Era uma vez um pomar muito sossegado, onde haviam macieiras, laranjeiras, castanheiros, oliveiras, videiras, pessegueiros, tangerineiras, pereiras, e muita erva, onde pastavam animais. Pertencia a casa de um casal, com 4 filhos, e na casa ao lado viviam os Avós. Setembro chegou rapidamente, e com ele vem a época das colheitas, é altura de apanhar tudo o que houvesse, antes que os pássaros, ou pessoas de fora, os roubassem.
O dia começou bem cedo para esta família, que depois do pequeno-almoço e os pequenos ainda com sono, puseram mãos à obra, carregaram cestos e mais cestos de palha, baldes e bacias para o campo, tesouras nas mãos e luvas, e começaram a encher.
Estavam todos a cantar, enquanto trabalhavam e de repente algo misterioso aconteceu... uns cestos virados ao contrário. Mas eles tinham a certeza que todos os cestos que levaram, ficaram virados para cima. Como é que aqueles estavam virados ao contrário? Nem sequer havia vento.
Continuaram a trabalhar e a cantar. Quando repararam, os cestos estavam na mesma virados ao contrário, mas noutro sítio. Como? Mudaram de sítio? Os cestos não têm pernas...como é que se mexeram?
Acharam muito estranho. Olharam outra vez, e nem queriam acreditar no que acabavam de ver. Os cestos não têm pernas, mas aqueles que se mexeram...tinham pernas! O quê? Cestos com pernas? É verdade! Olharam e voltaram a olhar. Viram os cestos a correr, a levantar-se do chão, a andar de um lado para o outro, e pés com pernas pequenas feitos da mesma palha que os cestos, como se fossem de pessoas! Quem teria feito aquilo?
Pararam o trabalho e foram ver mais perto. Correram atrás dos cestos com pernas. Os cestos assustaram-se, começaram a correr em círculo uns atrás dos outros, a gritar, as pessoas correram atrás deles, sempre em círculo como eles, mas os cestos corriam tão rápido que não conseguiam apanhá-los, correram tanto em círculo atrás dos cestos que ao fim de algumas voltas, caíram redondos no chão, ficaram tontos. Os cestos deram umas valentes gargalhadas ao ver as pessoas caídas.
- Olhem, olhem, parecem frutas podres... - diz um cesto a rir
- É! Aquelas que os pássaros começam a comer primeiro! - Diz outro cesto a rir
- Pareciam um bando de maluquinhos a correr às bolinhas... só faltava fazerem bolinhas de sabão com os pés, de tanto correr atrás de nós! - Diz outro cesto a rir
Enquanto os cestos gozam, e brincam com as pessoas, no campo em frente, estava um burro a correr feito louco, parecia muito assustado e começou a zurrar, a pular com saltos nada elegantes. Atravessa a estrada a zurrar fortemente, e a dar coices. Estava tão nervoso que quase pisava as pessoas que estavam deitadas no chão a recuperar, encolheram-se e começaram a gritar, mas os cestos não escaparam. Levaram uns valentes coices do burro e rolaram pelo campo fora, como se fossem bolas, foram pisados, e ainda levaram com o pobre animal que caiu com a língua de fora em cima dos cestos, completamente cansado.
Os cestos ficaram todos amassados, tortos, quase foram esmagados. As pessoas levantaram-se ainda a gemer, olharam para o burro e para os cestos, tentando perceber o que tinha acontecido.
- Mas de onde saiu este animal louco? - pergunta a mãe assustada
- Eu nunca o vi aqui? - diz o pai surpreso
- A quem pertence? - pergunta a Avó
- Não sei. - Diz o Avô
- Se calhar foi uma bruxa ou um feiticeiro! - diz a menina
- Olhem os estragos que ele fez...pobres cestos, e agora nem se levanta dali. - comenta a Avó
- O bicho não está no seu estado normal. - aprecia o Avô
Os cestos levantam-se com muita dificuldade, devagar, e a gemer.
- Socorro! - Gritam os cestos
As pessoas vão ter com eles.
- Óh camião, sai de cima de nós... - grita um cesto que ainda tinha uma para em cima
O burro dá meia volta e põe-se de pé.
- Como é? De onde vens, animal? - pergunta o pai
- Louco! - ralha o Avô
- Sou fugitivo! - responde o burro
- O quê? - perguntam todos
- Sim. - diz o burro
- De onde? - pergunta a mãe
- A quem pertences? - reforça a Avó
- Não sei dizer de onde vim, já estou a andar há muito tempo. Fugi do meu dono que era louco, carregava-me demasiado, maltratava-me. Cansei. Ele bebeu demais, ficou a dormir à porta do café com os amigos, e eu... fugi, nem olhei para trás. O meu anjo guiou-me. - explica o burro
- Os animais também têm anjos da guarda? - pergunta o menino
- Claro que sim! - afirma o burro
- Mas eu não estou a ver nenhum anjo? - comenta o menino
- Eu vejo-o, e ele está ao meu lado... isso é o mais importante! - responde o burro convicto
- Só fizeste asneiras! - ralha o Avô
- Óh...peço desculpa, não era minha intenção. Mas, estava mesmo muito assustado. Posso ficar aqui? - suplica o burro com ar de piedade e inocente
- Não! - gritam todos
- Vai-te embora. - ordena o pai
- Tu és louco! - grita o Avô
- Quem, eu? - pergunta o pai
- Não! Ele. - responde o Avô
- Eu? - pergunta o burro
- Sim! Claro, tu é que entraste aí e levaste tudo à frente! Quem faz isso não está no seu juízo perfeito! - explica o Avô
- Óh, vá lá...deixem-me ficar aqui, por favor. Eu posso ajudar-vos a carregar os cestos, ou a chegarem aos pontos mais altos das árvores, posso correr com os pássaros que querem levar a vossa fruta, posso fazer muita coisa. - implora o burro
- Hummm....- pensam todos
- Acho que ele tem razão...ele pode ser-nos útil. - diz a mãe
- Será que podemos confiar nele? - pergunta o Avô
A Avó olha para os olhos do burro, o burro fica imóvel, assustado e nem pestaneja...sorri.
- Sim, podemos confiar nele! - garante a avó
O burro respira de alívio.
- Se ele fizer asneiras és tu que pagas. - resmunga o Avô
- Está bem. - Diz a avó sem medo
- Ficamos com ele, então? - pergunta a mãe
- Sim! - Responde a Avó
- Sim! - Responde o burro sedutor
- Sim. - respondem todos
- Óh... muito obrigado! Não se vão arrepender! - assegura o burro a sorrir
Os Avós dão-lhe de beber, e de comer, sacodem-no, e ele comprova logo o que disse: ajeita os cestos que ficaram tortos e amassados, os novos donos voltam a cortar a fruta, o burro baixa-se e os cestos sobem para o seu lombo, ele anda de um lado para o outro, divertido, para apanhar tudo, tal como os cestos que tanto andam pelo seu lombo como saltam para o chão e sobem os degraus das escadas que os senhores usam para ir subindo.
Que colheita maravilhosa. O burro foi uma ajuda preciosa, e os cestos com pernas dormiram na mesma cabana que o burro, tornando-se grande amigos, com muito riso, conversas e brincadeiras durante a noite, passeiam pelos campos e vêem as estrelas na companhia uns dos outros, aconchegam-se, atiravam folhas uns aos outros, escorregavam nelas, riam, rebolavam, saltavam, cantavam, e quando o tempo arrefece têm direito a cobertores, e uma porta.
Os novos donos estão orgulhosos com a presença do burro nas suas vidas. Nunca descobriram de onde vinham os cestos com pernas feitas do mesmo material, nem quem os tinha posto ali, mas a verdade é que gostavam deles.
E vocês? Perdoavam as asneiras do burro? Ficavam com ele?
Quem acham que fez, e pôs os cestos com pernas naquele campo?
FIM
Lálá
12/Agosto/2018