foto de Lara Rocha
Era
uma jovem bonita, alegre, sonhadora, que vivia num mundo de fantasia. Ela não gostava do mundo onde vivia, por isso refugiava-se na sua
imaginação. Um mundo muito diferente do nosso e do dela, construído
por ela, onde só havia o que ela gostava.
Ela era a rainha, todos
lhe faziam as vontades, ninguém a chateava, ninguém a incomodava,
toda a gente a elogiava e valorizava, e respeitava. Era tudo ao
contrário do mundo real onde ela vivia.
As
pessoas do seu mundo real achavam-na estranha, fugiam dela, pois
sempre que se aproximavam dela, preocupados, ela transformava-se numa
rapariga completamente diferente: fria, arrogante, cruel,
indiferente. Era como se a rapariga se dividisse em duas.
Um dia teve
uma depressão profunda, grave, e ficou quase na pele e no osso. Numa
noite, ouviu uma voz, de uma sombra negra, à sua beira, que a
acusava:
-
Olá...estás assim?
-
Quem és tu? - pergunta a rapariga
-
Tu sabes muito bem quem eu sou.
-
Não sei, não. Nem te vejo!
-
Sou eu.
-
Quem?
-
Aquele a quem não respondeste mais, de há uns tempos para cá.
Alguém que gostava muito de ti.
-
Sei lá quem é, ninguém gosta de mim.
-
Como dói receber o teu silêncio.
-
Qual silêncio?
-
Como dói receber a tua indiferença!
-
Qual indiferença?
-
Aquele silêncio e aquela indiferença que me dás de há uns tempos
para cá.
-
Não sei do que estás a falar.
-
Convém-te não saberes, mas eu sei que sabes! Como dói não ter
respostas para o teu silêncio.
-
Cala-te.
-
Cala-te tu. Silêncio! Quero ouvir as palavras do teu silêncio.
-
Quem és tu para me mandar calar? Já agora, não tens nada que ouvir
o meu silêncio, o silêncio não fala.
-
Fala sim! E de que maneira. Como fala.
-
Tu deves estar louca…ou louco. És homem ou mulher?
-
Sou…
-
Quem?
-
Ora, tu sabes muito bem quem.
-
Não sei
-
Quero ver cada palavras do teu silêncio.
-
Como é que vais ver isso? Está escuro, e as palavras não se veem.
-
As tuas com certeza veem-se.
-
Quais?
-
Aquelas que não disseste.
-
Não sei de nada.
-
A que sabe o teu silêncio?
-
Sei lá, nunca provei tal coisa.
-
Mas já o sentiste…!
-
Não.
-
Quero saborear e provocar, provar, sentir alguma coisa do teu
silêncio no meu corpo.
-
Estás-te a passar? Acho que estás a delirar.
-
Eu? A delirar…? (gargalhadas)
-
Não te podes rir mais baixo?
-
Porquê?
-
Pode aparecer aí alguém!
-
E…?
-
Vão pensar que estou a falar sozinha.
-
Quero agarrar no teu silêncio!
-
Mau… já vais aí?
-
Aí, onde?
-
Já lhe ouvi chamar muita coisa, mas silêncio…
-
Que pornográfica.
(gargalhadas
dos dois)
-
Mente poluída…
-
Isso era o que tu querias. Mas não me estava a referir a isso. Quero
saber se é um silêncio quente, ou um silêncio gelado!
(gargalhadas)
-
A conversa está a subir… é quente, com certeza, está aqui
debaixo da roupa.
-
Ai, valho-nos…! Eu estava a falar do silêncio que me mandas…
porque é que és assim?
-
Mudaste com uma rapidez… eu até estava a gostar da conversa!
-
Mas eu estou a falar de coisas muito sérias. Será que o teu
silêncio diz alguma coisa, ou muita coisa?
-
Ah, voltou a aquecer…não sei, acho que o meu silêncio, se é
assim que lhe chamas, não fala, eu é que posso dizer, com a minha
boca, ou com o resto do corpo.
-
Mostra-me o teu silêncio. Eu quero saber o que é que ele diz…
-
Já?
-
Sim.
Ela
começa a tirar a roupa entusiasmada.
-
Não quero ver tanto… (gargalhadas) eu quero saber o que é que ele
diz...quero ouvir palavra por palavra, letra por letra…
-
Sei lá se falo nesses momentos…
-
Gostava de sentir o teu silêncio!
-
Anda… começa tu.
-
Ai, senhor… não é disso que estou a falar.
-
Não estou a perceber nada. Queres ou não queres?
-
És mesmo ignorante! O meu gostar de ti não é esse que tu pensas, é
sincero, inocente, com o coração…
-
Óh, estás envergonhado, é? (gargalhada) Vá lá, fica à vontade.
Eu nem estou a ver-te, só vejo a tua sombra. Mostra-te lá, se
queres ver o meu...silêncio!
-
O meu gostar de ti não é um gostar de amor, ou de desejo!
-
Não acredito. Só queres uma relação de ocasião é…? Ok…
-
É um gostar de carinho, um gostar sensível, que nada tem de
assustador.
-
Podemos explorar outras formas, mais quentes. Eu estou aberta a novas
possibilidades.
-
Que insensível.
-
Porquê?
-
O
teu silêncio tem rostos, nomes, palavras, sentimentos.
-
Desde quando…? Nunca o vi, nem ouvi…
-
Choca-me…
-
Eu
sou alguma galinha, ou pata para te chocar…? E tu és algum ovo…?
-
Não percebi!
-
Congela-me!
-
Nunca fiz isso.
-
O teu silêncio faz isso, em mim.
-
O que é que ele tem para te fazer isso? Cheira mal…?
-
Não! Ai, que coisa… eu estou a falar de sentimentos.
-
Não sei do que estás a falar.
-
O teu silêncio, esvazia-me, a ti satisfaz-te?
-
Porquê? És homossexual? Está-se bem, não tenho nada contra!
-
Irraaaa…que indiferença!
-
Tu estás indiferente…?
-
Não, tu! Eu vim falar contigo, saber porque é que deixaste de falar
comigo?
-
Não sei quem és, nem vejo a tua cara, não sei do que estás a
falar.
-
Sou aquele que gostava de ti.
-
E agora não gostas?
-
Não.
-
Então não sei o que estás aqui a fazer.
-
Vim
à procura de respostas para a tua indiferença.
-
E insistes nisso… não te posso ajudar.
Aparecem
mais duas sombras que falam com ela:
-
Oh, trouxeste mais duas amigas? Hummm...amor a três? Nunca
experimentei, mas está bem! Se queres…
-
Como tu mudaste! - comenta a sombra negra
-
Olha como ele está a sofrer. - mostra outra sombra
-
É por causa de não lhe responderes às mensagens. - acusa a outra
-
Mas eu não sei quem é! Vocês sabem? Vieram com ele? - diz a
rapariga
-
Sim, viemos com ele, sabes quem somos, sim! - comenta a sombra
-
Não sei.
-
Transformaste-te no pior que podia haver. - acusa a sombra negra
-
Ele adorava-te! - relembra a sombra
-
Que grande desilusão! - diz a sombra negra
-
Quem
te magoou assim tanto?
-
Tu!
-
Porquê?
-
Não
percebes mesmo nada! A sombra negra desaparece, e quando olha para
o lado e vê uma rapariga que está a olhar para ela com ar
ameaçador.
-
O que é que estás aqui a fazer? Também vieste para a farra é?
Queres ver o meu silêncio?
-
Credo! Chamas-lhe isso? Bem, sempre é melhor do que outros nomes
mais badalhocos… (gargalhadas) Eu tenho um igual… se és dessas
não tenho nada contra, mas não tenho que te satisfazer.
-
Ainda agora estava aqui uma sombra a dizer que queria ver o meu
silêncio, e ouvir, trouxe mais duas, agora desapareceram, e vens tu?
-
Não sei de nada, não tenho nada a ver com esses dois.
-
Então o que vens cá fazer?
-
Não sei. Talvez o mesmo que tu!
-
Como não sabes?
-
E tu também não sabes, mas estamos aqui.
-
Onde?
-
Aqui!
-
Onde?
-
Não sabes onde, eu muito menos. Eu vim para aqui porque tu também
vieste. Mas se não sabes onde é, eu também não sei.
-
Estás a gozar comigo?
-
Não!
-
Estás louca?
-
Estamos.
-
Não pode ser…lá porque tu estás, não quer dizer que eu esteja.
-
Pode, é… e quer dizer…! Qualquer um pode ficar louco…desta
vez, ficamos nós.
-
Mas que raio de conversa é esta?
-
É uma conversa normal.
-
Não acho nada normal.
-
Estamos loucas!
-
Tu deves estar.
-
E tu também.
-
Estás no meu quarto?
-
Estou!
-
Entraste por onde?
-
Por onde? Pela porta é claro.
-
Que porta?
-
Ora…um quarto tem porta.
-
Áh! Pois…está bem. Mas o que é que tu queres de mim?
-
Quero mostrar-te um sítio.
-
Onde?
-
Verás.
-
Mas eu não posso sair daqui, pois não?
-
Podes.
Ela
estala os dedos e as duas raparigas vão para um labirinto cheio de
caminhos, árvores e sombras.
-
Que raio de sítio é este?
-
É o teu interior!
-
O quê?
-
Sim…a tua cabeça, o teu coração…é aqui que está tudo.
-
Mas eu não quero estar aqui.
-
Mas tens de estar! E é agora.
-
Porquê?
-
Porque é aqui que vais encontrar muitas respostas.
-
Respostas?
-
Sim! Qual é o espanto? Não queres saber porque estás ali naquele
quarto, que não é o teu quarto?
-
Quero!
-
Anda.
-
Mas o que é que tens a ver com isto?
-
Sou uma parte de ti!
-
Estás louca?
-
Estamos loucas. Precisamos de dar este passeio por este sítio para
ficarmos bem.
-
Tu és muito estranha.
-
Somos.
-
Não estou a perceber nada.
-
Anda comigo.
Dão
a mão e vão por uma série de caminhos sem saída. A rapariga grita
aflita:
-
Isto
não tem saída! Não quero estar aqui…estou a sufocar. Eu quero
sair daqui.
-
Tem saídas, temos de procurar.
-
Eu não gosto deste sítio.
-
Procura a saída.
A
saída está bem perto, mas ela não a vê, e a outra rapariga
desaparece.
-
Onde estás, outra?
-
Continua a procurá-la. – Diz a voz da rapariga que está
escondida.
-
Ajuda-me.
-
Procura sozinha. Também não ajudaste ninguém que te pediu.
-
Não…por favor, volta!
-
Áh, áh…tu sempre disseste que eras capaz de fazer tudo sozinha!
Que não precisavas de nós nem de ninguém. Safa-te agora! Tu vais
encontrar.
-
Mas eu preciso.
-
Não quero saber. Procura. Tens de sair daí sozinha…
A
rapariga procura muito aflita, anda de um lado para o outro, entra em
cada caminho diferente do labirinto, grita, chora, corre. A outra ela
ri-se escondida.
-
Por favor ajuda-me. Estou muito nervosa. – Grita a rapariga
-
Continua à procura…vais encontrar. Eu não posso ajudar-te.
-
Que cobra, má, nojenta! – Grita
-
Era mesmo isso que tu eras. Continua. – Diz a outra
Ela
procura desvairada por caminhos sem saída, escuros. Encontra outros
caminhos escuros: um com fantasmas brancos, outro com monstros, outro
com figuras aterradoras e horríveis, outro onde só ouve vozes e
gargalhadas.
Noutro caminho, as vozes gritam com ela, acusam-na,
insultam-na. Noutro, umas sombras não dizem nada, só apontam dedos
e empurram-na. Noutro, as sombras gozam-na, puxam-lhe os cabelos,
riem-se dela, gritam-lhe. A outra ela ri-se. No quarto, ela abre os
olhos sobressaltada, muito agitada, e grita ofegante:
-
Não! Eu quero sair. Eu não quero voltar àquele sítio.
-
Mas vais voltar. – Diz a outra
-
Onde estiveste?
-
Perto.
-
Porque é que não me ajudaste? Já conhecias aqueles caminhos?
-
Já. E tu também.
-
Eu não…se conhecesse antes, já sabia como sair dali. Porque é
que não me levaste por outros caminhos?
-
Tu é que escolheste esses!
-
Como é que fui eu que escolhi? Eu não gostei, nem gosto daqueles
caminhos. Estão cheios de coisas horríveis.
-
Tu é que quiseste ir por eles! Tinhas muitos outros. Tu é que foste
por eles, pela tua maneira de ser, porque te afastaste e afastaste a
tua realidade. As pessoas que estavam à tua volta e que gostavam de
ti, que sempre se preocuparam, tentaram sempre desviar-te desses
caminhos, e levar-te por outros, mas tu não quiseste segui-los.
Preferiste ficar no reinado onde tu eras a única rainha, onde todos
estavam aos teus pés, e à mercê das tuas vontades.
-
O quê?
-
Sim. Eras arrogante, fria, distante, má, indiferente, nada à tua
volta existia, nem ninguém. Só tu.
-
Não pode ser.
-
Pode! E foi mesmo isso. É por isso que agora estás aqui.
-
Mas eu não quero isso!
-
Tens de voltar ao labirinto.
-
Não! Lá só tem figuras horríveis.
-
Mas tens de as enfrentar…
-
Não!
-
Sim! Para saíres, tens de voltar.
E
a outra rapariga volta a levá-la para o labirinto. Ela volta a
passar pelos menos caminhos, e por outros igualmente escuros. Um tem
sombras que lhe estendem as mãos, e choram ajoelhadas. Um choro
perturbador. Outras,
gritam, outras ajoelham-se e contorcem-se. Entra noutro caminho que
tem gelo quebradiço no chão, e parte à medida que ela passa
rapidamente. Entra noutro onde vê uma série de portas.
Abre
uma porta e só tem esqueletos, outra tem fumo, outra tem serras a
trabalhar, outra tem pregos no chão, outra tem água, outra fogo,
outra buracos no chão e na parede, outra com raios, outra com vento
ciclónico, e outra com relâmpagos e redemoinhos. Ela não entra em nenhuma. Foge de todas.
Vai
dar a outro caminho escuro, e cheio de lama, onde acha que várias
mãos a empurram e ela cai. Sai desse caminho com dificuldade, e
muito assustada. Entra noutro caminho onde vê sombras que lhe
apontam objetos
cortantes, gritam e riem.
Ela
foge desse e entra noutro, onde ouve o som de chicotes a bater no
chão. Ela desata a correr, e entra numa porta cheia de vento que a
suga. Dá um grito e um salto na cama. Abre os olhos muito
aterrorizada.
-
Gostaste
do que viste?
-
Não.
Eu não volto lá! Não quero voltar lá! É um mundo horrível.
Assustador. Cansativo. Estou esgotada!
-
Era
o mundo onde estávamos.
-
O
meu mundo não era assim.
-
Era! Tanto era assim que agora estamos aqui. Tu é que só te vias a
ti! Eras o centro de tudo. Nada do que estava à tua volta,
interessava. Fizeste sofrer muita gente que tentou tirar-te desse
mundo. Mas não quiseste sair dele.
-
Eu não conheço aquela gente, nem aqueles caminhos. Nem quero
conhecer, nem andar por lá outra vez.
-
Para isso é que estamos aqui.
-
Por favor…não me deixes voltar para lá!
-
Agora achas feio.
-
Claro. Não pode ser pior.
-
Mas na altura achavas bonito.
-
Na altura não era nada daquilo. Ninguém me fez mal, agora querem
fazer-me mal. Parece
que estão todas as personagens a vingar-se de
mim.
-
Claro. É mesmo isso!
-
Posso pedir-lhes desculpa?
-
Podes. Não sei se elas vão aceitar, mas podes tentar.
-
Como é que eu faço isso?
-
Volta ao labirinto.
-
Óh não!
-
Queres pedir desculpa, ou não?
-
Quero mas naquele sítio…
-
Eles só estão nesse sítio.
-
Eles vão acabar comigo na mesma hora. Todos têm um ar assustador…
mau…raivoso.
-
Tenta, não sejas como eles.
Ela
volta ao labirinto, e chama todas as personagens que viveram no seu
mundo. Elas aproximam-se silenciosamente e olham-na. Encontram-se num
caminho escuro, mas com alguma luz.
-
Por favor…não olhem assim para mim. Não me façam mal! Sei que
estão muito magoadas e magoados comigo, ofendidos, e querem
vingar-se…eu sei…compreendo-vos. Só agora é que estou a ter a
noção disso! Por isso…até me sinto envergonhada. Não sei como
pude chegar a este ponto.
As
sombras falam com ela num tom irónico:
– Rainha…!
– Como
é bom ver-te aqui.
– Desapareceste…
– Estamos
cheias de saudades tuas…rainha.
– Muitas.
– Vieste
visitar-nos?
– Ou
vieste pedir-nos um favor…
– Dar
uma ordem…?
– Castigar?
– O
que nos vais fazer mais?
– Ou
vieste pedir-nos que acabasses contigo?
-
Pensamos que já tinham acabado contigo!
-
Sofremos muito por tua causa.
-
Chegamos ao nosso limite.
-
Passaste todos os limites.
-
Não mereces nada de bom.
-
Claro
que queremos vingar-nos.
-
O que tu fizeste connosco não tem classificação.
-
Foi muito mau.
-
Nós é que não percebemos como fomos capazes de permitir tanto.
A
rapariga envergonhada responde:
-
Têm toda a razão.
-
O quê? - perguntam
todas
-
O que estás a dizer é mesmo verdade?
-
É!
-
Mas que grande mudança! - comenta
uma sombra
-
Não sei se devemos acreditar nisto. - comenta
outra personagem
-
Acreditem! - pede
a rapariga
-
No inicio foi bom, mas cansamos!
-
Quer dizer…foi divertido…foi uma tentativa de enganar o medo.
-
Tu eras a nossa rainha…primeiro amiga…depois…cruel!
-
Fizeste tudo para que o medo se apoderasse de nós…e para que
pudesses fazer tudo o que quisesses connosco.
-
Depois de tudo, como te atreves a chamar-nos?
-
Eu chamei-vos para vos pedir perdão. - diz
a rapariga
-
O quê? – perguntam
todas, e desatam
a rir
-
Essa é boa…
-
Muito boa.
-
É. Eu não quero mais este mundo. Quero libertar-vos, e quero viver
no mundo real. - assume a rapariga
-
Tu é que o transformaste neste mundo horrível.
-
Eu sei. Não sabia disso, mas agora sei. - diz
a rapariga
-
Nós também não gostamos de aqui estar! Só estamos onde nos
deixaste.
-
Por isso é que estou aqui! Para me perdoarem e para irmos todos para
o mundo real que espero ser muito mais bonito que este. - reconhece
a rapariga
-
Huuuummmm… - dizem
todas, e faz-se
silêncio
A
claridade aumenta.
-
Por favor perdoem-me todas as maldades que vos fiz. Este foi o
refúgio que encontrei do mundo real, de coisas que eu não gostava.
Encontrei-vos aqui. Não tinha noção de onde estava metida.
Juro-vos que não queria ter construído este mundo horrível.
-
Este mundo horrível, foste tu que construíste, com tudo de mau que
tinhas e que não podias mostrar na tua sociedade.
-
Vivias na escuridão da tristeza e da desilusão, da dor, do ódio,
da raiva, da maldade…
-
Tudo dentro de ti era feio! - dizem
as sombras
-
Como querias construir um mundo bonito…
-
um refúgio agradável com tanta carga pesada, escura?
-
Pois…não tinha percebido isso. Mas é verdade! Mas acho que ainda
posso mudar de mundo, não? - diz
a rapariga
-
Sim. - respondem
todas
-
Só depende de ti.
-
Vocês gostam de estar aqui? - pergunta
a rapariga
-
Claro que não! - dizem
todas
-
Tira-nos daqui. - pede
uma sombra
-
Odiamos este sítio. - diz
outra sombra
-
Estamos cansados do escuro!
-
Estamos esgotados. - dizem
todas
-
Estamos fartos deste ambiente.
-
Por mau que seja o teu mundo real, de onde fugiste, temos a certeza
que é bem melhor que este!
-
Acho que começo a perceber que sim. Vocês perdoam-me? - pede
a rapariga
Faz-se
silêncio. Aumenta a claridade.
-
Tu libertas-nos? - perguntam
todas
-
Tiras-nos daqui?
-
Sim. Liberto-vos, e tiro-vos daqui com todo o gosto. - diz
a rapariga
-
Nós perdoamos-te. - respondem
todas
A
rapariga abre um grande sorriso, e o mundo que era escuro, cheio de
sombras, e figuras horrendas, encolhe. Um vento fortíssimo arrasta
todas as personagens e ela incluída, de mãos dadas para se
segurarem, elas rodam, algumas caem, outras ajudam a levantar, outras
batem contra algumas árvores, mas não se magoam, seguram-se umas às
outras.
Há
muitas cores, muitas luzes misturadas. O novo espaço é um jardim
cheio de sol, luz, cores vivas, flores, relva, pássaros, lagos,
fontes, cascatas. As sombras deixam de ser pretas, e todas as
personagens são visíveis, sorridentes, com ares serenos, meigos,
todos se abraçam, e beijam e abraçam a rapariga. A outra ela
aparece com um enorme sorriso.
-
Vês? Conseguiste! Muito bem…parabéns!
A
rapariga abraça a outra ela, as duas sorriem:
-
Muito obrigada por me terem perdoado!
-
Muito obrigada por nos teres libertado! - dizem
todas
-
Que lindo sítio!
(Ouve-se
barulhos da cidade ao longe)
-
Não vou sair daqui.
-
Tens de sair para voltares para a cidade onde vives e onde todos te
esperam. Mas poderás voltar a este sítio sempre que quiseres.
-
Estaremos sempre aqui…mas queremos é ver-te aqui poucas vezes.
Todos
riem.
-
Muito obrigada pela vossa companhia, durante este tempo.
-
Eles são muito mais bonitos com luz!
-
Pois são!
-
Está na hora de acordares.
-
Mas eu estou a dormir?
-
Estás! Vais acordar dentro em breve, como nova…agora que mudaste
para a luz.
-
E eles?
-
Eles vão estar sempre aqui. Podes vir visitá-los algumas vezes, mas
a este lado do labirinto.
O lado da luz.
-
E o lado horrendo?
-
Esse quase desaparecerá. Não voltes a entrar nele.
-
Não voltarei. Até breve amigos! Ou…personagens!
-
Olha como eles estão felizes!
-
E ganha juízo!
As
duas raparigas dão a mão com um grande sorriso, e ela acorda na ala
psiquiátrica, consciente. Olha em volta, e familiares e amigos estão
à
sua volta. Primeiro preocupados, depois quando ela abre os olhos,
sorriem aliviados.
-
Olá! - dizem
todos
-
Bem-vinda!
-
O soninho foi longo, não?
-
E bom?
-
Eles amam-te!
A
rapariga sorri.
-
Onde estou?
-
Não te preocupes com isso!
-
Vais sair daqui.
-
Vais ficar boa!
-
Não sei o que aconteceu!
-
Não faz mal.
-
Sabes quem somos?
-
Sei!
Eles
põem a conversa em dia, contam-lhe novidades, todos riem muito e com
a medicação ela melhora de dia para dia. Teve força suficiente,
com a ajuda da família, dos amigos e da sua outra ela para não
voltar ao mundo da depressão, das sombras, e figuras assustadoras, e
agora, figuras bonitas, sorridentes, de paz e alegres que brincam com
ela.
Ela
reaprendeu a viver em sociedade, e transformou-se numa pessoa do bem,
passou a procurar ajuda quando precisou, e aprendeu a aproveitar tudo
de bom…reencantou-se pela cidade, por tudo o que a rodeia.
A
depressão tem cura, é preciso estar atento aos sinais e qualquer um
de nós pode tê-la. Qualquer um de nós pode viver no mundo da
escuridão, das trevas, onde tudo é horrível, assustador, e viver
no mundo da luz, da cor, da felicidade.
Mesmo
quando o mundo da luz tem trevas e as sombras invadem esse mundo,
podemos sempre contar com quem nos ama, com a família, com os amigos
e com os anjos em forma de psicólogos ou médicos.
Mesmo com trevas
e sombra, vale a pena viver…e no mundo da luz! No nosso mundo.
Fim
Lara
Rocha
(11/Julho/2015)