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domingo, 23 de fevereiro de 2014

O CHAPÉU DA DONA GALINHA

Era uma vez uma galinha vaidosa, que vivia numa casotinha, numa grande quinta com outrasgalinhas.
         Dona Galinha não saia de casa sem estar toda arranjada: penas bem armadas e penteadas, brilhantes, bico bem limpinho, patas e unhas pintadas, e belas roupas.
         Uma tarde, depois de arrumar a sua casa, Dona Galinha, arranjou-se e saiu pela porta da cozinha, mas esqueceu-se do seu chapéu.
         Voltou para trás, abriu a porta da cozinha e pegou no chapéu todo enfeitado. A sua vizinha do lado, a galinha Dona Gracinha diz-lhe:
- Boa tarde, Dona Galinha…boa vizinha.
- Boa tarde, Dona Gracinha…boa vizinha.
         Dona Galinha e Dona Gracinha saem as duas pela porta da sua cozinha.
- Onde vais, Gracinha?
- Vou à lojinha! – Responde a Gracinha – E tu…vizinha?
- Também vou à lojinha.
- O que vais comprar na lojinha, amiga Galinha?
- Vou comprar uns paninhos para a mesinha da minha cozinha. E tu, vizinha? O que vais comprar na lojinha?
- Vou comprar umas panelinhas para a minha cozinha!
- O que vais cozinhar nas panelinhas que vais comprar na lojinha?
- Tudo o que for preciso! E tu, Galinha, o que vais fazer com os paninhos?
- Vou pôr os paninhos nas minhas mesinhas da cozinha, e nas mesinhas do quarto das minhas pequeninas.
- Vamos então nós as duas à loja da Dona Aninhas! – Diz a Dona Gracinha.
         As duas galinhas vão à loja da Dona Aninhas, comprar paninhos para as mesinhas e panelinhas para cozinhar. Pelo caminho, uma rajada de vento forte, tira o chapéu da cabeça da Dona Galinha.
Dona Galinha grita:
- O meu chapéu!
- Foi o vento que to tirou – Diz a Gracinha.
         Elas tentam apanhar o chapéu, mas o chapéu é mais rápido que elas. O chapéu rola, rola pelos campos, levanta e fica preso num tronco de uma árvore. Vem uma andorinha, e leva o chapéu no seu biquinho. Onde irá a andorinha com o chapéu da Dona Galinha no biquinho?
         O chapéu da Dona Galinha vai no biquinho da Andorinha que pousa num laguinho de patinhos para beber. Os patinhos empurram o chapéu com os biquinhos e fogem com ele. Viram-no ao contrário e metem-se lá dentro, como se fosse um barquinho. A Andorinha perdeu o chapéu.
         Os patinhos estavam a brincar no chapéu, e um gatinho que brincava lá perto, gostou tanto do chapéu da Dona Galinha que tentou agarrá-lo.
         Mas o gatinho caiu à água do laguinho e não sabia nadar. Os patinhos saíram do chapéu muito assustados e foram ajudar o gatinho que caiu ao laguinho.
         Os dois patinhos tiraram o gatinho da água, e quando estavam distraídos, outra rajada de vento, leva o chapéu da Dona Galinha para outro lugar.
         Os patinhos e o gatinho também perderam o chapéu como a Andorinha e como a Dona Galinha.
         O chapéu rodou, rodou e saltou pelos campos até chegar à cabeça de uma menina, que estava a andar de baloiço. A menina ficou muito surpresa. Tirou o chapéu da sua cabeça, olhou para ele e para todo o lado.
- Este chapéu não é meu! – Diz a menina.
- Pois não. Sou da Dona Galinha! – Responde o chapéu.
- Quem é a Dona Galinha?
- É a galinha que foi com a sua vizinha, Dona Gracinha, à loja da Dona Aninhas. A Dona Galinha, foi comprar paninhos para as mesinhas, e a Dona Gracinha., sua vizinha foi comprar panelinhas.
- Então, como não és meu…vou levar-te à loja da Dona Aninhas. A Dona Galinha deve estar à tua procura.
- Sim, está de certeza! O vento tirou-me da sua cabeça, uma Andorinha levou-me no seu biquinho…pousou num laguinho para beber, e uns patinhos que estavam lá, fizeram de mim um barquinho. De repente, um gatinho caiu ao laguinho, e os patinhos foram ajudá-lo. Veio outra rajada de vento, levou-me aos trambolhões pelos campos e vim ter à tua cabeça. – Explica o chapéu.
- E agora, vou levar-te à lojinha da Dona Aninhas, para ires com a tua Dona Galinha. Não vou ficar com um chapéu que não é meu! – Diz a menina.
- Muito bem, menina boazinha! – Diz o chapéu a sorrir.
         A menina leva o chapéu à loja da Dona Aninhas, onde está a sua Dona Galinha muito chorosa, à procura de outro chapéu, e não gosta de nenhum. Dona Gracinha, a sua vizinha, vê a menina entrar na lojinha da Dona Aninhas e grita:
- Olha Galinha…o teu chapéu!
         Dona Galinha pára de chorar e vai ter com a menina.
- Foste tu que levaste o meu chapéu?
- Não, Dona Galinha! O seu chapéu veio ter à minha cabeça, e como não é meu, vim trazê-lo à lojinha da Dona Aninhas, caso viesse aqui procurá-lo! – Explica a menina.
- Óh! Que linda menina, tão bondosa, tão graciosa! Muito obrigada! Para te agradecer…escolhe um chapéu para ti, que eu ofereço-te. – Diz a Dona Galinha.
- Óh! Não gaste dinheiro comigo! Só fiz o que os meus pais e os meus avós, me ensinaram desde que nasci…não ficar com o que não é nosso! Sempre que encontrarmos alguma coisa que não é nossa, devemos entregá-la ao dono, ou se não soubermos quem é, deixar em algum sítio perto, porque a pessoa que o perdeu, pode precisar muito dele! – Explica a menina.
- Óh! Mas que pais e que avós tão maravilhosos. Eles têm toda a razão! E tu, aprendeste muito bem, essa bela e muito importante lição! – Diz a Dona Galinha.
- Tens um bom coração! – Diz a Dona Gracinha.
- Sim, é por isso que também te ofereço um chapéu que quiseres, de coração! – Diz a Dona Galinha.
         A menina escolhe um chapéu. Dona Galinha oferece-o, e agradece mais uma vez. A menina volta para casa, feliz, e a Dona Galinha ainda mais feliz por uma menina com bom coração, ter encontrado e devolvido o seu chapéu.
         Dona Galinha comprou os paninhos para as suas mesinhas, e Dona Gracinha, comprou as panelinhas, na loja da Dona Aninhas. Depois das compras…Dona Galinha, com o seu chapéu e os seus paninhos, e a Dona Gracinha com as suas panelinhas, voltam para a sua casinha, e entram pela porta da cozinha.

         E assim...terminou o passeio do chapéu da Dona Galinha.

                                               FIM
                                               Lálá

                                      (23/Fevereiro/2014)  

sábado, 15 de fevereiro de 2014

MENINO…SEI PORQUE CHORAS


Um dia, uma menina escreve uma carta a um menino refugiado de guerra que viu nas notícias da televisão:

   Olá menino de olhos verdes! Vejo nos teus olhos dor, tristeza, lágrimas...parecem cristais a brilhar que os tornam ainda mais bonitos! Alguma coisa está mal…o verde dos teus olhos deviam espelhar esperança, felicidade e saúde porque és criança. Ainda não tens a maldade dos adultos, mas não…o que eles mostram é um verde com cortinas pretas. São olhos verdes e ao mesmo tempo pretos. Olhos consumidos pela guerra da tua cidade. O verde dos teus olhos chora. E sei porque choras, menino bonito! Choras porque em vez de teres uma casa como eu, com tecto e todo o conforto, tens uma tenda. Em vez de teres uma cama fofa e quente como eu, tens o chão duro, de terra. Choras porque viste a tua casa ser derretida por monstros verdes que lançaram fogo com bombas e outras coisas feias. A tua casa, o teu conforto, as tuas coisas…tudo se derreteu num abrir e fechar de olhos. Choras porque perdeste todos os sonhos que tinhas plantado na tua casa, no teu quarto, na paz e do calor dos teus pais. Agora, tu e os teus pais apenas têm o amor uns pelos outros, a companhia e as lágrimas pela destruição. Pelo menos o amor sobreviveu, no meio de tantos escombros. Não é justo, tudo isto! Tu és uma criança, tinhas todo o direito como outra criança como nós…a ter uma casa, com quatro paredes, com todo o conforto. Agora não resta nada! Choras porque perdeste as tuas roupas, e porque tiveste de fugir sem pensar, sem olhar para trás, para te salvares. Agora, vestes apenas um trapo branco, que os médicos te deram. Choras porque pouco ou nada tens de comer…porque além de ti, há muitos outros milhares na tua cidade que também viram tudo transformar-se em pó. Claro que isso não te serve de consolo, porque todos sofrem. Choras porque em vez de ouvires passarinhos, cantos e música, ondas, ventos, e chuva…ouves apenas estrondos ensurdecedores, que abanam tudo, bombas que rebentam tudo, estalidos de armadilhas no chão que pisas, helicópteros que sobrevoam a tua cidade, com as portas abertas prestes a largar fogo, gritos de dor e de raiva. Choras porque não podes dormir em paz…pois os teus ouvidos estão sempre atentos ao mais pequeno barulho, e as tuas pernas, sempre prontas para ter de correr a qualquer momento, e fugir. Não consegues dormir, porque tens medo! Choras porque em vez de os teus olhos verem o verde da floresta, o branco das casas, os sorrisos das pessoas…vêm o preto dos fumos, as cinzas da destruição que transportam vida e sonhos, planos pensados, momentos de paz e de felicidade, que terminam em poucos segundos, o cor-de-laranja, e o amarelo do fogo assassino, o sangue dos feridos, inocentes, e dos que se transformam em estrelas sem culpa nenhuma, e as lágrimas. Choras porque em vez de teres brinquedos, tens apenas armas, balas espalhadas por todo o lado, destroços, ossos. Choras porque não podes brincar livre na rua, jogar à bola e correr à vontade, esfolar os joelhos, saltar à corda, andar de bicicleta, jogar ao peão e aos berlindes ou às caricas, jogar à malha e com os carrinhos como nós…nem na rua nem na tua casa…quer dizer…tenda…! Porque tudo derreteu juntamente com os escombros daqueles malditos homens verdes. Choras porque mal tens onde fazer as tuas necessidades, e a tua higiene. Choras porque mal tens água potável para beber, sempre que quiseres. Choras porque tens fome e frio, choras porque não tens vontade de rir ou sorrir…talvez até já te tenhas esquecido de como isso se faz. Choras porque não tens amigos, nem livros…choras porque não podes abraçar uma árvore, porque até essas estão chamuscadas, secas, sem folhas…e muitas já serviram para lenha há muito tempo, sem que lenhadores as tivessem cortado! Foram destruídas, tal como a tua casa! Choras porque não podes respirar, nem sentir o ar puro, porque tudo está poluído. Aqui temos árvores e ar puro. Choras porque não podes ir à escola, e porque não tens amigos…coisas essenciais para todos os seres humanos, mas a ti, menino de olhos verdes, tiraram-te esse direito que aqui temos, felizmente. Muitos dos teus amigos fugiram, outros, não tiveram tempo. E os teus olhos verdes viram isso tudo…é por isso que eles choram. Choras que não tens animais, pois todos foram desfeitos pelos horríveis homens verdes, e pelo que eles lançaram. Em vez de lançarem flores ou alimentos, ou água ou medicamentos…lançaram…destruição! Sei porque choras, menino de olhos verdes…choras porque te cortaram as asas…e impedem-te de voar…choras porque te roubaram a infância…choras porque te roubaram os sonhos, tiraram o direito a ser simplesmente uma criança feliz, saudável, e impediram-te de viver em paz. Sabes uma coisa? Muita gente na minha cidade, está sempre a reclamar de tudo…e tudo têm! Bom…tudo, para viver com o mínimo de condições, mas há gente que exige demasiado, quando na verdade têm tudo. Já viste? Elas reclamam porque a casa é pequena…mas…então…e tu? Porque não reclamas de viver numa tenda? Talvez…porque nessa tua cidade, apesar de tanta maldade e destruição já ficaste feliz por estares vivo, e teres do teu lado, quem mais te ama…quem tu amas. E se elas vivessem numa tenda como a tua? Aí, talvez dessem valor à casa que têm…pequena ou grande…pelo menos estão protegidos, têm todo o conforto…tu querias conforto, e não tens direito a ele. Se calhar, quando te cansas de chorar, ou quando tens fome…nem sentes a dureza do chão onde cais. Queres é…descansar. Não descansas, porque a qualquer momento poderás ter de fugir outra vez, e poderás receber uma bomba…! Aqui não há bombas! Felizmente. Há gente na minha cidade, que reclama porque não tem o carro que queria…mas pelo menos também não têm bombas ou minas no chão por onde pisam…podem sempre ir a pé ou noutros meios de transporte, em segurança. Tu, não! Os únicos carros que tens na tua cidade, são os dos monstros, e nunca estás seguro. Há gente na minha cidade que reclama de não ter dinheiro…mas…e se elas estivessem na tua cidade, será que estariam preocupadas com o dinheiro, e exigiam tanto? Talvez não! Há gente que só tem coisas más a dizer do meu país, mas não entendo porquê…claro que as coisas aqui também estão um pouco difíceis, há falta de empregos, há alguns crimes, assaltos…mas…sinceramente…à beira da tua cidade, podemos dizer que estamos num paraíso. Não temos guerra, as nossas casas estão de pé, podemos pisar o chão em segurança, temos conforto nas casas, temos água, temos gás, temos cama, temos televisão, luz, rádio, e o amor dos familiares…temos escolas e amigos…temos livros e brinquedos, alimentação e muito, muito mais! Acho que temos o essencial para sermos felizes, mesmo com as dificuldades que encontramos. Agora, tu…não tens nada, e provavelmente jamais terás. Gostava muito de te dizer o contrário, mas infelizmente, as imagens que mostram da tua cidade, não permitem…elas mostram terror, guerra, destruição. Gostava muito de te receber aqui, acolher-te na minha casa, dar-te tudo o que perdeste, ser tua amiga! É triste, e injusto não poder ajudar-te, amigo…menino de olhos verdes. Estamos muito longe, mas se pudesse trazia-te para bem perto de mim, acolhia-te nos meus braços…! É triste ver aquelas imagens. Apenas posso acolher-te no meu pensamento, e nas minhas orações. Sim, tenho-te no meu coração. Rezo todas as noites, pela paz na tua cidade. Se dependesse de mim e de muita gente, já terias paz há muito! Se pudesse…trazia-te para viveres numa cidade em paz, com tudo a que tens direito, e onde pudesses ser feliz…na minha cidade, pode-se ser criança feliz, pode-se sonhar, brincar, ter uma casa e conforto. Queria muito enviar-te esta carta, para que sentisses que alguém muito longe, pensa em ti, e nos teus! Sei porque choras, menino de olhos verdes…e eu choro contigo! O meu desejo é que um dia muito breve, possas viver em paz, na tua cidade, ou em qualquer outra. Foge…se puderes! Para Portugal. Aqui te esperamos. Quem sabe…um dia…não nos encontramos por aqui. Enquanto esse dia não chega, que tenhas muita força, e que tudo te corra bem. Sei que estás em Guerra e fico muito triste por isso, mas também é por esse motivo que agradeço todos os dias o que tenho, os que tenho e que me amam, a saúde, a alegria, o amor, o carinho, a paz, os brinquedos, a casa, e tudo à minha volta. Agradeço todos os dias, as mais pequenas coisas, porque sei que também tu, gostarias de as ter, e não tens, por injustiça ou por maldade…porque és uma criança, e todas as crianças querem as mesmas coisas. Até breve. Beijos…
                                               FIM  
                                               Lálá


                                      15/Fevereiro/2014 

OS SONHOS?


          Era uma vez uma noite de Verão, numa aldeia, onde todos os meninos já dormiam. Enquanto dormiam, aconteceu uma coisa muito estranha…acordaram e ficaram sem sonhos! Voltaram a dormir e continuaram sem sonhos. Nunca tinha acontecido. E mais estranho ainda…na manhã seguinte, todos os meninos descobriram que nenhum tinha os sonhos.
DIANA – Como pode ser? Tivemos todos o mesmo sonho?
NUNO – Não pode ser, dormimos em casas diferentes, e em camas diferentes, não falamos uns com os outros antes de dormir…
SARA – Ficamos todos sem sonhos!
RITA – Como é que isto aconteceu?
TODOS – Não sei.
HUGO – Alguém roubou os nossos sonhos.
FRED – Mas roubou, para quê? Como?
ISABEL – Cada um tem os seus sonhos!
PEDRO – Pois…e os sonhos não são objectos, como os roubaram?
DIANA – Então como explicas o desaparecimento deles?
SARA – Alguém os veio buscar!
TODOS – Quem?
NUNO – E como os roubou? Abriu-nos a cabeça e aspirou os nossos sonhos?
ISABEL – Tens alguma ferida ou marca na cabeça?
NUNO – Não.
FRED – Pode ter sido com uma máquina super poderosa a leyser ou qualquer outra tecnologia.
HUGO – A nossa cabeça não é nenhuma caixa de abrir e fechar para se poder meter e tirar coisas de lá, nem sonhos, nem pensamentos.
TODOS – Pois não.
RITA – Então, o que aconteceu com os nossos sonhos?
TODOS – Não sei.
ISABEL – Será que dormimos esta noite?
TODOS – Sim!
ISABEL – Então se dormimos, tínhamos de ter sonhado.
DIANA – Espera…será que não sonhamos…ou será que sonhamos e não nos lembramos do que sonhamos?
TODOS – Huumm…
PEDRO – Eu lembro-me muito bem que estava a sonhar, e de repente acordei…aí deixei de sonhar, mas devia ter continuado a sonhar, quando voltei a adormecer, e tenho a certeza que não sonhei.
SARA – E que tal se procurássemos os sonhos?
TODOS – Boa!
HUGO – Temos aqui um grande mistério.
NUNO – Estaremos atentos a tudo o que acharmos estranho.
TODOS – Sim.
NARRADORA – Durante todo o dia procuraram os sonhos por todo o lado. Treparam às árvores para ver se estavam lá em cima, mexeram as folhas todas para ver se estavam entre as folhas, ou se algum animal os estaria a comer…Umas árvores riem, outras resmungam.
ÁRVORE 1 (a rir) – Ai, estás a fazer-me cócegas! Pára quieto.
ÁRVORE 2 (a rir) – Pára…olha que eu deito-te abaixo!
ÁRVORE 3 (resmunga) – O que estás a fazer aqui rapariga? Os rapazes é que se penduram nas árvores.
SARA (ri) – Desculpa lá…até parece que as meninas não podem fazer o mesmo!
ÁRVORE 3 – Não é comum…
SARA (ri) – Não é comum mas acontece! Se eu fosse um rapaz tu deixavas-me trepar?
ÁRVORE 3 – Dependia.
SARA – Dependia do quê?
ÁRVORE 3 – Do que me fizesses, e de como me tratasses.
SARA – Estou à procura dos meus sonhos.
ÁRVORES – Dos teus sonhos?
ÁRVORE 3 – Que sonhos?
SARA – Esta noite fiquei sem sonhos.
ÁRVORE 2 – Não dormiste?
SARA – Dormi.
ÁRVORE 1 – Então…?
SARA – Dormi, mas não tive sonhos.
ÁRVORE 2 – Não é preciso ter sonhos todas as noites!
ÁRVORE 1 – Até podemos sonhar de olhos abertos, e acordados.
ÁRVORE 3 – Sim, claro. Além disso…o que é que as árvores têm a ver com isso?
ÁRVORE 2 – Estás a dizer que fomos nós?
ÁRVORE 1 – Nós não saímos daqui.
ÁRVORE 3 – Nós nem passarinhos roubamos quanto mais…isso de…sonhos…!
SARA (sorri) – Não estou a dizer que foram vocês. Estou só a ver se alguém nos tirou os sonhos e deixou em qualquer sítio seguro…Podia ter acontecido, não?
ÁRVORES – Difícil.
ÁRVORE 1 Nós não somos assim tão seguras…pelo menos…para esconder coisas facilmente.
ÁRVORE 2 – Isso jamais poderia ter acontecido…os únicos que se escondem aqui são os bichos entre as minhas folhas, para se protegerem da chuva e dos caçadores.
ÁRVORE 3 – Somos qualquer coisa, menos esconderijos de sonhos.
SARA – Não viram por aqui ninguém estranho?
ÁRVORES – Não.
SARA – Então se calhar estavam a dormir.
ÁRVORE 1 – Minha filha…nós ouvimos os barulhos das profundezas da terra, e a revolta das nuvens…como não ouviríamos passos…o nosso descanso é leve!
SARA – Ouvem os barulhos da terra? Como?
ÁRVORE 2 – As nossas raízes, também são os nossos ouvidos.
SARA – E que barulho faz a terra?
ÁRVORES – Muitos! 
ÁRVORE 1 – Muitas vezes ouvimos o seu coração a bater…
ÁRVORE 2 – A sua respiração…
ÁRVORE 3 – O seu frio.
ÁRVORE 1 – O seu calor…
ÁRVORE 2 – A sua revolta…
ÁRVORE 3 – E tudo o que ela sente, nós também sentimos.
ÁRVORE 1 – Queres um conselho, menina…? Mesmo que não queiras, eu vou-te dar…vai dormir…que os sonhos voltam a aparecer…
(Todas riem)
ÁRVORE 2 (a rir) – Bela sugestão.
ÁRVORE 3 (a rir) – É a melhor solução de todas as que alguma vez imaginei! Muito boa! E fácil…
SARA – Vocês não sonham?
ÁRVORES – Às vezes…
ÁRVORE 1 – Mas somos mais…fabricantes de sonhos…
ÁRVORE 2 – É…quando se sentam no nosso colo, muitos pintores e poetas, constroem sonhos…
SARA – E os sonhos constroem-se?
ÁRVORES – Claro.
ÁRVORE 1 – Depois de construídos, uns não funcionam, outros perdem-se e desfazem-se, outros não se realizam, e outros…até acontecem! Mas fabricam-se todos…
SARA – Então porque não funcionam todos?
ÁRVORE 2 – Talvez porque são mal construídos, ou faltam pedaços para funcionarem na perfeição.
SARA – Então, se não funcionam bem, ou se faltam peças, deviam concertá-los não?
ÁRVORES – Sim.
ÁRVORE 2 – Mas há sonhos que não têm concerto.
SARA – Porque não? Muita coisa tem concerto, por isso, acho que os sonhos também podiam ter.
ÁRVORE 3 – Filha, os sonhos são construídos, também com sentimentos e emoções, quando se estragam não têm concerto.
ÁRVORE 1 – E há sonhos que são únicos…insubstituíveis…se são destruídos pela desilusão, não têm concerto.
SARA – E o que fazem com esses?
ÁRVORE 1 Ficam guardados para recordação, como as fotografias.
ÁRVORE 2 – Usamos para reconstruir alguns sonhos.
ÁRVORE 3 – E para construir novos.
SARA – Áh! Estou a ver…
ÁRVORES – Encontraste-os?
SARA – Os sonhos não…só disse que estou a perceber o que querem dizer…bem, vou procurar noutro sítio.
ÁRVORES – Isso!
ÁRVORE 1 – Boa sorte!
ÁRVORE 2 – Não desistas.
ÁRVORE 3 – Estamos a torcer por ti.
SARA (sorri) – Obrigada. Se virem alguma coisa estranha, por favor, digam.
ÁRVORES – Sim, está bem!
      Procuram nos troncos das árvores que têm buracos, nas flores, nos cogumelos, na relva, nas flores, nas cascatas, nos riachos, campos, nas tocas dos coelhos, nos lagos, entre as folhas das espigas de milho, nos legumes que estão a nascer…e nada! Dos sonhos nem sinal. Chega a noite, e todos estão na expectativa para ver se esta noite os sonhos voltarão. Os meninos deitam-se, adormecem, e esta noite, como na anterior, ficam outra vez sem sonhos…quem roubou os da noite anterior, também roubou os dessa noite. Ontem ninguém tinha visto nada, porque quem roubou tornou-se invisível e não passou por ali, mas hoje, a coruja que estava pousada na árvore mais alta da aldeia, de olho bem aberto, atenta ao mais pequeno ruído, sentiu alguma coisa estranha.
CORUJA – Quem está aí?
          O ladrão dos sonhos ficou gelado, e não tinha como fugir, transformou-se em humano. Ele sabia que com as corujas não se brinca, então, achou melhor dizer a verdade.
CORUJA – Quem és? Sei que estás algures por ai…é melhor apareceres.
LADRÃO (resmunga) – Mas que raio de olhos…estou feito!
CORUJA – Bem me parecia…! Não falha. O que fazes aqui, intruso?
LADRÃO – Vim…só…passear!
CORUJA – Passear a esta hora, por aqui…pela fresca, claro! Sei…! Achas que eu nasci ontem…estás enganado! Sei muito bem quem vive aqui, e quem vem aqui…quantas vezes…sei muito bem que nunca nos vimos antes. Além disso, está tanto calor, que vieste de colete, não foi? O que tens debaixo do colete…?
LADRÃO – Ora…debaixo do colete, tenho…a minha pele e o meu esqueleto…
CORUJA – Sim, sim…e os teus músculos, e as tuas veias, e o teu sangue…desenrola…sei que tens aí outra coisa!
LADRÃO – Não tenho nada!
CORUJA – Tens sim.
LADRÃO (nervoso) – Ora, para que é que queres saber? És algum fiscal?
CORUJA – Sou.
LADRÃO – És polícia?
CORUJA – Sou. Toda a gente que aqui passa, tem que ser revistado.
LADRÃO – Até os habitantes?
CORUJA – Até os habitantes.
LADRÃO – Porquê?
CORUJA – Por segurança. Este é um sitio de paz…Mostra!
LADRÃO – Já disse que não tenho nada!
CORUJA – Vamos…
LADRÃO – Que chata. És mesmo gaja.
CORUJA – Isso é bom ou mau? Sim, sou mulher…
LADRÃO – Vê-se logo! Tão chata, com tanta pergunta…já descobriste tudo!
CORUJA (sorri) – As mulheres são assim!
LADRÃO – Ninguém vos pode dizer nada.
CORUJA – Pode…o pior é que temos sensores de mentiras e vocês não!
LADRÃO – Infelizmente tenho de concordar contigo.
CORUJA – Até já sei o que levas aí…mas quero ouvir da tua própria boca.
LADRÃO – O quê?
CORUJA – És tu a dizer-me! E aconselho-te a dizer o que realmente é…caso contrário, ligo o alarme e será muito pior.
LADRÃO – Alarme?
CORUJA – Claro! Quem rouba dispara o alarme!
LADRÃO – Roubo? Mas…mas, eu…não roubei nada!
CORUJA (irónica) – Não? Óh…mas que injustiça a minha…estou a acusar-te de uma coisa que não fizeste! Coitadinho! Mil desculpas…continuas a achar que eu nasci ontem? Se não roubaste, porque não mostras o que tens debaixo do colete?
LADRÃO – Já te disse que não tenho mais nada além do que todos temos.
CORUJA – Sei…mas então…o que é esse volume?
LADRÃO – Não é nada!
CORUJA – Não é nada…pois…(irónica) sou eu que estou a ver a mais, não é?
LADRÃO – É. Com esses olhos grandes demais!
CORUJA (ralha) – Anda…mostra. Abre o colete, ou eu ligo o alarme e vamos ter sérios problemas. Já estou a perder a paciência contigo.
LADRÃO – Ah…não…não…não é preciso! Calma.
CORUJA – Se não roubaste, podes mostrar…é bom partilharmos.
LADRÃO – Sim, sim.
          Ele abre o colete e todos os sonhos voam, como se fossem bolas de sabão com asas, e vão para os meninos que estão a dormir e voltam a ter sonhos.
LADRÃO (triste) – Óóóhhh…
CORUJA – Que bonito…! Não tinhas nada…só tinhas a tua pele, os teus músculos, as tuas veias, o teu sangue…o que toda a gente tem, não é?
LADRÃO (suspira, triste) – Ai! (envergonhado)
CORUJA – Os sonhos dos meninos andavam a voar por aí, perdidos, e tu…como és bonzinho…apanhaste-os e guardaste-os aí, no teu colete para não terem frio, ou para não lhes acontecer nada, não foi?
LADRÃO (envergonhado) – Foi!
CORUJA – Foi. Claro que sim…eu sei que sim! Mais uma vez, eu fui injusta contigo, não foi?
LADRÃO – Não!
CORUJA – O que estavas a fazer com os sonhos dos meninos?
LADRÃO – Nada!
CORUJA – O que querias fazer com os sonhos dos meninos?
LADRÃO – Nada!
CORUJA – Nada? Roubaste os sonhos aos meninos para nada…? Isso não existe.
(O ladrão começa a chorar, envergonhado)
CORUJA – Que coisa mais feia…primeiro, roubar…e depois…roubar para nada!
LADRÃO – Óh, eu não roubei nada.
CORUJA – Então porque os tinhas no colete?
LADRÃO – Porque queria ver o que são sonhos!
CORUJA – O quê?
LADRÃO – Sim! Eu não sei o que são sonhos…toda a gente fala em sonhos, e eu não sei o que é…sou pobre! Não tenho dinheiro para comprar sonhos.
CORUJA – Óh, santa ignorância…os sonhos não se compram! Ricos ou pobres…todos têm sonhos.
LADRÃO – Eu não tenho.
CORUJA – Como não tens? Não dormes?
LADRÃO – Muito pouco.
CORUJA – Então tens sonhos.
LADRÃO – Durmo mas não tenho sonhos.
CORUJA – Tens sonhos sim…mas não sabes o que são…quando dormes, não vês imagens como se estivesses a ver um filme?
LADRÃO – O que é um filme?
CORUJA – É o que dá na televisão.
LADRÃO – Não tenho televisão.
CORUJA – Não tens televisão? Mas sabes o que é não sabes?
LADRÃO – Aquela caixa quadrada que tem um vidro com pessoas a falar lá por trás?
CORUJA – Isso mesmo.
LADRÃO – É. Não tenho.
CORUJA – Mas vês imagens a dormir?
LADRÃO – Acho que sim.
CORUJA – De certeza que sim. E também podes sonhar de olhos abertos. Imaginar coisas que gostavas de ter, ou de fazer, ou de ser…
LADRÃO – O meu sonho é sobreviver e acordar cada manhã.
CORUJA – Ora aí está. Esse é um sonho que realizas todos os dias, mas tens mais…!
LADRÃO – Sim, ser rico!
CORUJA – Outro sonho…todos sonhamos ser ricos…uns conseguem, outros não. Uns são mais, outros são menos.
LADRÃO – Uma casa maior…
CORUJA – Outro sonho. Já fizeste alguma coisa para esse sonho se realizar?
LADRÃO – Ainda não recebi dinheiro. Era por isso que eu ia roubar os sonhos dos meninos para vender e ter dinheiro para os meus sonhos.
CORUJA – Óh, filho…não é a roubar aos outros que conseguimos realizar os nossos sonhos! Os sonhos pertencem a cada um neste nosso mundo. Cada um, tem sonhos comuns, e tem os seus próprios sonhos. Os sonhos não são como a roupa, ou como os alimentos que se vendem ou que se trocam…são de cada um.
LADRÃO – Então eu não ia vender aqueles?
CORUJA – Não. Podes ter a certeza que ninguém tos ia comprar.
LADRÃO – Porquê?
CORUJA – Porque os sonhos…são construídos, por cada um. Não servem para todos. Cada sonho é diferente, cada pessoa tem um sonho diferente.
LADRÃO – E os meus sonhos?
CORUJA – Tens de os construir, e fazer alguma coisa para os conseguir, sem roubar, e sem fazer mal aos outros.
LADRÃO – E como é que eu os construo?
CORUJA – Na tua mente…como aqueles de ter uma casa, uma televisão, e todos os outros. Lembra-te que infelizmente nem todos os nossos sonhos se realizam, mas há muitos que são possíveis, só que para isso temos de reunir tudo, e fazer o que se pode…
LADRÃO – Não consigo!
CORUJA – Não consegues o quê?
LADRÃO – Sonhar!
CORUJA – Claro que consegues sonhar.
LADRÃO – Não tenho sonhos!
CORUJA – Claro que tens sonhos, e esses que disseste podes muito bem realizá-los.
LADRÃO – Como? Se não tenho dinheiro?
CORUJA – Tens de trabalhar para conseguires dinheiro! Ele não cai das árvores, nem nasce por aí…tens de te dedicar a eles.
          A Coruja e o rapaz têm uma longa conversa, sobre sonhos e como realizá-los. O rapaz fica muito mais feliz, e cheio de força, vai procurar trabalho. Muita gente ajuda-o, e aos poucos, sempre com um sorriso na cara, o rapaz junta dinheiro para realizar o seu sonho de ter uma casa, e uma televisão. Com tanto dinheiro que juntou deu muito melhores condições de vida à família e ficou muito mais feliz e orgulhoso, por conseguir realizar os seus sonhos sem ter de roubar. Os meninos que andavam à procura dos sonhos, nunca mais ficaram sem eles. No dia seguinte, o rapaz pediu à coruja para reunir os meninos, e pediu-lhes desculpa pelo que fez. Eles perdoaram-no e ao saberem que era muito pobre, ofereceram-lhe roupas e outras coisas que não precisavam, e o pai de um dos meninos tratou das obras de reconstrução da casa dele que estava prestes a cair. Ganhou novos amigos…uma segunda família e sempre que podia, agradecia às famílias e aos meninos, com pequeninas ofertas. É mesmo assim…todos precisamos de ter sonhos para vivermos, e para ter algum coisa por que lutar…uns conseguimos concretizar, outros não…mesmo assim, devemos sempre construí-los e lutar por aqueles que são bons, essenciais ou mais possíveis de realizar. Os outros…ficam guardados na nossa caixinha dos desejos. E não precisamos de roubar ou fazer mal…tirar aos outros o que é deles, para termos e construirmos os nossos sonhos. Basta fecharmos os olhos, e deixar que as bolas de sabão com asas que povoam a nossa cabeça, os construa.

FIM
Lálá
(10/Fevereiro/2014)