Duas corujas estão pousadas na árvore, e conversam sobre o vizinho de cima, um poeta sonhador, que sonha acordado, às vezes conta os seus sonhos, que rasga, depois de escrever num papel, e atira para os pés da árvore.
- Olha lá, oh amiga...tu sonhas?
- Sim, sonho...quando estou a dormir, e
tu?
- Umas vezes são sonhos bons, felizes,
outros...são...sonhos estranhos, confusos, aterradores!
- E os teus sonhos como são?
- Os meus sonhos são sonhos. Umas vezes
também são bons, outras vezes nem tanto.
- Mas gostas de sonhar?
- Gosto, e tu?
- Eu também.
- O sonho sonhou esta noite!
- Quem é o sonho?
- É o sonho...o nosso vizinho de cima.
- Como é que sabes que ele sonhou?
- De certeza que sonhou! Todos sonham.
- Mas os sonhos não sonham!
- Achas que não?
- Acho.
- Porque não?
- Porque os sonhos já são sonhos, não
podem ter sonhos.
- O sonho sonhou mesmo!
- Ele disse-te?
- Disse.
- O que sonhou?
- Sonhou que era um sonho.
- Era um sonho bom ou mau?
- Sonhou! Não sei se foi bom, se foi
mau...sei que sonhou!
- Sonhou?
- Sim, sonhou, todos sonhamos!
- Sim, claro...e que sonho foi esse?
- No sonho do sonho, o sonho sonhou que
era um sonho!
- Mas o sonho já é sonho, como sonhou
que era um sonho?
- O sonho sonhou que era um sonho!
- Áh! Sonhou…
- Sim, sonhou que era um sonho.
- Mas que confusão!
- O sonho sonhou com ele próprio.
- Sonhou como?
- Sonhou que era um sonho…
- Mas já é um sonho
- Sim, foi por isso que sonhou!
- Sonhou que era um sonho.
- Mas que sonho tão louco…
- Não! Foi só um sonho, que o sonho
sonhou!
- E tu, não tens sonhos?
- Sim, tenho muitos sonhos.
- E os teus sonhos, também sonham?
- Não sei, nunca lhes perguntei.
- Mas achas que os teus sonhos, sonham?
- Acho que não sonham.
- Os meus sonhos sonham que são sonhos.
- Como é que sabes?
- Eu sei!
- Já os ouviste a conversar sobre
sonhos, ou a sonhar?
- Nunca falei sobre isso com eles, mas
de certeza que têm sonhos.
- Mas deve ser uma conversa de tolos.
- Não...são conversas de sonhos.
- Achas que os sonhos conversam?
- Sim, conversam.
- Sobre o que conversarão os sonhos?
- Não sei, nunca ouvi nenhuma conversa
entre sonhos!
- Talvez os sonhos conversem
sobre...sonhos.
- Sim. Mas deve ser difícil falar deles
próprios.
- Como assim?
- É difícil falarmos de nós mesmos com
outras pessoas. Talvez os sonhos também achem difícil falar deles próprios, ou
dos seus sonhos a outros sonhos.
- Será que eles têm sonhos iguais?
- Não...quase de certeza que não têm o
mesmo sonho.
- Porquê?
- Porque cada sonho, tem os seus sonhos.
- E os teus sonhos são iguais?
- Não. Sonho coisas diferentes todos os
dias.
- E o sonho, será que sonha todos os
dias?
- Claro que sim.
- Mas sonha todos os dias que é um
sonho?
- Não sei. Se calhar sonha outros
sonhos.
- Mas esta noite o sonho sonhou um
sonho….
- Sim! Esta noite, o sonho sonhou que
era um sonho.
- Que sonho estranho! Eu não gostaria de
ter esse sonho, se fosse sonho.
- Eu gostaria de sonhar que era um
sonho.
- Gostarias? Porquê?
- Talvez esse sonho dissesse muitas
coisas de mim.
- Áh! Achas que o teu sonho ia falar de
ti a outros sonhos, e que os levava para os teus sonhos?
- Sim.
- E gostavas de conhecer esses outros
sonhos?
- Se fosse o sonho, sim, gostava de
sonhar e conhecer outros sonhos.
- Achas que ias conhecer sonhos bons, ou
sonhos maus?
- Eu preferia sonhar que conhecia os
sonhos bons, mas os sonhos maus às vezes também nos visitam, e terão alguma
coisa para nos dizer...
- Será que o sonho também gosta de sonhar com
sonhos?
- Acho que sim.
- Serão sonhos bons ou sonhos maus?
- Os dois.
- Sim, pelo menos não temos sempre só sonhos
bons.
- Se tu sonhasses com sonhos, que sonhos
seriam esses?
- Ui, nunca mais acabava, se fosse sonhar com
todos os sonhos que sonho.
- Eu também.
- E aqueles meninos que vivem em países que
andam em Guerra, terão sonhos?
- Eu acho que esses nem devem dormir, com
tanto medo e terror.
- Então não sonham!
- Não…se não dormem, não têm sonhos.
- Achas que eles sonham com sonhos, que lhes
dão medo?
- Sim. De certeza!
- Mas não terão sonhos?
- Acho que não…
- Eu acho que eles sonham que a Guerra no
país deles acaba quando abrem os olhos.
- Eu se estiver com medo, não sonho…ou…sonho
sonhos com medo.
- E tens medo desses sonhos?
- Nos sonhos que tenho medo, sim.
- Eu também tenho medo.
- Eu se vivesse num país em Guerra também não
tinha sonhos…ou…teria sonhos de medo, ou de fim da Guerra.
- Olha, e o sonho de cima, atira papéis lá
para baixo…porque será?
- Será que são sonhos que ele sonha?
- Achas que ele escreve os sonhos?
- Pode ser…
- Será que são sonhos bons ou sonhos maus?
- Se calhar…devem ser sonhos maus, porque se
fossem sonhos bons, ele guardava-os, não os rasgava.
- Pois… Acho que tens razão.
- Hoje, o sonho sonhou que era um sonho…e…eu
é que acho que agora vou sonhar um bocadinho… (boceja) estou cheia de sono.
(A outra coruja ri-se)
- Vais sonhar que és um sonho?
- Acho que vou sonhar com um sonho…não sei
qual.
(As duas sorriem)
- Para saberes se vais sonhar que és um
sonho, ou se vais sonhar com um sonho, vais ter mesmo de fechar os olhos e dormir.
- É isso mesmo. Quando abrir os olhos,
digo-te…(boceja outra vez) se sonhei que era um sonho, ou…(boceja outra vez) se…sonhei
com algum sonho…Sonho….so…nnnnhhh…(adormece)
- O sonho sonhou que era um sonho. E tu, o
que sonharás? Sonharás com um sonho, ou sonharás que és um sonho? Eu vou sonhar
que com um sonho. Até já…bons sonhos.
O sonho saiu da árvore ainda antes do nascer do sol, e regressa do seu passeio, já com o sol alto. As corujas que já tinham dormido, abrem os olhos.
- Olá sonho! - Dizem as duas
- Já de regresso?
- Voltaste rápido!
- Olá! Vai estar um dia lindo... - Diz o sonho
- Olha, tu sonhaste esta noite? - Pergunta uma coruja
- Sonhei. E vocês não sonharam? - Pergunta e responde o sonho
- Sonhamos! - Respondem as duas
- E o que sonhaste? - pergunta uma coruja
- Sonhei...que era um sonho!
- Sonhaste que eras um sonho, ou sonhaste com um sonho? - Pergunta uma coruja
- Sonhei que era um sonho! - Responde o sonho
- E como foi esse sonho? - Pergunta a outra coruja
- Sonhei comigo mesmo. Sonhei que era um sonho...o resto já não me lembro!
- Mas, o que são os sonhos? - Pergunta uma coruja
- Os sonhos que sonhamos, são sonhos que sonhamos. São desejos nunca confessados. Os sonhos que sonhamos, são filmes do que nos é proibido. São florestas de terror, medo, ansiedade, tempestades… - Responde todo poético, o sonho - Ai...não gosto desses sonhos! - Diz uma coruja
- Nem eu! - Diz a outra
- Eu também não, mas às vezes vamos passear por essas florestas, porque a entrada é a mesma. Mas os sonhos também são...lagoas serenas, de águas claras…
- Áh! Que lindas… - Suspiram e sorriem as corujas
- São romances! - Continua o sonho poético
- Gosto! - Dizem as duas corujas
- São vitórias!
- Áhhh!!! - Dizem as duas
- Ééééhhhh… - Diz uma coruja
- E derrotas… - Acrescenta o sonho
- Óóóhhh… - Exclamam as duas corujas
- Isso não! - Comenta uma coruja
- Não gosto de derrotas. - Diz a outra
- Nem eu! - Responde a outra
- Eu também não, mas também fazem parte. Os sonhos são vontades...são música, são cores...são histórias contadas pelo cérebro...são personagens construídas pelos olhos, e pela mente...e representadas pelas emoções, pelo corpo...aprovadas e, ou...reprovadas pelo coração! Aliás...só ele entende a linguagem dos desejos nunca antes confessados! Alguns são tão bons! Pelo menos...nos sonhos que sonhamos...vivemos experiências, experimentamos emoções, entramos em contacto com o mistério que nos compõe. Outros...são apenas...sonhos sonhados! Que sonhamos...nem são desejos sequer...mas aparecem, quando o cérebro não está inspirado, ou está cansado e mistura tudo...como nós.
- Explica o sonho
- Áh! Que bonito! - Exclamam as duas corujas a sorrir
- Então os sonhos são tanta coisa…! - Pensa em voz alta uma coruja
- São mesmo! - Diz a outra
- Há sonhos sonhados que sonhamos, e desejos que desejamos, que se transformam em bolas de sabão! - Acrescenta o sonho
- Áh! Então andam muitos sonhos por aí… - Repara uma coruja
- Sim. Nós vemos muitas bolas de sabão! Então...elas são sonhos que vagueiam… - Diz outra coruja
- Isso mesmo! Essas bolas de sabão, têm aqueles sonhos que sonhamos e desejamos, e sabemos ao acordar, que não serão realizados…! - Diz o sonho com ar de sonhador
- Óh, que pena…! - Dizem as duas corujas
- Eu tenho tantos sonhos que não se realizam…- Diz uma coruja
- Eu também… - Diz outra coruja
- Todos temos! Mas fazem parte de nós, vivem no nosso jardim, e quando os portões se abrem, todos entram…Porque esses são apenas...bolas de sonhos, bolas de desejos, bolas de vontades...que flutuam, pairam, vagueiam pelo jardim do sonhar e desfazem-se ao chegar ao Universo da realidade. São...sonhos! - Completa o sonho
- Áhhhh…! - Suspiram as corujas a sorrir
- Que lindo que deve ser esse jardim do sonhar. - Imagina uma coruja
- Sim. É imenso...não tem fim, tem imensos caminhos, e existem milhões...todos diferentes. - Diz o sonho
- Uau! - Dizem as duas
- Que bom que é sonhar...sonhos bons. - Repara uma coruja
- Pois é! - Diz a outra
- É mesmo. - Responde o sonho
- Bem, desculpa amigo sonho...vou voltar a esse jardim do sonhar...porque estou cheia de sono. Só abri os olhos porque te ouvi chegar. - Diz uma coruja
- Eu também! - Diz a outra coruja
- Claro...à vontade! Eu também vou continuar o meu passeio. Até já...bons sonhos para vocês. - Deseja o sonho
- Obrigada! - Respondem as duas
O sonho continua o seu passeio, e as corujas voltam a dormir. O que será que elas encontraram no jardim do sonhar?
FIM
Lálá
(29/Dezembro/2016)