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quarta-feira, 25 de junho de 2014

A Fada e a Bruxa



Era uma vez uma Fada e uma Bruxa, que se davam muito mal. Não era pela Fada, porque essa era muito meiga, e simpática, amiga de todos e gostava de ajudar, mas a Bruxa era muito diferente.
Também não era por serem diferentes que se entendiam mal, mas porque a Bruxa perseguia a Fada e tentava destruir todas as coisas boas que ela fazia, e muitas vezes conseguia mesmo, porque a Fada não estava em todo o lado ao mesmo tempo, e a Bruxa era muito esperta…só destruía quando não estava ninguém para a acusar.
A Fada ficava sempre muito triste com as maldades da Bruxa, mas deixava-a seguir o seu caminho, e não se metia com ela…apenas…quando via tudo destruído, voltava a construir, e a Bruxa voltava a destruir.
        Desta vez, a Fada plantou umas sementinhas muito especiais, brilhantes e cheias de luz, nos jardins das entradas das casas por onde passou, com muito carinho e delicadeza, e um grande sorriso. Uns gatinhos sentiram a presença da Bruxa, e ficam agitados, começam a miar sem parar.
- Lá estão aqueles malditos peludos ali! Que maldição…perseguem-me aqueles idiotas…! Mas eu acabo depressa com aqueles bandidos! – Resmunga baixinho a Bruxa que está escondida
- Cuidado fadinha! – Miam em coro
- Calem-se insuportáveis… - Murmura a Bruxa
- Com quê, gatinhos? – Pergunta a Fada
- Com aquela Bruxa maldita! – Responde o Gato
- Ááááhhh…que nojo! – Murmura a Bruxa
- Ela está aí! – Garante a Gata
- Não a vejo! – Diz a Fada
- Ainda bem…Claro que não me vês…eu estou bem guardada…ih, ih, ih…! - Murmura a Bruxa
- Nós sentimos a presença dela. – Diz o Gato
- Estúpidos gatos! Não me estraguem os planos…vou dar cabo de vocês! – Resmunga baixinho a Bruxa
- Mas fica descansada…nós tomamos conta das tuas sementinhas. São coisas boas não são? – Pergunta a Gata
- São! Sementinhas muito especiais.
- Que coisas é que aquele pirilampo peneirento está a deitar para ali? De certeza que é lixo…coisas nojentas, horríveis…só pode! Áh! Se eu fosse uma pessoa, corria-a dali à vassourada! Mas que atrevida! Planta coisas assim…ainda por cima…porcarias! – Resmunga a Bruxa
A Fada deita as sementinhas na Terra, cobre-as, rega-as e ilumina-as com os brilhantes das suas asas para crescerem muito rápido e fortes.
- Áh! Que lindo! – Dizem os gatos em coro
- E vão ver quando aparecerem! – Diz a fada a sorrir
- Sonha, sonha…! Que inocente… Nunca crescerão! – Resmunga a Bruxa
- Vai descansada, Fadinha…as tuas sementes ficam bem guardadas! – Garantem os Gatos
        A Bruxa invejosa, logo que a Fada se afasta vai a cada jardim, e o seu cheiro é tão mau que afugenta os gatos e todos os animais ou pessoas que se aproximem… até a pobre Coruja tem de se refugiar no tronco, para não cair.
        Com as suas garras enormes, remexe a terra toda, acompanhada de gargalhadas estrondosas, cheia de maldade. As sementinhas transformam-se em cubos de gelo e não aparecem à superfície.
- Que coisas peçonhentas são estas que ela meteu aqui? Seja o que for, não posso deixar que isto aconteça…tenho de proteger estas pessoas. Não é que elas mereçam porque estão sempre a dizer mal de mim, mas se eu as defender destas coisas, de certeza que vão começar a adorar-me.
        Vira costas, toda satisfeita e a rir por ter congelado as sementes da Fada.
- Maldita! Festeja enquanto podes, porque muito em breve vais ser descoberta. – Diz a coruja
        No dia seguinte, a Fada volta aos jardins e vê o solo congelado num dia em que esteve muito calor, e toda a terra remexida.
- Lá vem ela! – Murmura a Bruxa escondida
- O que aconteceu aqui? – Pergunta a Fada
- Fada querida…foi aquela maldita! Aquela fedorenta chegou aqui, afugentou os gatos e eu também tive de me recolher, e remexeu isto tudo. – Confessa a Coruja.
- Claro! Já suspeitava…é sempre a mesma…porque é que ela não me deixa em Paz?
- Porque ela só sabe ser má! – Diz a Coruja
- E o que é que eu tenho a ver com ela? Ela só não é boa porque não quer.
- Ou então porque nunca a ensinaram a ser boa!
- Ainda está muito a tempo de aprender.
- Mas porque é que ela só faz estas coisas comigo?
- Não é só contigo!
- Não pode ver nada bom…! Olha o que ela fez com as minhas sementes…! E agora?
- Eu vi…ela congelou-as! Remexeu a terra toda.
- Ih, ih, ih, ih, ih, ih, ih, ih…foi tão divertido…! Muito melhor que um ginásio! – Murmura a Bruxa a rir
- Que uma toupeira ou outro animal qualquer fizesse esta asneira, ainda se desculpava…mas ela faz por maldade!
- Cansei de ser boa…é uma tristeza, ser boa! Não se ganha nada com isso! – Resmunga a Bruxa baixinho
- Nisso tens toda a razão! – Diz a Coruja
- Se ela não fosse tão malvada, eu até lhe podia ensinar a ser boa, mas ela não deixa!
- Que nojo…e quem disse que eu queria aprender…? Só se eu fosse louca! – Murmura a Bruxa
- Como vou descongelar isto? – Pergunta a fada
- Com o teu carinho! – Diz a Coruja
- Nem pensar…ela vai envenenar a terra! – Murmura a Bruxa zangada
        A fada descongela, sorri, e as sementinhas reaparecem.
- São umas sementinhas muito especiais…acho que vou ficar aqui a noite toda a tomar conta e a proteger as sementes.
- Eu posso tomar conta, Fada, desde que aquela maldita não venha com aquele cheiro impossível… vai descansar.
- Obrigada, mas eu vou ficar escondida. Quero apanhar aquela maldita em acção para lhe dar uma lição! Não entendo porque é que ela faz isto comigo! – Diz a Fada
- Para mim, é tudo por inveja!
- Inveja?
- Sim!      
- Ela é mesmo insuportável.
- Precisa de amor. – Diz a Coruja
- Talvez…mas ela é que foge de tudo o que é bom!
- Isso é verdade!
- Uh, Uh uh, uh…Uuuuuuuuuuuuuhhhhhhh… - Vem a Bruxa
- Lá vem ela… - Murmura a Fada
- Olá mosquita com pirilampos colados…estavas a falar em mim, não era…? Ai, que nojenta tão odiável… - Diz a Bruxa a rir
- Ainda bem que apareceste…precisamos de ter uma conversa muito séria… - Diz a Fada
- Ui, que medo! – Diz a Bruxa às gargalhadas
- Cala-te! – Grita a Coruja
- Olha a felpuda a dar sinal…Ááááááhhhh…. – Goza a Bruxa
        A Fada agarra nos cabelos da Bruxa, enrola-os e puxa-os. A bruxa grita.
- Ai, isso magoa!
- Para a próxima é muito pior…aliás as coisas que me fazes, magoam-me muito mais, que um puxar de cabelos. – Diz a Fada
        Ficam frente a frente, olham-se fixamente.
- Porque é que tu me persegues? – Pergunta a Fada
- Eu não te persigo! – Garante a Bruxa
- Ai não? Então o que é isto? Tudo o que me vês fazer, destróis!
- Porque detesto as coisas boas que tu espalhas por aí…!
- Porquê?
- Porque sou má!
- Porque é que és má?
- Porque nasci assim.
- Porque é que nasceste assim?
- Porque a minha família é toda assim.
- Porque é que a tua família é toda assim?
- Não sei!
- Vocês dão-se bem?
- Não!
- Porquê?
- Porque detestamo-nos!
- Como é possível uma família detestar-se?
- É! Na minha é possível.
- E tu gostas da tua família assim?
- Não tenho outro remédio…são família. Odiamo-nos todos…tenho de os odiar também.
- És feliz nessa família?
- Sou…somos todos!
- E porque é que me persegues?
- Eu não te persigo.
- Persegues sim!
- Não!
- Então o que chamas a isto que me fazes? Destróis-me todas as coisas boas que espalho por aí!
- Porque odeio coisas boas! A minha função é espalhar coisas más!
- E tens conseguido fazer um óptimo trabalho, porque toda a sociedade tem a tua marca!
- A sério?
- Vê-se à distância!
- (sorri) Mas isso é uma óptima notícia!
- Não! Não tem nada de bom, isso.
- Porque não?
- Porque a sociedade anda mergulhada no mal.
- Isso é maravilhoso! – Gargalhadas da bruxa
- Tu não tens noção do que estás a dizer!
- É sinal que eles sentem, e valorizam a minha presença! Apoiam-me. Pelo menos eles para alguém gostar de mim.
- Só dizes disparates! A sociedade…as pessoas estão loucas…tudo funciona pelo mal, com o mal, e para o mal.
- Fantástico! Até me sinto realizada! – Diz a Bruxa às gargalhadas.
- Cala-te! O planeta está quase inabitável por tua causa…
- É tão lindo! Eu adoro ver toda a gente a dar-se mal… - sorri a bruxa
- Desavergonhada! Porque é que congelaste as minhas sementes?
- Porque é tão divertido destruir coisas de mosquitos! – Diz a bruxa a rir
- O quê?
- É. Fico tão feliz…temos de fazer coisas que nos completem e nos façam sentir felizes não é? – Ri a bruxa
- Tu não prestas mesmo! És feliz à custa da maldade…! – Diz a Coruja
- Óh! É o primeiro elogio que recebo hoje! Obrigada.
- Achas isso, um elogio?
- Sim, claro que é um elogio!
- Como consegues fazer tanto mal…e ficar feliz com isso?
- Cada um tem o seu papel…o meu é ser má! E é tão bom! Ficas cheia de inveja não?
- Inveja do mal? Francamente! Tu… é que tens inveja de quem é bom.
- Eu, inveja de quem é bom? Que horror! Achas que tenho assim tão mau gosto?
- Porque é que não és má, com quem também é mau?
- São todos maus!
- Claro, influenciados por ti!
- Não! São todos…naturalmente maus, mas infelizmente, a sociedade onde vivem não permite que mostrem as bruxas e o diabinho que há em cada um… - Explica a Bruxa
- Não faltava mais nada, todos mostrarmos o nosso lado mau, sempre que queríamos… - Acrescenta a Coruja.
- A sociedade é uma seca! Cheia de regras, cheias de coisas boas…que nojo! É por isso que eu tento ajudar a sentirem-se melhor – Resmunga a Bruxa
- E achas que os seres humanos gostam de ser maus? – Pergunta a fada
- Adoram…mas não são porque estão proibidos de ser. Que tristeza! – Reclama a Bruxa.
- A tua presença ainda piora mais as coisas!
- Ai…és mesmo querida! Lhec…que nojo…é insuportável essa tua doçura.
- Cala-te.
- Áhh…se continuas a dizer essas coisas tão monstruosas…e feias…eu começo a gostar de ti…- Diz a bruxa a sorrir
- Até acredito que não sejas má pessoa.
- Agora ofendeste-me! – Resmunga a Bruxa
- Que pena! Porque é que andas sempre atrás de mim, a ver tudo o que faço?
- Porque não gosto de ti. E tu gostas de mim…tenho a certeza!
- Até podia gostar…
- Também acho que sim! Se não fosses como és.
- Tu também andas sempre atrás de mim…
- Convencida. Isso não quer dizer que gosto de ti. Tenho de te defender da humanidade.
- Eu..é que tenho de defender…
- Devias ter vergonha!
- Porquê? Eu gosto de mim assim. Já sei…estás com inveja! Querias que toda a gente gostasse de ti, mas ainda bem que as pessoas são mais inteligentes, e preferem o mal.
- Áh! É? Achas que sim?
- Tenho a certeza…pelo que vejo!
- Estás a ver muito mal.
- Não. Eu vejo muito bem!
- Porque é que destróis tudo o que eu planto?
- Outra vez? Mas que chata! Já disse…porque odeio tudo o que plantas. Porque tu prejudicas as pessoas, e só destruindo é que eu posso protegê-las do teu veneno. Tu és um perigo!
- Tu não tens nada na cabeça, pois não?
- E depois eu é que estou a ver mal…claro que tenho! Então não vês? Tenho cabelo.
- Pois…só deves ter isso, mesmo…
- O que querias que tivesse mais? Coisas espetadas como tu?
- Antenas…chamam-se antenas!
- Não gosto disso. – A bruxa desata a rir
- O que é que tu queres de mim, óh Bruxa Maldita?
- Nada!
- Nada?
- Nada!
- Então porque é que andas sempre atrás de mim?
- Outra vez? Já te disse que é para defender a humanidade de ti.
- Não aceito isso como justificação.
- Mas é mesmo por isso.
- Queres as minhas sementes, é?
- As tuas sementes? Estas porcarias que plantaste aqui? Que nojo…de certeza que são coisas horríveis.
- Não! São sementes de amor.
- Lhec. Que porcaria! – A Bruxa estremece
- Nunca conheceste o amor, pois não?
- Felizmente não! nem faço qualquer questão de conhecer…deve ser um monstro nojento, pegajoso, horrível!
- Ias adorar conhecê-lo.
- Só quero distância dessa coisa.
- Então porque as destróis?
- Porque as odeio! Eu vi logo que não podia ser coisa boa.
- Alguma vez provaste?
- Essas coisas são de comer?
- Podem-se comer.
- Felizmente nunca comi…nem pretendo.
- Mas devias prová-las, primeiro, antes de as destruir, para ter a certeza que não gostas.
- Eu não preciso de provar lixo para saber que não gosto.
- Mas estas, faço questão que as proves.
- Nunca.
- Vá lá!
- Não.
- Sim.
- Não.
- Sim.
- Não.
- Sim.
- Que nervos…já disse que não…
        A Bruxa, com a irritação começa a esgravatar a terra aos gritos, e come mesmo distraída algumas sementes. A Fada e a Coruja riem. Os gatos aplaudem a rir. De repente, a Bruxa pára.
- Porque é que paraste? Eu estava a gostar tanto de te ver…! – Diz a fada a rir
- Não acredito! Acho que comi…veneno!
- Veneno? Estas sementes não são veneno. Vão fazer-te muito bem.
- Ai…! – Grita a Bruxa encolhida
- O que foi? – Pergunta a Coruja
- Estou a sentir-me muito estranha! – Diz a Bruxa.
- A sério? Que chatice! – Diz a Coruja a rir
- Estás a gozar-me? – Pergunta a Bruxa
- Não. Achas? – Pergunta a Coruja a rir
- Maldita! – Grita a Bruxa
- São boas, não são? – Pergunta a Fada a rir
        A Bruxa grita, torce-se, enrola-se e explode. Depois da explosão, transforma-se numa linda e simpática rapariga, que abraça e beija e fada, a coruja, acaricia os gatos, ajuda a Fada a plantar as sementes, cantarola e dança com a fada.
- Quem é esta? – Pergunta a Coruja, surpresa
- É a Bruxa…? – Perguntam baixinho os gatos
- Será que é uma armadilha dela fazer-se de boa? – Pergunta a Coruja um pouco preocupada
- É ela…? Mas que mudança! – Murmura a Fada surpresa
- Acho que sim…a cara é a mesma! – Diz a Coruja baixinho
- As tuas sementes resultaram! – Diz a gata a rir
As sementes de amor plantadas pela fada e pela bruxa crescem lindas, enormes, em todos os jardins, luminosas, e com um perfume que ao entrar nas casas, faz verdadeiros milagres, na relação entre as pessoas.
        Respira-se paz, as pessoas são mais amigas e sorridentes, carinhosas umas com as outras.
        É verdade! A Bruxa estava mesmo transformada, por ter comido as sementes de amor. Amor…era mesmo o que lhe faltava na família…por isso é que ela era má também.
Talvez não fosse má porque quisesse, mas porque a ensinaram desde bebé a ser má, e a conseguir tudo o que queria com o mal dos outros. Isso acontece em algumas famílias da nossa sociedade, infelizmente, nas quais, em vez de se ensinar o amor, e o bem…ensina-se o ódio e a maldade!
Nessas casas deveriam ser plantadas as sementes do amor…como estas, que a Fada e a Bruxa, agora boa, plantaram, depois de ela as ter provado, mesmo sem querer.
A fada tinha razão…debaixo daquela pele de má, havia na verdade uma pessoa boa, que estava à espera da oportunidade de encontrar o momento ideal e a altura certa para se mostrar.
Felizmente encontrou a Fada, e a sua inveja até teve um bom resultado final. O amor na família faz milagres, transforma e forma as pessoas que a compõem…mas o mal, se existir, também se mostra na família.
        Nós também podemos plantar sementes de amor nas nossas casas, e noutras…no dia-a-dia, a qualquer momento, através de pequenos momentos e pequenos gestos de carinho. Ou então, plantamos sementes venenosas, e depois teremos o que elas derem. É sempre melhor escolhermos sementes de amor.

FIM
Lálá
(24/Junho/2014)



domingo, 22 de junho de 2014

As barquinhas


foto de Lara Rocha 

    Era uma vez duas barquinhas que navegavam num rio, de uma ponte chamada nuvem. 
  Ficava num fundão de montanhas, com caminhos de cabras e em terra. Não passavam carros, só pessoas.
          Era um sítio muito sossegado e fresco, onde aparecia muitas vezes nevoeiro. Quando isso acontecia, essa montanha e o rio ficavam com um ar ainda mais misterioso. Muita gente deslocava-se para lá, para respirar, descansar, e relaxar…outros…meditavam, e os artistas pintavam ou escreviam.
Nesse rio calmo estavam paradas muitas barcas e barquinhos, que às vezes baloiçavam com o vento, outros navegavam sozinhos pelas águas. Um dia, duas raparigas jovens amigas foram até esse sítio. Ficaram encantadas com a paisagem e os seus olhos ficaram presos em duas barquinhas, entre muitas.

- Olha aquelas barquinhas! – Diz uma para a outra
- O que é que tem? São com as outras!
- Não! Olha bem…uma tem nevoeiro à volta…a outra tem um arco-íris.
- Áh! Não tinha reparado! Que lindo!
- É! Parecem duas barquinhas misteriosas.
            As duas barquinhas olham para as meninas.
- Olha, olha…estou a sentir-me observada!
- Claro que estamos a ser observadas!
- Isso não te deixa feliz?
- Sim, embora já esteja habituada a ser apreciada!
- Convencida!
- Olha quem fala!
- Elas estão a reparar em mim…
- Ora essa…também, estão a reparar em mim!
- É. Estamos no mesmo sítio, mas eu sou muito mais bonita!
- Claro que não! Eu é que sou! Tu só tens fumo à tua volta, eu tenho cores. Muitas cores!
- Não é fumo…são nuvens! E tu, não tens assim tantas cores…só são sete! E há milhares delas.
- Só são sete, mas são todas bonitas! Ainda bem que não tenho mais de sete, se não, ainda ficava mais irresistível!
- Até parece!
- É verdade! Toda a gente me tira fotos, por causa das minhas cores.
- Mas a ti só te tiram fotos…aqueles artistas malucos!
- Como é que sabes que eles são malucos? Nunca conheceste nenhum.
- É o que todos dizem. E basta olhar para eles…aqueles cabelos esguedelhados, aqueles olhos bugalhos…para mim, só olham os sonhadores, os apaixonados, os sensíveis, os românticos…
- Como é que sabes? Podem ser pessoas comuns.
- Para ti, só os melancólicos e os deprimidos é que olham…tu trazes tudo isso às cabeças deles.
- Achas que conheces as pessoas só de olhar para elas, não? olha que podes estar muito enganada.
- Tenho a certeza.
- Tens a mania que sabes muito.
- Aprendo com alguém.
- Com quem?
- Contigo, é claro.
- Mas que grande lata! Vou considerar isso um elogio…sou boa professora.
- Olha, estão a aproximar-se de nós!
- Boa! Acho que vamos ter trabalho hoje.
- Espero bem que sim…já estou a ficar murcha.
            As duas amigas aproximam-se das barcas, e saltam para dentro delas…uma para cada. As barquinhas sorriem.
- Olá! – Respondem as duas barquinhas.
- Olá! – Retribuem as jovens.
- Querem navegar? – Pergunta uma barquinha
- Sim! – Respondem as duas
- Se puder ser! – Diz uma rapariga
- Claro que pode. – Respondem as barquinhas
- Algum destino em particular? – Pergunta a outra barquinha
- Não! – Respondem as duas
- Estamos nas vossas mãos. – Diz uma rapariga
- Levem-nos para onde quiserem. – Diz outra rapariga
- Não conhecemos este sítio.
- Deixem connosco! – Dizem as duas barquinhas em coro
            As duas barquinhas navegam sem pressa para que as raparigas possam apreciar a linda paisagem. Chegam a um local do rio, que tem dois caminhos para duas grutas. As barquinhas param.
- Meninas…agora para onde? – Pergunta a barca com nevoeiro
- Onde estamos? – Perguntam as duas meninas
- Agora temos dois sítios para visitar – Diz a outra barquinha
- Huumm… - Pensam as raparigas
- Ambos são bonitos. – Diz a barca nevoeiro
- Mas sinceramente, o sítio onde vos vou levar primeiro, é mais bonito! – Diz a barca arco-íris.
- Desculpem…acho que devem vir antes para o meu sítio! – Insiste a barca nevoeiro
- Pára, chata! Elas é que decidem. – Resmunga a barca arco-íris
- É uma escolha difícil! – Suspira uma rapariga
- Porque não vamos uma para cada lado e depois trocamos? – Sugere a barca arco-íris
- Áh! Boa ideia! – Diz uma rapariga
            E assim fazem…a barquinha nevoeiro leva a rapariga para uma gruta, e a barquinha arco-íris leva a outra menina para a outra gruta.
            A menina que entra na gruta nevoeiro, vê coisas bonitas, mas quando sai, sente-se triste, melancólica e pesada. A menina que entra na gruta arco-íris vê coisas ainda mais bonitas, coloridas, claras, finas, delicadas, e brilhantes. Sente-se feliz e quando sai vem cheia de luz.
- Então? – Pergunta a menina que foi à gruta arco-íris
- Olha…não vás àquela gruta.
- Porquê?
- Não vale a pena. É fria, e sais de lá triste, melancólica e pesada…
- Menina, porque estás a dizer isso à tua amiga? É uma pena que não tenhas gostado, mas não devias influenciar a tua amiga, com o teu desagrado! – Diz a barca nevoeiro.
- Sim, isso é verdade! Tu podes não ter gostado, mas eu até posso gostar! – Concorda a outra rapariga
            As duas trocam de barca e de gruta. Por muito que a amiga não quisesse influenciar com o seu agrado, a segunda que entrou na gruta do nevoeiro sentiu-se como a primeira que entrou. A que entrou na gruta arco-íris, estava triste e melancólica, e ficou feliz, livre, viu coisas maravilhosas, lindas, coloridas.
            Quando voltaram a encontrar-se…
- Tinhas razão, amiga! Aquele sítio não é nada agradável! – Diz a segunda que entrou na gruta nevoeiro.
- A tua é mesmo linda! – Diz a que entrou na gruta arco-íris
- Senti-me muito triste naquela, mas muito feliz, nesta.
- Eu também.
- Querem entrar as duas na gruta? – Pergunta a barquinha arco-íris
- Sim! Por favor! – Pedem as duas
- Não estão a ser nada simpáticas! – Resmunga a barca nevoeiro
- Desculpa! – Dizem as duas
- Não faz parte de nós…dizermos mentiras só para sermos simpáticas! – Elucida uma rapariga
- Se não gostamos, não vamos dizer que gostamos só para ficares feliz! – Diz a outra rapariga
- Eu sei que te dói, amiga, mas tens de respeitar os gostos deles. – Diz a barca arco-íris
- Eu gostei das coisas que vi na tua gruta, eram misteriosas, mas ao mesmo tempo fizeram-me ter saudades, e ficar triste! – Esclarece uma rapariga
- As pessoas só me enchem de coisas más, feias, tristes, pesadas… - Diz a barca nevoeiro, triste.
- As pessoas enchem-me com sonhos, coisas boas e felizes…não admira que gostem mais de mim! – Diz a barca arco-íris.
- Ninguém gosta de ficar triste, ou de ter saudades! – Diz uma rapariga
- Claro que não! – Responde a outra rapariga
- Mas também não tens que ficar com as coisas más e tristes que as pessoas te metem aí. – Diz uma rapariga
- Pois não! – Diz a outra
- Devias despejar essas coisas más. – Sugere uma rapariga
- Como? – Pergunta a barquinha nevoeiro
- Enche-te de coisas boas! Olha, por exemplo, podes visitar a gruta arco-íris. – Sugere uma rapariga
- Muito bem lembrado, meninas. – Diz a barca arco-íris
- Quando entrares lá, vais sair como nova! – Garante uma rapariga
- É verdade! – Confirma a outra rapariga
- E nós podemos encher-te de coisas boas. – Sugere uma rapariga
- À vontade! – Diz a barca nevoeiro
            As duas raparigas enchem a barca nevoeiro, com bons pensamentos, pintam-na de cores vivas, e em vez de nevoeiro, aparece um lindo sol à sua volta.
- Áh! Que linda que estás! – Elogia a barca arco-íris
- Estás mesmo. – Dizem as duas raparigas orgulhosas, com um grande sorriso
            A barca nevoeiro vê a sua imagem reflectida na água, sorri vaidosa e diz:
- Óh! Mas que grande transformação. Estou mesmo linda! Uau! Muito obrigada, meninas.
- Agora não precisas de ter mais inveja de mim! – Diz a barca arco-íris
- Óh! A minha inveja não era por mal! – Suspira a barca nevoeiro
- Eu sei! Compreendo-te…! Vias-me feliz, e linda, e tu não conseguias ser feliz. - Sorri a barca arco-íris
- Mesmo que haja nevoeiro, as pessoas verão sempre luz e muitas coisas bonitas! – Garante a barca nevoeiro
- Claro que sim! – Respondem as duas raparigas
            E foi mesmo isso que aconteceu, a partir deste dia! Tanto uma barca como outra tornaram-se o centro de todas as atenções daquele espaço, e quem lá ia triste, saía feliz, cheio de cor e de luz.
            Para nós humanos, também existem várias barcas bonitas e escuras ou enevoadas. Umas vezes navegamos na barca arco-íris, outras vezes, na barca nevoeiro. Ambas fazem parte do nosso dia-a-dia e da nossa vida, mas o melhor é preferirmos navegar na gruta arco-íris, pois, se navegamos muitas vezes na barca nevoeiro, podemos afundar-nos.

FIM
Lálá
(20/Junho/2014)