quinta-feira, 26 de junho de 2025

A menina pequenina que calçava sapatos altos

   Era uma vez uma menina que adorava brincar às princesas. Achava que era uma princesa! Pedia à mãe para a vestir sempre como as princesas, calçar-se como as princesas, de sapatinhos finos e tacão alto, cor de rosa, brancos, brilhantes, às vezes amarelos a condizer com o vestido. 

    Brincos da mesma cor, cabelinhos enfeitados a rigor, com lacinhos e ganchinhos ou elásticos da mesma cor do vestido. 

   Pinturas na carinha, nos olhinhos, nas bochechas, brilhantes, como as princesas usavam, casaquinhos de gala, e até uma carteirinha que parecia uma senhora, quer dizer, uma princesa como ela achava que era. 

     Os chinelinhos de quarto também tinham tacão, porque todos os da sua família, achavam graça, estava na idade das princesas, e ficavam encantados ao vê-la vestida assim, calçada daquela maneira, e pintada, a parecer uma senhora. 

   Mas passados uns tempos, a menina queixou-se dos pés, que lhe doíam, como não sabia dizer, ao assentar os pés no chão, gritava de dores, e punha-os em bicos. 

  A mãe reparou que os dedos e o peito do pé estavam feridos, e pareciam inchados, dobrados, não assentavam no chão. 

   A menina mal conseguia andar. Então, a mãe levou-a ao médico, e este disse que ela tinha os pezinhos realmente feridos, inchados e dobrados, mas nem ele percebia porquê. 

    A mãe disse que ela era uma princesa, adorava brincar às princesas, vestia-se como elas, calçava-se como elas, com saltos altos, pintava-se como elas. 

    O médico fica estático e pensativo: 

- De saltos altos, esta criança? 

- Sim, Doutor, faz parte da idade, não é? 

- É. Mas a mãe alimenta essa fantasia? 

- Sim. Também já fui da idade dela, gostava de princesas, e de ser parecida com elas. 

- E também andava de saltos altos? 

- Sim, algum tempo andei, mas depois proibiram a minha mãe de me calçar sapatos altos, porque estavam a deformar os meus pés. 

- Pois, é o que está a acontecer com a sua filha. 

- A sério, Dr.? 

- Sim. A menina é uma menina, não é uma princesa na vida real. Deixe-a sonhar e imaginar, mas tire-lhe os sapatos altos. Além de não ter idade, os pés dela estão em desenvolvimento, com certeza que lhe estão a doer muito, neste momento. Se continuar a usar sapatos altos vai ficar com sérios problemas...olhe para os dedinhos dela...isto é dos sapatos. E esta parte...Tem aparecido aqui muitas meninas assim, com a mesmo ideia e com os mesmos problemas por usarem tacão alto. A menina tem de andar descalça, e pôr os pés no chão, na relva, na areia, desde que não esteja quente, e chinelos, rasos. Vai ter de usar chinelos, sapatilhas, fazer uns exercícios, colocar uns cremes, gelo, saquinhos de água quente, massagens, e só depois, quando o pezinho voltar ao normal é que vai usar os sapatinhos adequados para a idade dela, não os de princesa. 

- Entendi, Dr. 

    A mãe segue atentamente todas as indicações do médico, faz tudo o que ele recomendou, a menina grita e chora, quase não deixa tocar nos pés com dores, mas a mãe tenta distraí-la, e ela consegue ficar sossegada, sempre a chorar. 

- Princesa...não queiras ser princesa, combinado, pequenita! As princesas sofrem muito. Ficam muitas vezes com os pezinhos magoados, como os teus, deixa-os à vontade, está bem? - diz o médico 

- Mas eu quero ser princesa, eu sou princesa! Eu gosto de andar como elas, de me vestir como elas, de me calçar como elas. Elas são lindas. - insiste a menina triste 

- Eu sei, querida, também tenho filhas e sobrinhas da tua idade, elas adoram princesas, mas não são como elas, são meninas normais, bonitas como são, andam descalcinhas e adoram, andam de chinelinhos e adoram, andam de sapatilhas e sapatinhos, botinhas para a vossa idade, e não querem outra coisa. 

- Elas não usam sapatos altos? - pergunta  a menina 

- Não! Os sapatos altos fazem muito mal aos pezinhos das princesas e das meninas. - diz o médico 

- Fazem? 

- Fazem. Tu não queres ficar com os pezinhos magoados pois não? 

- Não. 

- Pois, são os sapatos de saltos altos que te fazem essas feridas. - explica o médico 

- Ahhh...não quero! - diz a menina triste 

- Não queres, o quê? - pergunta o médico 

- Ficar magoada...ter feridas. 

- Pois, bem me parece! Mas então para isso, vais ter de deixar de usar sapatos altos, está bem? - propõe o médico 

- Está bem. - diz a menina com grande tristeza 

- Não te quero ver triste, por causa dos sapatinhos de princesas...tu és uma menina, não és uma princesa, mas eu gosto muito mais de meninas do que de princesas! - diz o médico 

- Gosta? 

- Gosto. 

- O Dr. conhece as princesas? 

- Conheço, as minha filhas e as minhas sobrinhas apresentaram-mas, mas eu não gosto muito delas. Os pezinhos delas são...os teus e os das meninas verdadeiras são muito mais bonitos, perfeitos! 

- São? 

- São! 

- Então eu quero ter uns pezinhos bons. - diz a menina 

- Boa! Dá cá mais cinco...mas então, usas os teus sapatinhos, está bem? Deixa os sapatinhos de princesas com elas, e os sapatos altos. 

- Está bem, Dr. Vou deixar…

- Podes brincar às princesas, imaginar que és uma princesa, mas não uses as coisas, nem os sapatos delas, está bem? 

- Sim. 

   Quando tenta pousar os pés no chão, grita, a mãe e as terapeutas ajudam-na a pôr os pés no chão, põem-lhe gelo, saquinhos quentes, fazem massagens e exercícios, aos bocadinhos a menina lá vai conseguindo assentar os pés no chão, as dores, as feridas, o inchaço, vão diminuindo, e melhorando. 

    A menina consegue finalmente pousar os pés no chão, e sorri, ao senti-lo, caminha devagar, e salta alegremente, corre de um lado para o outro feliz. 

  Todos riem e aplaudem. Vão para a praia, e a menina adora sentir a areia nos pés, brinca com as mãos, molha os pés, tudo era novo para ela, principalmente sem sapatos de tacão alto. 

 Experimenta os chinelas rasos da idade dela, os sapatinhos e as botinhas, confortáveis, delicadas como os seus pés, sente-se feliz, calça sapatilhas, adora, e anda descalça. 

   A menina gostou tanto da experiência e da mudança, que não quis outra coisa! Esqueceu-se de que achava ser uma princesa, não quis mais ser como elas, nem andar como elas. 

   Adorava andar descalça, na terra, na relva, na areia, em casa, saltava, corria, cantava, ria, batia palmas, dançava, com pantufas, sapatilhas, em meias, de sapatilhas, de chinelos. 

    Inventou novas brincadeiras, para sentir a felicidade que é andar descalço, principalmente ao ar livre no jardim da sua casa, e dos avós, na praia e na casa das amiguinhas. 

E vocês? Gostam de andar descalços, ou descalças? 

Qual é o vosso calçado preferido? 

Gostavam de usar sapatos altos como as princesas? 

Podem deixar nos comentários, se quiserem.

                                                        Fim 

                                                   Lara Rocha 

                                                  26/Junho/2025 

 

domingo, 1 de junho de 2025

Monólogo (ou leitura em forma de jogral coletivo) - Ser criança

 Ser criança…

Ser criança começa no desejo dos pais, em dar continuidade à longa história das famílias.

Ser criança é ser frágil, dependente, mas ao mesmo tempo...para os pais, avós, tios, tias, primos, primas, amigos, ser criança é fazer as delícias de quem a tem nos braços. 

Mesmo a dar muito trabalho aos pais, a criança é um ser cheio de compensações emocionais, encanto, recompensas, abraços, sorrisos fáceis e de gratidão sem palavras, olhares fixos, luminosos, brilhantes. 

Ser criança é ter colo, amor, afetos, mimos, carinho, compreensão, palavras de incentivo para crescer segura, apoio, diálogo, atenção, dedicação, brincadeira, companhia, satisfação das suas necessidades mais básicas e regras, «nãos» («não, porque...»). 

Ser criança não é ver todos os seus caprichos e manhas cumpridas, é também ficar amuada (o) por não lhe fazerem as vontades todas. É com isso, aprender a esperar e que não pode ter tudo o que quer. 

Ser criança é brincar livremente, sozinha, com outras crianças, com adultos, bonecos, brinquedos, e não usar telemóveis ou jogos eletrónicos. 

Ser criança é dar asas à sua imaginação, rir sozinha, rir com os outros, falar com os outros, com os seus bonecos, brinquedos, amigos e amigas imaginários, os bonecos da televisão. 

Ser criança é ouvir histórias fantásticas, dos pais, dos avós, dos tios e tias, dos primos e primas, das educadoras e professores, contadas e lidas por elas próprias. 

Ser criança é sonhar com o impossível, com magia, com fantasia, é ter sonhos acordada e a dormir, ter pesadelos, gritar, ir para a cama dos pais, chorar, chamar por alguém, sentir medos que fazem sentido, outros são imaginários, construídos pelo desconhecido. 

Ser criança é acreditar em personagens como se fossem verdadeiras, é fingir que são outras pessoas, personagens, isto ajuda à descoberta de si mesmas, à construção das suas personalidades, e acreditar em seres fantásticos. 

Ser criança é ser inocência, pureza, leveza, teimosia, desafios dos limites, e aprender a obedecer, cair e levantar mesmo que fique ferida, e sem pânico dos adultos, para aprender por elas próprias. 

Ser criança é jogar à bola, correr, saltar, dançar, rebolar, sujar-se, brincar, pintar, desenhar, conviver com a Natureza, e explorar, sentir o que existe à sua volta. 

Ser criança é tocar, cheirar, saborear, sentir, provar, experimentar, errar, ser elogiada, valorizada, repreendida quando passa os limites. 

Ser criança é seguir o exemplo dos adultos, no respeito pela diferença, aprender a viver com todos, a selecionar quem partilha os mesmos valores de respeito e amizade, carinho, dedicação, companhia.  

Ser criança é brincar com quem mais gosta, independentemente da cor da pele, raça, cultura, crença, país de onde veio, e aprender a viver com amor, no amor! 

Ser criança é sentir o vento na cara, e no cabelo, é espontaneidade, curiosidade, alegria, é molhar-se na chuva, e rir, saltar nas poças. 

Ser criança é dormir, é parecer estar ligada à tomada, riscar as paredes ou outros objetos, cantar, imaginar, escrever.  

Ser criança é ter em si todas as cores, todas as raças, todos os valores, por isso deixemo-las ser crianças saudáveis, deixemo-las brincar com bonecos e brinquedos até quando elas quiserem. 

Não há idades para deixar de brincar! Mas infelizmente nem todas as crianças vivem num mundo perfeito, nem podem festejar o seu dia, de hoje, como muitas. 

Crianças e pais que sofrem com doenças graves, que estão em hospitais, que vivem com medo, em países onde há fome e guerra, tristeza bombas em vez que brinquedos. 

Crianças que não vivem em casas, mas entre escombros, onde ficaram todos os sonhos, toda a infância que não é a que imaginavam, nem desejavam. 

Crianças que vivem em tendas, esconderijos, onde não veem o sol, onde não ouvem palavras de amor, nem histórias bonitas, não recebem carinho, não ouvem cantar, nem rir. 

Crianças que deixaram de saber sonhar, não ouvem o vento nem os risos, só lágrimas, dor, medo, pesadelos, incerteza. Crianças abandonadas, exploradas, maltratadas, desrespeitadas, usadas como objetos.

Crianças que são postas de lado por serem diferentes. 

Feliz dia das crianças, mesmo as que não podem festejar, e que no próximo dia das crianças, tudo esteja melhor, com as crianças que não têm infância. 

Nota: podem completar este texto com o «Menino sei porque choras». 

                            FIM 

                         Lara Rocha 

                        1/Junho/2025