LUCAS, O RATO COBAIA
Lucas olha-se ao espelho
vê umas caras:
Quem
é este que está a olhar para mim? E aquelas gajas? Áh! Devem ser as que me
roubaram os órgãos. Tenho de avisar a sociedade, toda a gente por quem passar
que estas são um perigo, e para ninguém se deixar seduzir pela sua beleza. A
humanidade corre riscos que nunca mais acabam, mas a minha missão é mesma essa,
anunciar a todos para terem cuidado com estas malditas. Elas querem roubar os
órgãos para sermos cobaias…como os ratos de laboratório, aliás, elas
transformam-nos em ratos, fazem de nós o que querem, experiências e mais
experiências, esvaziam-nos, enchem-nos de porcarias, e de medicamentos,
químicos, venenos. Voltam a pôr-nos os órgãos de outro desgraçado qualquer, e
esperam os resultados. Ninguém imagina que elas transformam em ratos, e depois
tornam-nos outra vez humanos, mas não somos mais os mesmos! E o mais provável é
que os órgãos nem sequer sejam os nossos originais como fazem comigo. Não sei o
que fazem com eles. Eu não permiti que mos tirassem, muito menos que mos
trocassem. Malditas! Devolvam-me os meus órgãos. Estão-se a rir? Não acho piada
nenhuma, e se eu vos fizesse o mesmo? Não sei que espécie são vocês, que não
vos consigo apanhar, nem tocar. Também têm poderes? Um dia qualquer espero
conseguir destruir-vos. Onde estão os meus órgãos? E os órgãos de outros que
vocês apanham e transformam em ratos? Depois passam a ser humanos outra vez? O
que pretendem com isto? Não respondem? Que coisa estranha. E tu, aí, óh sombra?
Estás a olhar para mim e a imitar-me? Que lata! Queres levar no focinho? Fora
daqui! Este momento é meu. Vou sentar-me na sanita e não quero assistência.
Teimosos! Saiam, ou querem levar com o fedor…? Olhem que eu cheiro muito mal,
mas a culpa é vossa, que trocaram os meus intestinos. Monstros…podiam ter posto
uns que me fizessem dar uns traques mais perfumados. Estes estão podres com
certeza, pelo cheiro que libertam… para que estão a fazer isto comigo? Saiam!
Teimosos. Estás a ouvir tudo o que eu estou a dizer não é, óh miserável aí de
cima? Como é que eu não me apercebi de nada? Ainda por cima mandas assistência!
Eu não sei trabalhar com estes podres que me puseste. Ainda não estão
satisfeitos, até puseram um micro na sanita, deve ser para ouvir bem o motor
traseiro a ronca… áh, áh, áh… nem é preciso micro…eles parecem um fórmula um no
arranque! Éh, éh, éh… até deve fazer fumo! Daqui a pouco ando a fazer piões
antes de eles saírem, vai ser lindo! (gargalhadas) De que é que me estou a rir,
não tem piada nenhuma… até o meu riso controlam. Mas pensando na gravidade que
tudo isto pode ter, não tem piada nenhuma mesmo. Que barulho foi este? Este
riso não é meu. Nada do que eu tenho me pertence, nem os meus pensamentos!
Entrou alguém, ouvi a porta a bater. São eles! Vêm-me tirar mais alguma coisa.
Óh não! Onde me vou esconder agora? Não tenho sítio, eles descobrem-me de
qualquer maneira, nem que seja na garagem. Vou lá para fora…não! Estão sempre a
vigiar-me, de certeza que veem onde me escondo. Vou para o esgoto, é isso,
talvez eles não entrem, e confundem-me com outros ratos. Que disparate! Eles
descobrem-me. Já sei, vou atravessar o espelho, ou esconder-me debaixo do
tapete…não… também me descobrem. Vou partir as camaras todas, e disfarço-me!
Mas se eu partir as camaras eles arranjam maneira de pôr outras. Au…au…au… o
que se passa…? Antes conseguia atravessar os espelhos e agora não consigo?
Pois...claro…com os órgãos originais conseguia, agora com estes não consigo.
Podiam pelo menos ter posto uns órgãos que me permitissem continuar com os meus
poderosos disfarces. Aqueles malditos dos laboratórios devem ter posto um
reforço ou um vidro inquebrável, ou duplo para eu não poder passar. Fazem tudo
para me tramar, querem apanhar-me…não vale a pena fugir, que eles descobrem onde
estou. Um dia destes acabo com a vossa raça, só não sei como. Não sinto o meu
corpo. Vão trocar mais alguma coisa. Pelo menos que troquem por órgãos bons que
me permitam cumprir a minha missão. Ai…que dores… ui…que cheirete…
pppppfffffff…não acredito! Trocaram estes órgãos por outros ainda piores. De
certeza que está infetado, ou há aqui algum vírus. O que puseram aqui? Para
quê? Já tive aqui tantos órgãos. Exijo os meus órgãos…meus…já os devem ter
destruído ou puseram noutro corpo qualquer. Parem de brincar comigo. O que
estão a fazer aí parados? Parem de olhar para mim e devolvam-me os meus órgãos.
Agora vou ter de limpara a casa de banho, a sanita e tudo com desinfetante,
porque está tudo infestado de vírus, com estes órgãos…eu sei lá de quem são, se
eles têm algum veneno… ou alguma coisa grave. Que raio de vírus. A sanita está
repleta. Que nojo, não me sento ali. Ninguém se pode sentar ali, estou a
receber um sinal de alerta de lá de cima…do meu guia…sim…é isso. Entendi.
Preciso de avisar a população que todas as sanitas estão infestadas de vírus,
não se sentem, caso contrário, vão ficar gravemente doentes. São vírus
mortíferos, que devorarão num abrir e fechar de olhos todo o vosso corpo que
desaparecerá… é muito grave! São vírus altamente contagiosos, que só eu consigo
vê-los. Só eu sei que são perigosos, e por isso tenho a missão de os proteger.
Vou lá abaixo gritar a toda a gente, mas preciso de voltar rapidamente cá para
cima, para não ser apanhado. Não, infetado não fico, porque eu é que aviso, mas
eles andam atrás de mim, a controlar todos os meus passos, a seguir-me. Mas…onde
estão as minhas mãos? E as minhas pernas? Puseram-me umas pernas de mulher? Áh!
Mas são jeitosas…para quê? Qual é a minha missão agora? Os meus… óh….estão
aqui! Mas…não são os meus, estes são muito mais pequenos, parecem de crianças.
Ainda se me tivessem posto uns grandes, maiores do que os que eu tinha…agora
estes minúsculos…que vergonha. Ei, devolvam-mos…os meus grandes! A minha
masculinidade…as minhas pernas. Não gosto disto! De que é que se estão a rir?
Já vou! Não. Primeiro quero o meu corpo, só depois vou lá abaixo. Não posso
passar a mensagem com outros órgãos, porque a outra pessoa não sabia do meu
segredo, que eu tenho uma missão! Assim não vou conseguir passar a mensagem!
Não vão acreditar em mim, e ainda por cima, vão chamar-me de louco. Importam-se
de parar de falar por cima de mim, principalmente enquanto falo? Que mania!
Detesto isso. Aliás, eu já disse para saírem daqui, estou num momento íntimo e
não quero plateia. Que chatos! Vou ter de ir lá abaixo de pijama. É muito
grave, muito urgente. Já fui e já voltei. Finalmente que saíram. Vou poder
sentar-me na sanita e fazer o que preciso! Áh! Boa! O meu corpo voltou! Claro,
também só assim é que eu conseguia transmitir o perigo! Lá este do lado a ouvir
os meus pensamentos. Para que é que ele grava o que eu penso? Se calhar quer
incriminar-me de coisas que não fiz, deve ser para me ameaçar, mas eu não tenho
medo das ameaças dele. Um dia destes vai ver quem eu sou, e do que sou capaz.
Aqueles também têm de me obedecer. Deixar o meu corpo em paz, e cumprir o que
eu digo, porque sou um recetor de mensagens superiores, para salvar a
humanidade. Ainda bem que limparam esta sanita, mas será que já limparam as
outras? Espero que sim, senão vai ser uma desgraça. Pois! A campainha…são eles!
Não vou lá. Já sei o que querem. Não. Não me posso expor assim tanto. Não. Não
vou! Agora o telefone… não vou atender. Vão gravar a chamada, e tudo o que eu
disser vai ser usado por alguém que se vai fazer por mim, ou que fez alguma, e
quer incriminar-me. Suspeito que seja aquele do primeiro andar, que não me
suporta, que se rói todo por eu ter poderes, e que quer ser como eu, mas não
consegue. De certeza que faz isso por mal. Para ver se me apanha qualquer coisa
e dizer que sou louco, nem que seja uma palavra para me tramar ao telefone, e
transformar noutras palavras que eu não disse. Esta gentalha sabe-a toda. Mas
não é só ele. Este prédio todo, em todas as ruas e lojas, todos me conhecem, e
há gente por todo o lado que me controla, controlam tudo o que eu faço,
escrevem todas as voltas e compras que eu dou, falam de mim, seguem-me, e
depois, vão para outro lado para o disfarce. Sei muito bem qual é o jogo deles.
Qualquer dia vou perder a cabeça e andar ao estalo! Ei…o que está a acontecer
com o meu corpo? Quem é que está sentado aqui na sanita no meu lugar? Já estão
a mexer outra vez no meu corpo. Fantástico…cravam-me aqui uma garra na testa, e
não senti nada, mas ela está aqui. Eu sinto-a, e vejo-a no espelho. Como é que
fizeram isto? Áh! Acho que foi com laiser, porque está a fumegar. Não sinto
quente. Para que é que me puseram isto aqui? É que a pele não está rasgada, nem
nada! Eu não quero esta garra aqui, vou assustar toda a gente. Não. Não posso aceitar
este. As minhas mãos…ei…esta cara não é a minha…que cara tão feia… que mãos horríveis?
De quem é isto? Não é meu. E os meus pés a ondular? Parece que tem escamas. Parem
de transformar o meu corpo. Que chatos! Tantos corpos e só vem mexer com o meu.
Au! Agora vem de chicote. Já estou a perder a paciência. Eu quero o meu corpo! O
meu…o melhor de todos, e não quero mais nenhum. Sou mensageiro, mas posso transmitir
as mensagens com o meu corpo, não preciso de ter nenhum horrível. (desata a
correr e a gritar) Fujam todos…socorro…estou a ser perseguido! Saiam. Não me agarrem,
não me agarrem… ááááááhhhhhhh… parem! não quero ir convosco. Não quero nada convosco.
De que é que se estão a rir? Ajudem-me! Eu sou um mensageiro…por favor…ajudem-me!
Calem-se! Estou a ficar irritado. Larguem-me. (faz movimentos com o corpo como
se estivesse a ser agredido, agarrado e a tentar libertar-se, mas não está ninguém
ao lado dele, nem atrás). Eu não quero! Larguem-me. Salvem-me em vez de estarem
a olhar para mim. Ai apontam-me dedos? De que se riem? Se tivessem monstros e
bruxas a agarrar-vos, e a tirar-vos pedaços do corpo, eu a olhar…iam gostar
muito não iam? Falsos! Parem…vou chamar a polícia! Não. Não é preciso chamar a
polícia…eu tenho superpoderes para me libertar! (faz movimentos violentos com o
corpo, como se estivesse a sacudir para se libertar) Áh! Eu disse! Mas quem é
que manda? Podem prender-me durante algum tempo, mas depois sou eu que ganho! Pensavam
que podiam…eu deixei-vos ganhar. Fingi-me de vítima, de fraco, vocês tem as vossas
estratégias e eu tenho as minhas. (Volta
para casa exausto, deita-se no sofá e ouve uma série de vozes com dedos
apontados para ele, a rir-se, caras deformadas, insultos, gargalhadas). Quem são
vocês? Vieram lá de baixo? Como é que entraram aqui na minha casa? Já sei, foi
a minha pseudo família, a que me expulsou de casa, por eu os ter salvo dos terríveis
androides que vinham busca-los. Disseram que eu estava louco. Eu só cumpri a
minha missão de mensageiro, salvador e protetor da humanidade! Rua! Não vos chamei.
Traidores! Calem-se! (Começa aos gritos e aos murros, danificando os móveis e
até magoando-se). Tentam derrubar-me, mas eu posso mais! Sou eu que vos
derrubo! Saiam. Não gosto de vocês. Rua! Vou esganar o porteiro, ou a besta do
vizinho que vos deixou entrar! Ora! Onde já se viu…não me dão sossego! Agora vem
os meus anjos! Que mensagem me trazem? Está bem! Primeiro vou descansar, e depois
aviso! Mas vou a tempo se descansar? Está bem! Uma chuvada de… Hummm…pintarolas…?
Não, não são! São…confetis? Áhhhh… esta gentalha toda vai dar aqui uma festa? Na
minha casa? Na, na, ri, na, na… escorraçam-me logo! Na…nem pensar! Uau! Que luzes
lindas… afinal acho que podem ficar, desde que não me deitem a casa abaixo! Também
posso participar? Áh! Acho bem! Sou o melhor dançarino, querem ver? Uau. Que loucura!
Calma, meninas. Eu chego para todas. Sou eu que vou escolher quem vai dançar
primeiro comigo. Tanta gaja boa… Hummm…que decisão difícil. Sou o maior. Eu já
venho! (deita-se no sofá e adormece)
Lara Rocha
(14/Outubro/2018)
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