Era uma jovem bonita, alegre, sonhadora, que vivia num mundo de fantasia. Ela não gostava do mundo onde vivia, por isso refugiava-se na sua imaginação. Um mundo muito diferente do nosso e do dela, construído por ela, onde só havia o que ela gostava.
Ela era a rainha, todos lhe faziam as vontades, ninguém a chateava, ninguém a incomodava, toda a gente a elogiava e valorizava, e respeitava. Era tudo ao contrário do mundo real onde ela vivia.
As pessoas do seu mundo real achavam-na estranha, fugiam dela, pois sempre que se aproximavam dela, preocupados, ela transformava-se numa rapariga completamente diferente: fria, arrogante, cruel, indiferente. Era como se a rapariga se dividisse em duas.
Um dia teve uma depressão profunda, grave, e ficou quase na pele e no osso. Numa noite, ouviu uma voz, de uma sombra negra, à sua beira, que a acusava:
- Olá...estás assim?
- Quem és tu? - pergunta a rapariga
- Tu sabes muito bem quem eu sou.
- Não sei, não. Nem te vejo!
- Sou eu.
- Quem?
- Aquele a quem não respondeste mais, de há uns tempos para cá. Alguém que gostava muito de ti.
- Sei lá quem é, ninguém gosta de mim.
- Como dói receber o teu silêncio.
- Qual silêncio?
- Como dói receber a tua indiferença!
- Qual indiferença?
- Aquele silêncio e aquela indiferença que me dás de há uns tempos para cá.
- Não sei do que estás a falar.
- Convém-te não saberes, mas eu sei que sabes! Como dói não ter respostas para o teu silêncio.
- Cala-te.
- Cala-te tu. Silêncio! Quero ouvir as palavras do teu silêncio.
- Quem és tu para me mandar calar? Já agora, não tens nada que ouvir o meu silêncio, o silêncio não fala.
- Fala sim! E de que maneira. Como fala.
- Tu deves estar louca…ou louco. És homem ou mulher?
- Sou…
- Quem?
- Ora, tu sabes muito bem quem.
- Não sei
- Quero ver cada palavras do teu silêncio.
- Como é que vais ver isso? Está escuro, e as palavras não se veem.
- As tuas com certeza veem-se.
- Quais?
- Aquelas que não disseste.
- Não sei de nada.
- A que sabe o teu silêncio?
- Sei lá, nunca provei tal coisa.
- Mas já o sentiste…!
- Não.
- Quero saborear e provocar, provar, sentir alguma coisa do teu silêncio no meu corpo.
- Estás-te a passar? Acho que estás a delirar.
- Eu? A delirar…? (gargalhadas)
- Não te podes rir mais baixo?
- Porquê?
- Pode aparecer aí alguém!
- E…?
- Vão pensar que estou a falar sozinha.
- Quero agarrar no teu silêncio!
- Mau… já vais aí?
- Aí, onde?
- Já lhe ouvi chamar muita coisa, mas silêncio…
- Que pornográfica.
(gargalhadas dos dois)
- Mente poluída…
- Isso era o que tu querias. Mas não me estava a referir a isso. Quero saber se é um silêncio quente, ou um silêncio gelado!
(gargalhadas)
- A conversa está a subir… é quente, com certeza, está aqui debaixo da roupa.
- Ai, valho-nos…! Eu estava a falar do silêncio que me mandas… porque é que és assim?
- Mudaste com uma rapidez… eu até estava a gostar da conversa!
- Mas eu estou a falar de coisas muito sérias. Será que o teu silêncio diz alguma coisa, ou muita coisa?
- Ah, voltou a aquecer…não sei, acho que o meu silêncio, se é assim que lhe chamas, não fala, eu é que posso dizer, com a minha boca, ou com o resto do corpo.
- Mostra-me o teu silêncio. Eu quero saber o que é que ele diz…
- Já?
- Sim.
Ela começa a tirar a roupa entusiasmada.
- Não quero ver tanto… (gargalhadas) eu quero saber o que é que ele diz...quero ouvir palavra por palavra, letra por letra…
- Sei lá se falo nesses momentos…
- Gostava de sentir o teu silêncio!
- Anda… começa tu.
- Ai, senhor… não é disso que estou a falar.
- Não estou a perceber nada. Queres ou não queres?
- És mesmo ignorante! O meu gostar de ti não é esse que tu pensas, é sincero, inocente, com o coração…
- Óh, estás envergonhado, é? (gargalhada) Vá lá, fica à vontade. Eu nem estou a ver-te, só vejo a tua sombra. Mostra-te lá, se queres ver o meu...silêncio!
- O meu gostar de ti não é um gostar de amor, ou de desejo!
- Não acredito. Só queres uma relação de ocasião é…? Ok…
- É um gostar de carinho, um gostar sensível, que nada tem de assustador.
- Podemos explorar outras formas, mais quentes. Eu estou aberta a novas possibilidades.
- Que insensível.
- Porquê?
- O teu silêncio tem rostos, nomes, palavras, sentimentos.
- Desde quando…? Nunca o vi, nem ouvi…
- Choca-me…
- Eu sou alguma galinha, ou pata para te chocar…? E tu és algum ovo…?
- Não percebi!
- Congela-me!
- Nunca fiz isso.
- O teu silêncio faz isso, em mim.
- O que é que ele tem para te fazer isso? Cheira mal…?
- Não! Ai, que coisa… eu estou a falar de sentimentos.
- Não sei do que estás a falar.
- O teu silêncio, esvazia-me, a ti satisfaz-te?
- Porquê? És homossexual? Está-se bem, não tenho nada contra!
- Irraaaa…que indiferença!
- Tu estás indiferente…?
- Não, tu! Eu vim falar contigo, saber porque é que deixaste de falar comigo?
- Não sei quem és, nem vejo a tua cara, não sei do que estás a falar.
- Sou aquele que gostava de ti.
- E agora não gostas?
- Não.
- Então não sei o que estás aqui a fazer.
- Vim à procura de respostas para a tua indiferença.
- E insistes nisso… não te posso ajudar.
Aparecem mais duas sombras que falam com ela:
- Oh, trouxeste mais duas amigas? Hummm...amor a três? Nunca experimentei, mas está bem! Se queres…
- Como tu mudaste! - comenta a sombra negra
- Olha como ele está a sofrer. - mostra outra sombra
- É por causa de não lhe responderes às mensagens. - acusa a outra
- Mas eu não sei quem é! Vocês sabem? Vieram com ele? - diz a rapariga
- Sim, viemos com ele, sabes quem somos, sim! - comenta a sombra
- Não sei.
- Transformaste-te no pior que podia haver. - acusa a sombra negra
- Ele adorava-te! - relembra a sombra
- Que grande desilusão! - diz a sombra negra
- Quem te magoou assim tanto?
- Tu!
- Porquê?
- Não percebes mesmo nada! A sombra negra desaparece, e quando olha para o lado e vê uma rapariga que está a olhar para ela com ar ameaçador.
- O que é que estás aqui a fazer? Também vieste para a farra é? Queres ver o meu silêncio?
- Credo! Chamas-lhe isso? Bem, sempre é melhor do que outros nomes mais badalhocos… (gargalhadas) Eu tenho um igual… se és dessas não tenho nada contra, mas não tenho que te satisfazer.
- Ainda agora estava aqui uma sombra a dizer que queria ver o meu silêncio, e ouvir, trouxe mais duas, agora desapareceram, e vens tu?
- Não sei de nada, não tenho nada a ver com esses dois.
- Então o que vens cá fazer?
- Não sei. Talvez o mesmo que tu!
- Como não sabes?
- E tu também não sabes, mas estamos aqui.
- Onde?
- Aqui!
- Onde?
- Não sabes onde, eu muito menos. Eu vim para aqui porque tu também vieste. Mas se não sabes onde é, eu também não sei.
- Estás a gozar comigo?
- Não!
- Estás louca?
- Estamos.
- Não pode ser…lá porque tu estás, não quer dizer que eu esteja.
- Pode, é… e quer dizer…! Qualquer um pode ficar louco…desta vez, ficamos nós.
- Mas que raio de conversa é esta?
- É uma conversa normal.
- Não acho nada normal.
- Estamos loucas!
- Tu deves estar.
- E tu também.
- Estás no meu quarto?
- Estou!
- Entraste por onde?
- Por onde? Pela porta é claro.
- Que porta?
- Ora…um quarto tem porta.
- Áh! Pois…está bem. Mas o que é que tu queres de mim?
- Quero mostrar-te um sítio.
- Onde?
- Verás.
- Mas eu não posso sair daqui, pois não?
- Podes.
Ela estala os dedos e as duas raparigas vão para um labirinto cheio de caminhos, árvores e sombras.
- Que raio de sítio é este?
- É o teu interior!
- O quê?
- Sim…a tua cabeça, o teu coração…é aqui que está tudo.
- Mas eu não quero estar aqui.
- Mas tens de estar! E é agora.
- Porquê?
- Porque é aqui que vais encontrar muitas respostas.
- Respostas?
- Sim! Qual é o espanto? Não queres saber porque estás ali naquele quarto, que não é o teu quarto?
- Quero!
- Anda.
- Mas o que é que tens a ver com isto?
- Sou uma parte de ti!
- Estás louca?
- Estamos loucas. Precisamos de dar este passeio por este sítio para ficarmos bem.
- Tu és muito estranha.
- Somos.
- Não estou a perceber nada.
- Anda comigo.
Dão a mão e vão por uma série de caminhos sem saída. A rapariga grita aflita:
- Isto não tem saída! Não quero estar aqui…estou a sufocar. Eu quero sair daqui.
- Tem saídas, temos de procurar.
- Eu não gosto deste sítio.
- Procura a saída.
A saída está bem perto, mas ela não a vê, e a outra rapariga desaparece.
- Onde estás, outra?
- Continua a procurá-la. – Diz a voz da rapariga que está escondida.
- Ajuda-me.
- Procura sozinha. Também não ajudaste ninguém que te pediu.
- Não…por favor, volta!
- Áh, áh…tu sempre disseste que eras capaz de fazer tudo sozinha! Que não precisavas de nós nem de ninguém. Safa-te agora! Tu vais encontrar.
- Mas eu preciso.
- Não quero saber. Procura. Tens de sair daí sozinha…
A rapariga procura muito aflita, anda de um lado para o outro, entra em cada caminho diferente do labirinto, grita, chora, corre. A outra ela ri-se escondida.
- Por favor ajuda-me. Estou muito nervosa. – Grita a rapariga
- Continua à procura…vais encontrar. Eu não posso ajudar-te.
- Que cobra, má, nojenta! – Grita
- Era mesmo isso que tu eras. Continua. – Diz a outra
Ela procura desvairada por caminhos sem saída, escuros. Encontra outros caminhos escuros: um com fantasmas brancos, outro com monstros, outro com figuras aterradoras e horríveis, outro onde só ouve vozes e gargalhadas.
Noutro caminho, as vozes gritam com ela, acusam-na, insultam-na. Noutro, umas sombras não dizem nada, só apontam dedos e empurram-na. Noutro, as sombras gozam-na, puxam-lhe os cabelos, riem-se dela, gritam-lhe. A outra ela ri-se. No quarto, ela abre os olhos sobressaltada, muito agitada, e grita ofegante:
- Não! Eu quero sair. Eu não quero voltar àquele sítio.
- Mas vais voltar. – Diz a outra
- Onde estiveste?
- Perto.
- Porque é que não me ajudaste? Já conhecias aqueles caminhos?
- Já. E tu também.
- Eu não…se conhecesse antes, já sabia como sair dali. Porque é que não me levaste por outros caminhos?
- Tu é que escolheste esses!
- Como é que fui eu que escolhi? Eu não gostei, nem gosto daqueles caminhos. Estão cheios de coisas horríveis.
- Tu é que quiseste ir por eles! Tinhas muitos outros. Tu é que foste por eles, pela tua maneira de ser, porque te afastaste e afastaste a tua realidade. As pessoas que estavam à tua volta e que gostavam de ti, que sempre se preocuparam, tentaram sempre desviar-te desses caminhos, e levar-te por outros, mas tu não quiseste segui-los. Preferiste ficar no reinado onde tu eras a única rainha, onde todos estavam aos teus pés, e à mercê das tuas vontades.
- O quê?
- Sim. Eras arrogante, fria, distante, má, indiferente, nada à tua volta existia, nem ninguém. Só tu.
- Não pode ser.
- Pode! E foi mesmo isso. É por isso que agora estás aqui.
- Mas eu não quero isso!
- Tens de voltar ao labirinto.
- Não! Lá só tem figuras horríveis.
- Mas tens de as enfrentar…
- Não!
- Sim! Para saíres, tens de voltar.
E a outra rapariga volta a levá-la para o labirinto. Ela volta a passar pelos menos caminhos, e por outros igualmente escuros. Um tem sombras que lhe estendem as mãos, e choram ajoelhadas. Um choro perturbador. Outras, gritam, outras ajoelham-se e contorcem-se. Entra noutro caminho que tem gelo quebradiço no chão, e parte à medida que ela passa rapidamente. Entra noutro onde vê uma série de portas.
Abre uma porta e só tem esqueletos, outra tem fumo, outra tem serras a trabalhar, outra tem pregos no chão, outra tem água, outra fogo, outra buracos no chão e na parede, outra com raios, outra com vento ciclónico, e outra com relâmpagos e redemoinhos. Ela não entra em nenhuma. Foge de todas.
Vai dar a outro caminho escuro, e cheio de lama, onde acha que várias mãos a empurram e ela cai. Sai desse caminho com dificuldade, e muito assustada. Entra noutro caminho onde vê sombras que lhe apontam objetos cortantes, gritam e riem.
Ela foge desse e entra noutro, onde ouve o som de chicotes a bater no chão. Ela desata a correr, e entra numa porta cheia de vento que a suga. Dá um grito e um salto na cama. Abre os olhos muito aterrorizada.
- Gostaste do que viste?
- Não. Eu não volto lá! Não quero voltar lá! É um mundo horrível. Assustador. Cansativo. Estou esgotada!
- Era o mundo onde estávamos.
- O meu mundo não era assim.
- Era! Tanto era assim que agora estamos aqui. Tu é que só te vias a ti! Eras o centro de tudo. Nada do que estava à tua volta, interessava. Fizeste sofrer muita gente que tentou tirar-te desse mundo. Mas não quiseste sair dele.
- Eu não conheço aquela gente, nem aqueles caminhos. Nem quero conhecer, nem andar por lá outra vez.
- Para isso é que estamos aqui.
- Por favor…não me deixes voltar para lá!
- Agora achas feio.
- Claro. Não pode ser pior.
- Mas na altura achavas bonito.
- Na altura não era nada daquilo. Ninguém me fez mal, agora querem fazer-me mal. Parece
que estão todas as personagens a vingar-se de mim.
- Claro. É mesmo isso!
- Posso pedir-lhes desculpa?
- Podes. Não sei se elas vão aceitar, mas podes tentar.
- Como é que eu faço isso?
- Volta ao labirinto.
- Óh não!
- Queres pedir desculpa, ou não?
- Quero mas naquele sítio…
- Eles só estão nesse sítio.
- Eles vão acabar comigo na mesma hora. Todos têm um ar assustador… mau…raivoso.
- Tenta, não sejas como eles.
Ela volta ao labirinto, e chama todas as personagens que viveram no seu mundo. Elas aproximam-se silenciosamente e olham-na. Encontram-se num caminho escuro, mas com alguma luz.
- Por favor…não olhem assim para mim. Não me façam mal! Sei que estão muito magoadas e magoados comigo, ofendidos, e querem vingar-se…eu sei…compreendo-vos. Só agora é que estou a ter a noção disso! Por isso…até me sinto envergonhada. Não sei como pude chegar a este ponto.
As sombras falam com ela num tom irónico:
– Rainha…!
– Como é bom ver-te aqui.
– Desapareceste…
– Estamos cheias de saudades tuas…rainha.
– Muitas.
– Vieste visitar-nos?
– Ou vieste pedir-nos um favor…
– Dar uma ordem…?
– Castigar?
– O que nos vais fazer mais?
– Ou vieste pedir-nos que acabasses contigo?
- Pensamos que já tinham acabado contigo!
- Sofremos muito por tua causa.
- Chegamos ao nosso limite.
- Passaste todos os limites.
- Não mereces nada de bom.
- Claro que queremos vingar-nos.
- O que tu fizeste connosco não tem classificação.
- Foi muito mau.
- Nós é que não percebemos como fomos capazes de permitir tanto.
A rapariga envergonhada responde:
- Têm toda a razão.
- O quê? - perguntam todas
- O que estás a dizer é mesmo verdade?
- É!
- Mas que grande mudança! - comenta uma sombra
- Não sei se devemos acreditar nisto. - comenta outra personagem
- Acreditem! - pede a rapariga
- No inicio foi bom, mas cansamos!
- Quer dizer…foi divertido…foi uma tentativa de enganar o medo.
- Tu eras a nossa rainha…primeiro amiga…depois…cruel!
- Fizeste tudo para que o medo se apoderasse de nós…e para que pudesses fazer tudo o que quisesses connosco.
- Depois de tudo, como te atreves a chamar-nos?
- Eu chamei-vos para vos pedir perdão. - diz a rapariga
- O quê? – perguntam todas, e desatam a rir
- Essa é boa…
- Muito boa.
- É. Eu não quero mais este mundo. Quero libertar-vos, e quero viver no mundo real. - assume a rapariga
- Tu é que o transformaste neste mundo horrível.
- Eu sei. Não sabia disso, mas agora sei. - diz a rapariga
- Nós também não gostamos de aqui estar! Só estamos onde nos deixaste.
- Por isso é que estou aqui! Para me perdoarem e para irmos todos para o mundo real que espero ser muito mais bonito que este. - reconhece a rapariga
- Huuuummmm… - dizem todas, e faz-se silêncio
A claridade aumenta.
- Por favor perdoem-me todas as maldades que vos fiz. Este foi o refúgio que encontrei do mundo real, de coisas que eu não gostava. Encontrei-vos aqui. Não tinha noção de onde estava metida. Juro-vos que não queria ter construído este mundo horrível.
- Este mundo horrível, foste tu que construíste, com tudo de mau que tinhas e que não podias mostrar na tua sociedade.
- Vivias na escuridão da tristeza e da desilusão, da dor, do ódio, da raiva, da maldade…
- Tudo dentro de ti era feio! - dizem as sombras
- Como querias construir um mundo bonito…
- um refúgio agradável com tanta carga pesada, escura?
- Pois…não tinha percebido isso. Mas é verdade! Mas acho que ainda posso mudar de mundo, não? - diz a rapariga
- Sim. - respondem todas
- Só depende de ti.
- Vocês gostam de estar aqui? - pergunta a rapariga
- Claro que não! - dizem todas
- Tira-nos daqui. - pede uma sombra
- Odiamos este sítio. - diz outra sombra
- Estamos cansados do escuro!
- Estamos esgotados. - dizem todas
- Estamos fartos deste ambiente.
- Por mau que seja o teu mundo real, de onde fugiste, temos a certeza que é bem melhor que este!
- Acho que começo a perceber que sim. Vocês perdoam-me? - pede a rapariga
Faz-se silêncio. Aumenta a claridade.
- Tu libertas-nos? - perguntam todas
- Tiras-nos daqui?
- Sim. Liberto-vos, e tiro-vos daqui com todo o gosto. - diz a rapariga
- Nós perdoamos-te. - respondem todas
A rapariga abre um grande sorriso, e o mundo que era escuro, cheio de sombras, e figuras horrendas, encolhe. Um vento fortíssimo arrasta todas as personagens e ela incluída, de mãos dadas para se segurarem, elas rodam, algumas caem, outras ajudam a levantar, outras batem contra algumas árvores, mas não se magoam, seguram-se umas às outras.
Há muitas cores, muitas luzes misturadas. O novo espaço é um jardim cheio de sol, luz, cores vivas, flores, relva, pássaros, lagos, fontes, cascatas. As sombras deixam de ser pretas, e todas as personagens são visíveis, sorridentes, com ares serenos, meigos, todos se abraçam, e beijam e abraçam a rapariga. A outra ela aparece com um enorme sorriso.
- Vês? Conseguiste! Muito bem…parabéns!
A rapariga abraça a outra ela, as duas sorriem:
- Muito obrigada por me terem perdoado!
- Muito obrigada por nos teres libertado! - dizem todas
- Que lindo sítio!
(Ouve-se barulhos da cidade ao longe)
- Não vou sair daqui.
- Tens de sair para voltares para a cidade onde vives e onde todos te esperam. Mas poderás voltar a este sítio sempre que quiseres.
- Estaremos sempre aqui…mas queremos é ver-te aqui poucas vezes.
Todos riem.
- Muito obrigada pela vossa companhia, durante este tempo.
- Eles são muito mais bonitos com luz!
- Pois são!
- Está na hora de acordares.
- Mas eu estou a dormir?
- Estás! Vais acordar dentro em breve, como nova…agora que mudaste para a luz.
- E eles?
- Eles vão estar sempre aqui. Podes vir visitá-los algumas vezes, mas a este lado do labirinto.
O lado da luz.
- E o lado horrendo?
- Esse quase desaparecerá. Não voltes a entrar nele.
- Não voltarei. Até breve amigos! Ou…personagens!
- Olha como eles estão felizes!
- E ganha juízo!
As duas raparigas dão a mão com um grande sorriso, e ela acorda na ala psiquiátrica, consciente. Olha em volta, e familiares e amigos estão à sua volta. Primeiro preocupados, depois quando ela abre os olhos, sorriem aliviados.
- Olá! - dizem todos
- Bem-vinda!
- O soninho foi longo, não?
- E bom?
- Eles amam-te!
A rapariga sorri.
- Onde estou?
- Não te preocupes com isso!
- Vais sair daqui.
- Vais ficar boa!
- Não sei o que aconteceu!
- Não faz mal.
- Sabes quem somos?
- Sei!
Eles põem a conversa em dia, contam-lhe novidades, todos riem muito e com a medicação ela melhora de dia para dia. Teve força suficiente, com a ajuda da família, dos amigos e da sua outra ela para não voltar ao mundo da depressão, das sombras, e figuras assustadoras, e agora, figuras bonitas, sorridentes, de paz e alegres que brincam com ela.
Ela reaprendeu a viver em sociedade, e transformou-se numa pessoa do bem, passou a procurar ajuda quando precisou, e aprendeu a aproveitar tudo de bom…reencantou-se pela cidade, por tudo o que a rodeia.
A depressão tem cura, é preciso estar atento aos sinais e qualquer um de nós pode tê-la. Qualquer um de nós pode viver no mundo da escuridão, das trevas, onde tudo é horrível, assustador, e viver no mundo da luz, da cor, da felicidade.
Mesmo quando o mundo da luz tem trevas e as sombras invadem esse mundo, podemos sempre contar com quem nos ama, com a família, com os amigos e com os anjos em forma de psicólogos ou médicos.
Mesmo com trevas e sombra, vale a pena viver…e no mundo da luz! No nosso mundo.
Fim
Lara Rocha
(11/Julho/2015)
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