,
ensinam e aprendem um com o outro, e o gatinho passou a andar mais atento.
FIM
Lara Rocha
(7/Fevereiro/2017)