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sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A LIBERDADE DA LUZ






NARRADORA - Era uma vez uma linda unicórnio, branca, elegante, de crinas longas e reluzentes, que vivia aprisionada numa quinta enorme, e era maltratada pelos outros cavalos, éguas e unicórnios e pelos humanos que a exploravam e usavam para competição.Ela não sabia o quanto era bonita, porque não se olhava ao espelho…não tinha tempo. Apesar do seu sofrimento, a pobre unicórnio não conseguia ser má, e sujeitava-se, era obediente e sorria sempre. Todas as noites, desde há muito tempo, a Luz sonhava com a sua liberdade…imaginava-se a correr livre pelos montes e pelas praias, com as crinas ao vento, e a conhecer novos lugares…e sentia-se muito feliz ao imaginar isso, mas logo a tristeza voltava, quando se apercebia que estava naquele estábulo a ser mal tratada. Num certo dia, começou a ficar farta de todo aquele ambiente, e estava muito cansada, fraca…no silêncio e sossego da noite, desloca-se ao lago da quinta em passo lento, e arrastado, com as lágrimas a cair-lhe dos olhos. Pára à beira lago e suspira, geme, chora e murmura a soluçar:
LUZ – Que sorte a minha…! Nasci…fiquei longe dos meus pais…porque fui vendida a estes monstros…humanos…ridículos…para ser maltratada…explorada…fazem de mim…gato-sapato! (p.c) Estou a ficar farta…mas…sou tão mole…tão chocha…que não tenho coragem de ser má para eles…talvez eles achem que mereço ser tratada assim! (p.c) Mas não sei o que lhes fiz para eles ficarem tão zangados comigo…! (p.c) Sou educada de mais…! (p.c) Óóóóhhh…eu não queria isto para mim…Até quando é que isto vai durar…?
(Uma fadinha sentada num ramo, vê a Unicórnio e murmura).
FADINHA – Vai durar até quando tu quiseres e permitires…! Já podias ter acabado com isso, Luz! (p.c) Acaba com isso…tu podes…e tu consegues.
NARRADORA – A unicórnio continua a murmurar e a lamentar-se, e de repente, sai uma luzinha da água, redonda e chama a sua atenção. Ela olha para a água e vê a sua imagem reflectida…e à sua volta, sobrevoa a luzinha, parando à sua frente. É uma linda, pequenina e adorável fadinha, de roupa azul, asinhas muito fininhas, e olhos azuis, cabelos pretos…que delicia. A unicórnio Luz olha para a sua imagem na água, muito admirada, e para a Fadinha.
LUZ – Óóóóhhh…está uma unicórnio ali debaixo de água…! O que é que ela está ali a fazer…? Coitada…caiu…? Alguém a ajude…!
(A fadinha ri às gargalhadas)
LUZ – Estás a rir de quê? (p.c) Que maldade…!
FADINHA (a rir) – Maldade…? Qual…?
LUZ – Estás a rir-te desta unicórnio que caiu aqui ao lago…?
FADINHA (a rir) – Não vi ninguém a cair aqui no lago.
LUZ – Olha bem…esta aqui…!
FADINHA (a rir) – Olha bem para a água…achas mesmo que é outra unicórnio que aqui está?
LUZ – Sim…e está lá em baixo.
FADINHA (a rir) – Óh, querida…olha bem…com olhos de ver.
LUZ – Estou a ver. É uma unicórnio que está ali debaixo da água.
FADINHA – Achas que sim?
LUZ – Sim.
FADINHA – Não…não é nenhuma outra unicórnio debaixo da água…é o teu reflexo!
LUZ – O quê? Estás a gozar comigo!
FADINHA – Não estou nada…estou a falar muito a sério. Essa és tu!
LUZ – Eu…? Mas…eu estou aqui…fora de água.
FADINHA – Sim, mas tu podes ver-te na água do lago…é como um espelho. (p.c) Olha para ti sem medo…
(A unicórnio olha-se fixamente)
FADINHA – Olha para ti…como tu estás!
LUZ – Aparentemente estou…normal, acho eu…não?
FADINHA – Não…! Quer dizer, estás normal, tens tudo no sítio, direitinho…tens…focinho…dois olhos…nariz, boca…orelhas, crina…pêlo, patas…cauda…mas olha como tu és linda!
LUZ (sorri) – Achas…? (p.c) Nunca ninguém me tinha dito isso.
FADINHA – Que insensibilidade…mas és mesmo muito bonita…! Não estou a ser simpática…olha bem para ti…gostas do reflexo que vês? (p.c) Acha-lo bonito?
LUZ (sorri) – Sim…! E se eu sou este reflexo…então…sou bonita!
FADINHA (sorri) – Muito bem…! Claro que sim! (p.c) Agora…olha bem para os teus olhos…!
LUZ – Para os meus olhos…? Como é que eu vou olhar para os meus olhos, se não posso tirá-los da minha cara…?
FADINHA – Olha para os teus olhos no reflexo!
LUZ – Áááááhhh…! Está bem.
(A Luz olha para ela própria, para os seus olhos, assusta-se e desvia-se)
FADINHA – Então…?
LUZ – Vi uns olhos assustadores.
FADINHA – Não são assustadores…são os teus olhos e são muito bonitos…mas porque é que os achaste assustadores?
LUZ – Não sei…não gostei…estavam…estranhos…!
FADINHA – Estranhos…como?
LUZ – Feios…
FADINHA – Não podem estar feios, porque tu tens uns olhos muito bonitos.
LUZ – Mais bonitos são os teus olhos…querida!
FADINHA – Não. Os meus são bonitos, mas os teus também são…! Os meus não são mais que os teus…cada um tem o seu formato diferente…e uma cor diferente. (p.c) Mas…o que não gostaste neles?
LUZ – Assustaram-me.
FADINHA – Mas assustaram-te porquê? (p.c) Olha outra vez para eles, sem medo…e descreve-me o que vês!
A Luz olha para a sua imagem, novamente, fixamente, e vê uma unicórnio a chorar.
LUZ – Está a chorar…que feia…!
FADINHA – Dizes que o teu reflexo está a chorar…por isso é feio…?
LUZ – Sim.
FADINHA – Mentira! (p.c) Tu achas feio porque nunca antes tinhas visto…mas lembra-te…é o teu reflexo…e se ele está a chorar…é porque tu também estás! (p.c) O teu reflexo mostra tudo o que sentes…mostra a verdade nos teus olhos, sem máscaras… (p.c) Mas por isso mesmo é que este reflexo é ainda mais bonito…por mostrar o teu coração…!
LUZ – Mas…isso é possível?
FADINHA – Sim.
LUZ – Mas, como é que ele faz isso?
FADINHA – Não sei, só sei que faz isso.
LUZ – Óóóóhhh…mas ele não tinha nada que fazer isso.
FADINHA – E porque não?
LUZ – Porque nunca se mostra o que estamos a sentir.
FADINHA – E porque é que não se mostra o que estamos a sentir…?
LUZ – Porque se mostramos o que sentimos…os outros fogem de nós, principalmente se estivermos tristes, ou a chorar, ou com raiva…ou com dores…!
FADINHA – Mas que disparate. Quem é que te disse essas coisas horríveis?
LUZ – Toda a gente à minha volta…!
FADINHA – E tu achas que isso é correcto?
LUZ – Bem…deve ser…se toda a gente diz…todos os adultos, os outros animais, os humanos…! Se eles dizem isso, é porque é mesmo verdade…não?
FADINHA – Não…isso pode ser verdade para eles, coitados…foi o que lhes ensinaram…! (p.c) Mas achas que eles conseguem mesmo fazer isso?
LUZ – Sim…!
FADINHA – E achas que eles são felizes por fazer isso?
LUZ – Felizes, por não mostrar aos outros o que sentem…?
FADINHA – Sim. Achas que são felizes?
LUZ – Bem…não sei…devem ser.
FADINHA – E tu, ficas feliz por não mostrares o que sentes?
LUZ – Huuummm…isso é uma pergunta muito difícil…!
FADINHA – Olha para o reflexo dos teus olhos…e verás qual é a resposta…!
(A Luz olha para o reflexo)
LUZ – Óóóóhhh…o meu reflexo diz que não se sente feliz por ter de esconder o que sente, dos outros.
FADINHA – Muito bem! (p.c) É óbvio que eles não se sentem felizes por ter de esconder os sentimentos! Isso é sufocar o coração! E é muito mau…faz mal à saúde, mas…não pensam nisso! Que coisa mais feia!
LUZ – Faz mal à saúde?
FADINHA – Sim, muito mal…põe as pessoas doentes…porque ao sufocar os sentimentos, eles têm de sair por algum lado…gostam de liberdade…de sair…de respirar…é como tu te sentiste quando vieste aqui parar…verdade?
LUZ – Quem não gosta da sua liberdade! Sim…é verdade…foi assim que me senti…e é assim que ainda me sinto! 
FADINHA - E…achas que quando não mostram os sentimentos, eles sentem-se livres por dentro?
LUZ – Livres por dentro…? O que é isso?
FADINHA – Sim, livres por dentro…quer dizer…somos livres por dentro quando mostramos aos outros o que sentimos…quando mostramos…lágrimas por estarmos tristes…quando…gritamos…se estamos com raiva ou muito zangados…ou quando sorrimos ou rimos de alguma situação…por exemplo…de felicidade…!
LUZ – Ááááhhh…que lindo! E isso acontece mesmo…?
FADINHA – Sim…pensaste que os sentimentos eram o quê…? Eles também têm vida…o mal é que toda a gente os prende…têm medo…não percebo de quê…afinal de contas…os sentimentos são vivos…e fazem parte do ser vivo…e…mantém as pessoas vivas! (p.c) Achas que os seres humanos se sentem livres por dentro?
LUZ - Bem…depois do que tu me disseste agora…acho que não!
FADINHA – Podes ter a certeza que não! Tu sentes-te livre por dentro, por não poderes mostrar os teus sentimentos?
LUZ – Não…mas tem de ser.
FADINHA – Porque é que tem de ser?
LUZ – Porque não podemos mostrar aos outros o que sentimos…porque se não…ainda nos magoam…!
FADINHA – Que disparate! (p.c) Existe alguma lei escrita em algum sítio, a dizer que não se pode mostrar o que sentimos…?
LUZ – Bem…não sei…eu nunca vi essa lei, mas se os adultos dizem isso, é porque existe!
FADINHA – Eu já existo há…olha… tempo sem fim…não sei quanto…e nunca vi lei alguma! Muito menos essa horrível… (p.c) Se a visse, destruía-a logo! Que coisa mais feia! (p.c) Sabes uma coisa, amiga…além de seres maltratada, ainda te prendem de outra maneira…! (p.c) Tu, e todos os que te rodeiam…vivem em prisões...
LUZ – Não, vivem em casas…!
FADINHA – Prisões…não estou a dizer…casas…estou a dizer…prisões…embora andem por aí…andam por andar…porque tem pernas e pés…mas na verdade…andam com máscaras…presos nos seus sentimentos, que não podem mostrar…que horror…isso é um pesadelo…é por isso que o mundo está assim…só loucos…e…doentes…precisamente porque prendem por exemplo a tristeza…usam máscara, para suportar a dor e sufocam-se, para que os outros não vejam, nem se afastem…que maldade…!
LUZ – Sim, deves ter razão.
FADINHA – Como te sentes…?
LUZ – Bem…
FADINHA – Olha para o teu reflexo…! (p.c) De certeza que te sentes bem? Olha que o teu reflexo não usa máscaras…e não as ponhas agora…vê só o que ele te diz sobre como te sentes…!
(A Luz olha para o reflexo, e desata a chorar)
LUZ (a chorar) – Óóóóhhh…não me sinto nada bem…estou muito triste!
FADINHA (sorri) – Boa…! Muito bem…! E porque é que estás muito triste?
LUZ (a chorar) – Porque sou maltratada! Vivo naquela casota…fechada…presa…sou maltratada, usada, gozada…eu não gosto de estar lá…toda a gente me humilha e goza…fui obrigada a separar-me dos meus pais…fui vendida para aqui…e…sinto-me sufocada!
FADINHA – E nunca mostraste esses sentimentos a quem te rodeia?
LUZ (a chorar) – Não!
FADINHA – Porquê?
LUZ (a chorar) – Porque não podia…ainda me maltratavam mais…eu tinha que respeitar todos…! E se mostrasse o que sentia…a minha tristeza…ainda seria muito pior….todos se afastavam…! E eu não queria…!
FADINHA – Porquê? É contagioso?
LUZ (a chorar) – Acho que não…mas toda a gente nos ensinou a sermos assim.
FADINHA – Mas, que palermice! Nunca outra vi, nem ouvi. E tu, concordavas com isso?
LUZ – Não. Mas tinha que obedecer e respeitar os donos.
FADINHA – E a ti, respeitavam-te?
LUZ – Não…nunca me respeitaram…mas eu estava a servi-los…tinha que os respeitar, antes que acabassem comigo. (triste) Acho que todos éramos um bando de falsos…
FADINHA – Com certeza…falsos, infelizes e doentes! (p.c) Sentias-te bem no meu deles, naquele sítio…? (p.c) Responde…sem máscaras…!
LUZ (triste) – Não…nunca me senti bem ali, nem naquele espaço, nem com aqueles monstros…! Sempre detestei estar lá…mas tive que me render…e suportar.
FADINHA – Porque é que continuaste lá, se não te sentias bem?
LUZ – Porque, eles estavam sempre em cima de mim, e não me davam espaço! (p.c) Não me largavam um segundo…!
FADINHA – Fugias…! Nem que fosse à noite…!
LUZ – Não podia…ainda pensei nisso, mas nunca conseguia, porque os desgraçados dos cães começavam logo a ladrar, e os donos da casa iam logo ver o que se passava. (p.c) Tentei várias vezes…mas estava já muito cansada, sempre…depois de tanto trabalho…! A única maneira de eu ser livre era na minha imaginação…quando me imaginava a correr…livre…solta…feliz…a sentir o vento no focinho e nas minhas crinas…a correr pelas praias…e pela beira do mar…aí sim...mas logo voltava a minha tristeza, quando abria os olhos, e via que estava naquele sítio horrível, com aqueles animais horríveis…!  
FADINHA – Tu queres ser livre não queres?
LUZ – Sim, claro que quero…é o que eu mais quero…!
FADINHA – O que é que te impede, neste momento de seres livre…?
LUZ – O mesmo de sempre!
FADINHA – Mas…conseguiste sair para vir ao lago, e os cães não ladraram, nem os donos vieram à janela…! (p.c) O que te impede é o medo…certo?
LUZ – A única coisa que tenho medo, é de ser apanhada, e de sofrer as consequências…de me magoarem ou de me fazerem ainda pior.
FADINHA – Mas quem são eles para te impedir de fugires…?
LUZ – São os meus donos.
FADINHA – E o que é que te prende a eles…se eles te maltratam? Gostas deles?
LUZ – Não…não gosto deles…! Mas…
FADINHA – Mas… (p.c) Não existe mas…tu não os podes obrigar a nada…nem eles te podem obrigar a ficar aqui presa o resto dos teus dias…!
LUZ – São meus donos…!
FADINHA – De maneira nenhuma, querida…não tens que ficar aqui…a aguentar as humilhações e os maus tratos, e o uso que fazem de ti! (p.c) Vai…põe-te a andar…! (p.c) Corre…agora…! (p.c) Ninguém é dono de ninguém… (p.c) Eles não são teus donos…! (p.c) Enfiaram-te na casa deles, para te explorar e usar-te…e tu não mereces isso…não nasceste para isso! (p.c) Ninguém pode prender-te…tu…és mulher…tens todo o direito de ser muito bem tratada, e respeitada, tu podes ser livre…e não só na tua imaginação…! (p.c) Vai…corre solta, livre…brinca, desliza, mergulha…come erva…sai daqui…vai viver a tua liberdade…a tua vida é lá fora! Não é presa num estábulo…!  
LUZ – Mas…e os outros?
FADINHA – Os outros…? Que outros…? (p.c) Os que te merecem, e os que te amam…e os que te valorizam…? (p.c) Esses esperam-te ansiosamente, no estábulo de onde saíste…onde tinhas os teus pais e onde eras verdadeiramente feliz… (p.c) É lá…na tua casa que tens de estar…rodeada da tua família que te ama. (p.c) Estes aqui não valem nada…não te merecem…não te amam…sai, rapariga…esquece os outros… (p.c) segue o teu desejo de liberdade…segue a tua liberdade…! (p.c) Tu mereces… (p.c) Vai…não voltes a permitir que te maltratem…exige que te respeitem…que é o que tu mereces…! (p.c) Tu és livre para não permitir que te usem…! (p.c) Tu não mereces isso…! (p.c) Vai só atrás do que mereces…! E mereces tudo de bom… (p.c) Vai, linda…!
LUZ (sorri) – Sim…Tens toda a razão…! Está bem…eu vou…obrigada por todas as coisas bonitas que disseste a meu respeito…!
FADINHA (feliz e sorridente) – Não estou a dizer isto de ti, para ser simpática…não uso máscaras…só falo com o coração! Por isso…tudo o que te disse, é verdade!
LUZ (sorri) – E agora…vou ter que me separar de ti…? Gostei tanto de falar contigo…!
FADINHA (sorri) – Não…eu vou estar sempre por aqui perto! (p.c) Vamos encontrar-nos mais vezes, e qualquer coisa é só chamares! (p.c) Vamos…segue-me! 
NARRADORA – A Luz olha para trás, saltita, sorri e desata a correr pelo campo fora, atrás da fadinha, feliz, ri, corre livre, solta…pára para sentir o ar fresco…respira fundo…inspira…e expira…e sorri deliciada. A fadinha guia-a até aos pais…que estão noutra herdade, igualmente tristes por estarem longe da filha, mas reconhecem-na muito felizes, e vão a correr ter com ela…
LUZ (Sorridente) – Mamã…! Papá…!
MÃE E PAI (Sorridentes e felizes) – Filha…!
MÃE (sorridente e emocionada) – Voltaste…?
LUZ (sorridente e feliz) – Sim…voltei! (p.c) E ficarei sempre aqui…o resto dos meus dias. (p.c) Ááááááhhhh…este espaço sim…é de verdadeira liberdade…paz…e beleza! (p.c) Aqui respira-se!
PAI (sorridente) – O que aconteceu…?
LUZ (sorridente) – Eu…decidi ser livre, e feliz…!
MÃE (feliz e sorridente) – Que maravilha…e fugiste?
LUZ (sorridente) – Sim, fugi…já não aguentava mais! (p.c) A minha amiga…ela…é que me abriu os olhos! (p.c) Eu estava num sítio onde me odiavam, exploravam, gozavam, humilhavam…e a minha amiga estava cheia de razão…eu não merecia isso… (p.c) Aqui sei que vou ser muito bem tratada!  
MÃE E PAI (preocupados) – Foste maltratada…?
LUZ – Sim…!
PAI (zangado) – Malditos…! (p.c) Vão pagar bem caro…eles que aguardem…!
MÃE (triste) – Que injustiça…!
LUZ – Não percam tempo com vinganças…mais cedo ou mais tarde, eles vão ter o que merecem! (p.c) Eu consegui finalmente fugir…talvez agora sintam a minha falta, e me dêem valor…mas não vai adiantar de nada…! (p.c) Não quero mais saber deles…daqueles…miseráveis…infelizes…doentes…!
FADINHA (bate palmas) – Isso mesmo…linda…estás coberta de razão…! (p.c) Vês…? Sentes-te livre?
LUZ (sorri) – Sim…livre por dentro…e livre…em todos os sentidos…!
FADINHA (sorri) – Eu disse-te!
MÃE (sorri) – Mas que diferente que está o meu rebento…!
FADINHA (sorri) – Sim…é normal, mãe…ela voltou a encontrar a felicidade, com a sua liberdade, e aprendeu a olhar para ela…como ela é bonita…! (p.c) Deve ter muitos admiradores…! (Riem) Ela merece esta liberdade, e felicidade…e merece ser bem tratada, respeitada…!
MÃE (sorri) – Com certeza! (p.c) Obrigada, querida…fadinha.
FADA (sorri) – Ora essa…estou sempre por aqui.
MÃE (sorri) – És mulher…compreendes…!
FADINHA (sorri) – Nem mais…!
PAI – Ai, ai, ai, ai…mulheres juntas…é uma desgraça…!
(Todas riem)
LUZ (sorridente) – Que ciumento…! (p.c) Sim, Paizinho…tu também és maravilhoso…
PAI (vaidoso) – Óhhh…eu sei, minha filha…! (p.c) Isto é tudo pela felicidade de te ter de volta…!
(As três riem)
MÃE (a rir) – Este meu marido…é demais…! (p.c) Disfarça muito bem, não disfarça…?
LUZ (a rir) – Tantas máscaras que vocês usam…homens…!
(A FADINHA e a MÃE aplaudem, a sorrir)
FADINHA E MÃE (a rir) – Grande verdade…muito bem! Lindo…! (Riem)
PAI – Ahhh…mulheres…! O que nós temos de aturar… (p.c) Mas não sabemos viver sem elas…!
TODAS (a rir) – Pois…! Vês…!
PAI (a rir) – Sim, sim…! Venenozinhas deliciosas, encantadoras…! Sedutoras.
LUZ (sorridente) – Vamos dar uma volta…quero matar saudades da liberdade que perdi…e quero recuperá-la outra vez…!
MÃE E PAI (sorridentes) – Claro…vamos.
NARRADORA – E a unicórnio Luz, vai com os pais, feliz, passear a noite toda, corre com eles, livremente pelos campos, herdades, montes, e vales…ri com eles, brinca com eles, feliz, relincham de felicidade, trocam muitos mimos, comem erva e bebem água, e falam de tudo. Estão felizes por estarem juntos, em liberdade e a Luz passou a viver com os pais, na corte onde respeitavam todos os animais, onde todos andavam à solta, eram muito bem alimentados, e muito acarinhados, e adorados pelos humanos…levando-os a passear, e defendendo-os com coices sempre que os seus donos estavam em perigo. Mas a Luz, e os seus pais, ainda se tornaram mais livres, por poderem expressar e mostrar aos outros, os seus verdadeiros sentimentos, sem máscaras, e até os humanos mostravam sem medo e sem vergonha o que sentiam. Eram ouvidos por todos, e sabiam ouvir, compreendiam e ajudavam a animar quando estavam tristes. A Luz conquistou a sua liberdade, tão sonhada…a liberdade de poder e de querer ser respeitada, a liberdade de escolher ser livre e feliz, a liberdade de mostrar os seus verdadeiros sentimentos sem máscaras, sem medo que os outros se afastassem…porque como eram verdadeiros amigos, e gostavam mesmo muito uns dos outros, respeitavam os sentimentos, não gozavam nem humilhavam, porque todos os seres vivos têm sentimentos, e uns dias estão melhores, outros dias estão piores…faz parte! O ser humano não devia usar máscaras, e todos devíamos respeitar os sentimentos…bons e menos bons…e saber estar ao lado de quem precisa, em vez de usarmos o silêncio, ou de virarmos as costas aos amigos só porque eles estão tristes…até porque…a verdadeira amizade não existe só nos momentos de felicidade e de festa! Os sentimentos existem, em todos nós, e todos nós devíamos…e devemos mostrá-los sem medo…sem os disfarçar…pois somos todos seres humanos e todos precisamos uns dos outros…quanto mais não seja, precisamos muitas vezes de partilhar com alguém o que sentimos, e que às vezes nos faz tão mal, se não dividirmos…! Se todos fizéssemos isso, todos seriamos muito mais felizes, muito mais humanos, e muito mais saudáveis. Temos liberdade…pelo menos…liberdade para sermos quem somos, sem máscaras, e temos o direito de sermos bem tratados, e acarinhados, e amados…! E temos a liberdade para sermos livres, nos sonhos e no dia-a-dia. 




FIM
LÁLÁ
17/AGOSTO/2012


O JARDIM CONSTRUIDO PELA MENINA…












foto de Lara Rocha 
            Era uma vez uma pequenina aldeia perdida num monte muito alto. O acesso para aqui entrar era em Terra, e aqui viviam poucas pessoas. Numas casas em pedra, que trabalhavam na cidade, mas todos cultivavam os seus campos. Todos os habitantes eram amigos, respeitavam-se e ajudavam-se…eram como família.
        Adoravam este recantinho da natureza. Certo dia…uma menina pequenina, vai passear com o cãozinho, pela montanha e não muito longe da sua casa, no caminho, a menina depara-se com um cenário desolador que ela nunca tinha reparado. O cão foge para o terreno completamente maltratado, ao abandono…uma parte incendiada e preta…outra parte…com ervas enormes e amontoadas.
Ááááááhhhh…! Nunca tinha visto isto…! Como pode ser? Mas…isto é perto de casa…e eu passo aqui…Como é que nunca tinha visto…? Que feio…! Não acredito! Quem foi o criminoso que fez esta maldade? Isto não pode ficar assim…A mãe natureza deve estar muito, muito mesmo muito zangada por lhe terem feito isto! Tenho de dizer aos Avós, aos Tios e aos meninos que este sítio é muito feio…e não pode ser…feio! Tudo aqui é lindo, mas este pedaço não! Que horror…Onde é a entrada para aqui…? - exclama a menina chocada com o que estava a ver 
        A menina começa a procurar, e de repente passa um rebanho de ovelhas e cabras a bramir. Elas param.
Óh, óh…ovelhinhas, cabrinhas, bodinhos, cabritinhos e todos…os outros… por favor…preciso da vossa ajuda. Olhem…quando tiverem muita fome…ou…fome…comam estas ervas horríveis, está bem? Mas não demorem muito está bem? Arranjem fome rápido…é que eu preciso de entrar aqui…neste terreno…quer dizer…eu gostava de entrar, mas nem sequer vejo a entrada. Será que tem entrada…? Se a encontrarem digam-me está bem? Será que…elas me entenderam? Aaaaaahh…acho que não…Que pena…queria tanto entrar aqui, e queria tanto ver isto de outra maneira…! Anda bicho… vamos dar uma voltinha…não quero ver mais esta coisa feia…tudo preto…e assim…cheio de ervas que parecem cobras gigantescas de pé! Sou tão pequena…que não posso fazer nada por isto…sozinha! Óhhh…porque é que eu ainda sou tão pequena…se eu já fosse grande, já podia fazer alguma coisa por isto, tratar deste pedaço de terra…plantar aqui coisas…! E estas…também já vi que não vão fazer nada! Eu volto aqui mais tarde com alguém crescido.
        A menina continua a andar, triste. O rebanho cheira as ervas daninhas, e come-as todas, num abrir e fechar de olhos…fica tudo limpo, e deixam um portão de madeira à mostra. Depois de as comer, voltam para a sua corte. A menina passa por ali novamente e nem quer acreditar no que vê.
Ááááhhh…mas…onde estão as ervas chicotes…? Claro...As ovelhinhas…as cabrinhas…os bodinhos e os outros comeram-nas! Boa…! Obrigada! Mas…este portão não estava aqui…Ou…se calhar devia estar tapado com as ervas…óhhh…muito obrigada amigas e amigos…Será que se pode entrar? Eu…vou entrar…anda bicho! Vamos ver o que há ali.
        Ela abre o portão, e entra, mas vê outra vez o terreno queimado de um lado, e do outro lado, um pedaço de terreno seco, sem uma única flor.
Óóóhhhh…não há uma única flor aqui…mas…como é possível…?
        De repente levanta-se uma forte ventania e leva Terra pelo ar. Juntamente com a Terra e com o vento, vem sementes de flores a voar, uns nabinhos de mais flores no bico de uma cegonha, e outras flores são trazidas nas patinhas de um bando de lindas borboletas. A menina fica estarrecida a olhar para aqueles animais…o que irão fazer…? Ela fica a ver. Depois da ventania parar, uns passarinhos pequeninos saltitam em cima da terra para a assentar e alisar. A cegonha e as lindas borboletas abrem buraquinhos e lá colocam os nabinhos e sementes de flores, tapam-nas delicadamente, espalhadas por todo o terreno…é lindo de ver! A menina sorri deliciada ao ver aquele movimento todo. No fim de plantarem, todos batem palminhas, e a voar vem uma séria de fadinhas pequeninas, levezinhas, lindas, brilhantes, de várias cores, com regadores, e despejam a água em cima da terra, e das flores. Ááááááhhhh…! Que lindo! A menina vê encantada, com um sorriso e todas batem palmas, a menina também.
Ááááááhhhh…que lindo! (sorri) O que vai sair daqui…? Plantaram qualquer coisa… Muito obrigada, amigas! Como é que adivinharam que eu queria plantar alguma coisa aqui…? Estava tão feio! Mas…sozinha…sou tão pequena, que…não ia conseguir! Muito obrigada! E muito obrigada, vento…porque limpaste toda aquela terra. Que bom! Não sei o que vai nascer aqui…mas…de certeza que vai ficar muito mais bonito do que estava!
        A cegonha, as borboletas, os passarinhos e as fadinhas batem palminhas sorridentes e retiram-se.
O que haverá mais para a frente…? Será que vive alguém aqui…? E animais? Haverá… - pergunta a menina, feliz 
        De repente…enquanto a menina pensava, e tentava descobrir as respostas, passa por ela a correr um lindíssimo unicórnio e vai para o campo, igualmente seco, mas com alguma erva e um laguinho. A menina assusta-se, mas segue o Unicórnio para ver onde vai.
Óóóhhhh…coitadinho do Unicórnio…isto está tão seco…como é que eles arranjam alimento? E…onde é que vão beber água? Um lago…? Deve ser ali (espreita) Óóóhhhh… não tem água…! Que mau! Coitadinhos dos bichos…Vou pedir aos adultos para me ajudar a encher isto…os bichos não podem ficar sem beber…nem sem comer. Devem ir comer e beber a outro sítio…mas não é justo…se eles vivem aqui…devem ter aqui tudo! - diz a menina 
        A menina acabei de fazer isto e por cima do lago aparecem várias nuvenzinhas, a estourar de água…pesadíssimas…encostam-se umas às outras, abraçam-se, e despejam litros de água que num instante enchem o lago…e outras nuvens maiores, juntem-se e enchem o depósito de água…uma água muito limpa, pura e fresca. A menina fica estupefacta, surpresa e encantada…maravilhada. Ela molha as mãos e a cara na água do lago, com um grande sorriso, e bebe a água do depósito.
Ááááhhh… que boa! - suspira a menina sorridente 
Podes beber à vontade…é pura…limpa…fresca…e nunca faltará água para os animais que aqui vivem! - convida a nuvem, sorridente 
Óóóhhhh…muito obrigada, nuvens…Eu estava triste, porque passei por um unicórnio e…pensei que…como estava tudo seco…ele não teria que comer nem beber! E se houvesse aqui mais animais também…coitadinhos! Eu queria trazer-lhes água…e comida…encher este lago…mas…sozinha…não podia fazer nada…nem conseguia sou tão pequena…que só podia fazer alguma coisa com os grandes! Muito obrigada, nuvens! - comenta a menina sorridente, e feliz 
Voltaremos! - garantem as nuvens 
        A menina olha em volta e não vê uma única erva…mas vê uma série de casais de coelhos.
Óóóhhhh…que lindos coelhinhos. Vivem aqui…? Não tem que comer.
Comemos e bebemos noutros sítios, mas vivemos aqui! - diz a coelhinha 
Água já têm ali…no lago! Podem beber…! - diz a menina 
        Os coelhos desatam a correr para o lago e ficam felizes, maravilhados a contemplar a água! Deliciam-se com a água e um deles assobia…e aos coelhos junta-se uma manada de unicórnios, cavalos, éguas que correm livremente, e pássaros…e outros animais que se reúnem à volta do lago para beber e refrescar-se, felizes. A menina observa maravilhada, sorri.
Que liiiindoooss…! Tantos animais que vivem aqui. Só falta comida para eles…
        A menina diz isto, e de repente vê várias famílias de joaninhas e borboletas, a ajudar os anões a semear relva e erva e outras plantas, tenras e suculentas para alimentar todos os animais. Elas alisam a terra, abrem os buraquinhos, e plantam e tapam. As nuvens aparecem novamente e despejam toneladas de água pelo terreno todo. Todos apreciam deliciados, batem palmas.
Muito em breve, todos terão alimento mais que suficiente para não precisarem de procurar noutros sítios! - diz um anão a sorri
(Todos batem palmas e a menina saltita feliz e sorridente).
Muito obrigada, anões, anãs, joaninhas, borboletinhas, e nuvens…! Eu queria que estes bichos tivessem todos alimento…mas sozinha…não podia, nem conseguia fazer nada. Agora, estou muito, muito feliz! Estava tudo tão feio…seco…escuro…maltratado…muito obrigada, amigos…agora…tudo está a ficar muito mais bonito! Faltava aqui…também…mais árvores…para dar sombra e fresco para os animais… - diz a menina sorridente 
        Os anões prontamente, e em conjunto com passarinhos e joaninhas, e formigas, todos plantam sementes de futuras árvores, que farão sombra. As nuvens regam as plantações. Todos batem palmas felizes.
Muito em breve haverá muitas árvores de fruta e que farão sombra. - diz outro anão 
(Todos os animais batem palmas).
Óóóhhhh…muito obrigada!  Agora sim…um terreno que parecia uma gruta…abandonada…vai ficar um recanto de natureza…liiiinndddoooo…! Mas…o que fazer naquele terreno feio, queimado…? - diz a menina 
        A menina diz isto, e nesse terreno queimado, levanta-se uma grande ventania, e varre toda a terra queimada. Depois…outra ventania arrasta sementes de flores, de árvores, erva, e de frutas e legumes que vem não se sabe de onde…pelo ar…e aterram na terra. Os anões vão para lá e com a ajuda das borboletas, dos passarinhos, da cegonha, das fadinhas e das nuvens, o terreno fica repleto de plantações, já bem regadas e muito em breve todos terão uma surpresa muito boa. A menina e todos ficam felizes, batem palmas.
Muito obrigada a todos…! - diz a menina a sorrir 
Volta cá daqui a uns dias, e verás o que vai acontecer. - diz a anã 1 a sorrir 
Está bem…tenho a certeza que vai ser tudo muito bonito! Muito obrigada a todos…sem vocês não conseguia fazer nada…por muitas coisas que quisesse fazer por este terreno que era feio, assustador…abandonado…sou pequena…sozinha não conseguia. 
        A menina regressa a casa muito feliz. Os anões e todos os animais melhoram o terreno, plantam mais coisas, concertam o caminho, colocando pedras. Constroem mais fontes e mais lagos com estátuas, constroem mesas e cadeiras para que se possa estar à sombra e a conviver…transformam aquilo numa linda aldeia em miniatura, com casinhas novas para os animais, cafés, restaurantes…! De noite, os índios das estrelas e da floresta lançam estrelas brilhantes sobre as plantações e alguns dias mais tarde, tudo começa a nascer! A menina volta lá, e todos apreciam as belezas que começam a despertar da terra, e passeia pela aldeia, vê as obras feitas e convive alegremente com os animais. E rapidamente…tudo cresce…lindo e fresco…a relva forte, grande, tenra, suculenta, e fresca que alimenta todos os animais, e de seguida nascem centenas de flores por todo o lado…muito variadas, com uma cor só, e com cores misturadas. Todos os animais convivem e caminham livremente, felizes, naquele espaço novo. E esse terreno que era assustador, estava ao abandono, com o trabalho em conjunto, a dedicação e o carinho de todos, renasceu mais um recanto de natureza maravilhoso. Todos batem palmas, felizes
Muitos parabéns, e muito obrigada a todos vocês! Graças a todos, graças à vossa dedicação, carinho e amizade…e por terem trabalhado todos juntos, tornaram possível a vida e a paz entre a Natureza…! Graças a todos vocês, o meu sonho tornou-se possível e realidade. (p.c) Está tudo lindo. - diz a menina a sorrir 
        Todos batem palmas, e fazem um lanche colectivo, onde cada um levou alguma coisa, e juntaram tudo numa grande festa, todos convivem alegremente, comem, bebem…umas cigarras, uns grilos, uns sapos, umas rãs, e uns passarinhos, que pertencem todos a um coro, cantam e tocam, alegremente, os outros dançam, riem, cantam, batem palmas…! Há muita água e muita comida…ar puro, erva, flores de todas as cores e feitios e tamanhos…e todos adoram viver lá…todos são felizes! Pois é…não se esqueçam…todos precisamos uns dos outros, e não fazemos nada sozinhos. Cada um sabe fazer uma coisa, todos sabem fazer as mesmas coisas…e todos juntos se completa um projecto. Para concretizar uma obra são precisas mais que uma pessoa…e para construir o que quer que seja, são necessárias muitas pessoas. O importante é sabermos viver e conviver uns com os outros, respeitarmo-nos uns aos outros, e aceitar o que cada um nos dá…todos aprendemos uns com os outros…e com os outros…a nossa vida é muito mais feliz e rica…recheada! Não se esqueçam de ser amigos…e todos juntos podem fazer coisas muito bonitas…tornar o nosso Mundo muito mais agradável e feliz.

FIM
Lálá
(24/Agosto/2012)


 

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

CIGARRAS, GRILOS, SAPOS, RÃS E PATOS

                                                               foto de Lara Rocha 

NARRADORA – Era uma vez um terreno que ficava numa casa de campo. Nesse campo havia um ribeiro, onde inicialmente só viviam rãs e sapos, em paz, com as pessoas da casa. Os bichos não invadiam o terreno cultivado dos habitantes, nem estragavam as culturas, apenas ficavam na sua zona de habitação…as bermas do ribeiro…as pessoas não mexiam com eles, e até gostavam de os ouvir coaxar. Tudo corria bem, até que, chegou o Inverno, e com ele, uma série de tempestades, com trombas de água, chuvas fortes, trovoadas e ventos quase ciclónicos. A população estava muito assustada, pois aquela intempéria nunca tinha acontecido…quer dizer…sempre chovia e trovejava…e havia ventos, mas com tal intensidade, nunca! As tempestades levaram tudo à frente, até uns grilos: uns e umas, foram pelo ar, arrastados pelo vento, uns e outras foram levadas na corrente de chuva e lama que se formou…e uma família de patos também foi arrastada do sítio onde estava, para outros. Os bichos gritavam assustados e não se seguravam com a ventania e com a chuva, procuravam de todas as maneiras segurar-se, mas sem sucesso. Enquanto eram levados pela água e pelos ares, davam cambalhotas, enrolavam-se, batiam contra troncos e paus e até em pedras, mas mesmo mal tratados, lutavam desesperadamente para sobreviver. E conseguiram! No fim da tempestade, ainda com um céu assustador, e a arfar, muito assustados e até magoados foram todos parar ao terreno onde viviam os sapos e as rãs, que também sentiram um pouco a tempestade, mas conseguiram refugiar-se debaixo e em cima de um pequeno canal de pedra que servia de regadio aos campos. Os animais que foram arrastados, estavam perdidos, não faziam a mais pequena ideia onde estavam, levantam-se, olham em volta.


GRILO 1 – Eeeeeeeiiii….Acabou o pesadelo?


GRILO 2 – Desculpa decepcionar-te, mas não foi um pesadelo!


GRILO 3 – Tinhas que estragar tudo!


GRILO 2 – Quem?


GRILO 3 – Tu mesmo!


GRILO 2 – Mas…porquê?


GRILO 3 – A culpa é tua.


GRILO 2 – O que é que eu fiz?


GRILO 3 – Fizeste a tempestade!


GRILO 2 – O quê? (p.c) Não sou eu que faço as tempestades…não sou eu que mando no tempo.


GRILO 1 - O que é que se passa contigo, amigo?


GRILO 3 – Não foi um pesadelo…foi bem real! Nós…viemos arrastados na corrente.


GRILO 4 – Alguém sabe dizer onde estamos?


(Olham em volta)


TODOS – Em casa!


GRILO 4 – Em casa…?!


TODOS – Sim!


GRILO 1 – Nós passamos por um pesadelo…estávamos a sonhar…só pode ter sido.


GRILO 3 – Não! Nós não estávamos a dormir, nem sonhamos…! Viemos água abaixo!


GRILO 4 – Não estamos na nossa casa, pois não?


TODOS – Não!


GRILO 3 – A culpa é toda vossa!


GRILO 2 – Cala-te com isso…


GRILO 1 – Não liguem, amigos, ele deve ter batido com a cabeça…não sabe o que está a dizer…!


GRILO 4 – Bem…não percebi nada do que nos aconteceu…sei que…dei uma série de cambalhotas.


GRILO 1 - É simples…fomos apanhados numa tempestade.


TODOS – Óóóóhhh…!


GRILO 2 – E agora como vamos voltar para a nossa casa?


GRILO 4 – Pode ser que descubramos onde estamos e que vejamos se estamos perto ou não…!


GRILO 1 – Sabem de uma coisa…não sei onde estou, mas estou feliz por estar convosco, amigos, e por estarmos vivos…! O resto…vamos resolver quando der!


(Abraçam-se uns aos outros)


NARRADORA – Grande lição…é bem verdade! Que lindo…A amizade e o carinho e a união. Entretanto, as cigarras que foram arrastadas tossem sem parar…pousadas em Terra, sacodem as asas que não tocam e espirram, estremecem…os grilos que vieram pelos ares, caem no solo…levantam-se a gemer, esticam as asas, e as patas, e também não tocam, saltitam para sacudir a água, e caem de fraqueza. Os grilos de água vão ter com os outros e com as cigarras para os ajudar.


CIGARRA 1 – Mas…o que aconteceu?


CIGARRA 2 – Ai…não sei, mas acho que não foi boa coisa!


CIGARRA 3 – Parece que fiz uma maratona…!


CIGARRA 4 – Eu também! Estou tão cansada…!


CIGARRA 1 – Andei aos trambolhões…o resto não me lembro!


CIGARRA 7 – Eu…bati em várias coisas…não sei em quê.


GRILO 1 – Está alguém ferido?


(Todos olham-se e olham uns para os outros)


TODOS – Não!


GRILO 5 – Eu…acho que vim pelos ares!


GRILO 6 – Eu também…mas não conseguia ver nada!


GRILO 7 – Ainda estou atordoado!


GRILO 8 – Eu também.


CIGARRA 1 – Óóóóhhh…estou encharcada… (tosse) não consigo…tocar…quer dizer…cantar…ai…não…O que é que eu faço…?! (p.c) Esqueci-me!


CIGARRA 2 – Eu também não sei o que faço…


CIGARRA 3 – Nós…tocamos…e…cantamos…acho eu!


CIGARRA 4 – Sim…mas com esta água toda!


GRILO 5 – Como é que vamos tirar estes litros de água de cima de nós?


GRILO 6 – Não sei…também gostava de saber…porque…estou a ganhar gelo nas minhas asas…e nas minhas patas!


TODOS – Eu também!


GRILO 1 – Pessoal, estamos todos encharcados, mas lembrem-se…não perdemos ninguém, certo?


GRILO 2 – Vocês estão todos?


TODOS – Sim…certo.


GRILO 1 – Então…estamos vivos, certo?


TODOS – Sim…!


CIGARRA 5 – Se nos estamos a ver…acho que estamos vivos…em princípio…!


TODOS – Sim!


GRILO 1 (sorri) – Então…devíamos estar felizes!


GRILO 2 – Eu…estou todo esborrachado.


TODOS – Estamos todos!


CIGARRA 6 – Mas o grilo tem razão…nós fomos fortes…sobrevivemos àquela coisa que nos levou pelos ares e pela água.


GRILO 6 – Mas isso é bom…!


TODOS – Pois é!


GRILO 8 – Mas não sabemos onde estamos!


GRILO 1 – E o que é que isso importa, agora, neste momento?


TODOS – Importa.


GRILO 1 – Havemos de encontrar a saída…de ficar secos…e de recomeçar…se não for naquele sítio onde estávamos, será noutro qualquer.


TODOS – Sim!


CIGARRA 8 – Olha…e se nos abraçarmos uns aos outros…para ver se a água seca?


GRILOS (sorriem) – Boa!


GRILO 4 – Nós já nos abraçamos há bocado, por estarmos juntos e vivos…!


GRILO 2 – Mas abraçamo-nos outra vez!


TODOS – Claro!


CIGARRA 3 – Pode funcionar!


GRILO 1 (sorri) – Estou muito feliz por vos reencontrar queridas cigarras!


CIGARRAS (sorriem) – Nós também…!


CIGARRA 6 – Eu faço qualquer coisa para recuperar o meu…cantar…ou…o que toco…não sei bem!


TODAS – Eu também!


NARRADORA – Abraçam-se uns aos outros, as cigarras e os grilos. Dão abraços bem apertados, cheios de carinho, amizade e sinceridade. Abraçam-se até passar por todos, sorriem, felizes. E esta foi uma grande ajuda! O calor do carinho, da amizade e dos abraços secou uma grande quantidade de água das asas…e já conseguem fazer algum som…a amizade e os sentimentos eram tão verdadeiros que até o sol voltou a brilhar. Todos festejam alegremente.


CIGARRA 7 (sorri) – E se…dançarmos?


TODOS – Boa!


NARRADORA – Começam todos a dançar, abanam bem as patas e as asas e recuperam os sons totalmente. Ouve-se os seus sons com nitidez. Os dois casais de sapos e rãs, observam os bichos a dançar e a fazer uma barulheira…


RÃ 1 – Mas o que é isto?


RÃ 2 – Não sei…acho que são animais!


RÃ 3 – Parece uma manifestação…!


RÃ 4 – Será algum ritual?!


RÃ 1 – Huuummm…não me parece!


RÃ 2 – Eu nunca vi daquelas coisas por aqui…!


RÃ 3 – Eu também não…de onde raio terão vindo.


RÃ 4 – Se calhar perderam-se na tempestade!


RÃ 1 – São muito estranhos…!


RÃ 2 – Isto estava tão sossegado…!


RÃ 3 – Achas que são novos vizinhos?


RÃ 4 – Ai, espero bem que não! Ao menos que estejam só a festejar alguma coisa, ou a protestar, porque se vem para aqui morar…ai, ai…! Vamos ter problemas.


TODAS – Pois vamos.


SAPO 1 – Mas que raio é isto?


RÃ 1 – Era isso que estamos aqui a tentar descobrir…!


RÃ 2 – Conhecem?


SAPOS – Não!


SAPO 2 – Novos vizinhos…? Não posso acreditar…!


SAPO 3 – Parece um bando de malucos, de uma tribo qualquer…ou um bando de macacos aos guinchos e pinchos…ou…ETS…!


SAPO 4 – Espero que não tenham tido a infeliz ideia de vir instalar-se aqui!


SAPOS E RÃS – Também acho!


SAPO 1 (a brincar) – Ainda se fossem gajas jeitosas…!


(Os sapos riem, mas as rãs não acham piada, e abanam a cabeça).


SAPO 1 (embaraçado) – Claro…não há rã mais bonita, que a minha…com todo o respeito pelas outras…a minha é a melhor de todas!


RÃ 1 (zangada) – Mau era!


SAPO 1 (sorri) – Tu sabes que és a melhor, meu amor…minha princesa sapeca…! Linda…!


(As rãs riem)


RÃ 1 (a rir) – Pois, pois…e eu nasci ontem…!


SAPO 1 (sorriso malicioso) – Só estava a dizer aquilo, porque sempre seria mais agradável para nós, ver…e termos como vizinhos…uns iguais a nós…!


TODOS – Pois…claro…!


RÃS – Claro, claro…!


RÃ 3 – Cruzes…só fazem barulho!


SAPO 3 – Deve ser algum daqueles festivais de Inverno, não…?


TODOS – Aqui…?


RÃ 4 – Nem me digas uma coisa dessas…esses festivais deixam – me louca!


RÃS – A mim também!


NARRADORA – Passa a família de patos, com os filhotes, muito aflitos e assustados. Os sapos e as rãs observam em silêncio. Os pais patos contam os filhos todos, várias vezes. A pata está estafada e para quase a boiar.


PATA – Ai…! O que nos aconteceu?


PATO – Fomos apanhados numa tempestade.


PATA – Acho que não estou inteira…! Mas se estamos todos, estou mais descansada.


PATO – O que te falta…?


PATA – Além do meu coração…acho que me faltam partes do corpo…!


PATO – Falta-te o coração…mas…mas…tu estás aqui, a falar connosco…e a mexer…!


PATA – Querido, é uma forma de expressão, para transmitir a minha tristeza…o meu coração ficou lá…! Entendes?


PATO – Acho que sim! Eu também não estou feliz…está-me a custar muito, porque eu gostava mesmo daquele sítio…ainda tenho esperança de voltar a reencontrar aquele sítio! Depois de passar esta tempestade…! (p.c) Talvez não estejamos longe.


PATA – Não faço a mais pequena ideia…


PATO – Não te preocupes, princesa…tens tudo no sítio e continuas linda e jeitosa como sempre!


PATA (ri) – Óh, meu anjinho…és sempre o mesmo sedutor, engatatão…! Nem depois do susto que passamos hoje, tu apagas essa fogueira de paixão por mim.


PATO (ri) – Claro…és a minha mulher! Agora ainda mais porque estou vivo e porque estamos todos juntos com os nossos tesouros...


PATA (sorri) – Tens razão, amor.


PATO (sorri) – Sem casa não ficamos garanto-te!


RÃ 1 – Mais intrusos…?


RÃ 2 – Ai, não…!


RÃ 3 – O que é que estes estão aqui a fazer no nosso território, também?


RÃ 4 – Mas que chatice…não há paz…?


SAPO 1 – Óh, sorte…!


SAPO 2 – Esperem…estes podem ser da casa.


SAPO 3 – Pois…os senhores tem uns parecidos…!


SAPO 4 – Se forem dos senhores, temos de nos calar e deixá-los.


RÃ 1 (grita) – Eeeeeeeiiii…peludos…aí da água…!


RÃ 2 – Não são peludos…acho que são escamosos, ou lá o que é aquilo que os cobre…! 


RÃ 3 – Até parecem pássaros…


RÃ 4 – Aqueles…corvos, ou…abutres…?


(As rãs e os sapos começam a coaxar em coro. Os patos olham).


PATO – Estão a falar connosco?


TODOS – Sim.


PATO – O que é que querem seus monstros do lodo…?


RÃ 2 – O que é que tu nos chamaste…? Repete lá…?


PATO – Ogres…viscosos…monstros do lodo…!


SAPO 4 – Ai, ai, ai, ai…! Que falta de respeito pelas senhoras.


PATO – Olha, olha…tens uma moral para falar…!


SAPO 4 – Tenho o quê?


PATO – Não tens vergonha nas fuças…!


SAPO 4 – Eu…? Vergonha…? De quê? Sempre fui um borracho! Tenho muito orgulho em ser como sou.


PATO – Disseste que eramos o quê, óh sapalhona sem vergonha…?


RÃ 1 e 2 – Peludos…escamosos…!


PATO – Não temos escamas, nem pêlos…! Temos penas.


RÃ 2 – Não interessa…! Queremos saber o que é que estão a fazer aqui…na nossa casa!


PATO – Desculpem…?


PATA – Na vossa casa…? Desde quando?


RÃ 3 – Isso perguntamos nós! (p.c) Quem é que vos autorizou a entrar aqui…a invadir descaradamente o nosso território?


PATO – O quê?


RÃ 4 – Sim, vocês apareceram aqui, caídos sabemos lá de onde…mas nós sempre estivemos aqui!


PATO – Estou a ver que têm uns cornos muito grandes…são tão grandes que mais ninguém cabe aqui não é?


SAPOS E RÃS (indignados) – Áááááááhhhh…! Cornos…?! Nós…?


PATOS – Sim.


(Os sapos e as rãs olham uns para os outros)


SAPOS E RÃS – Cornos…? Onde…?


RÃ 1 – Vocês andam-nos a trair, é, seus tarados?


SAPOS – Claro que não…!


SAPO 1 – Como é que vos andamos a trair se não saímos daqui, da vossa beira…!


RÃS – Isso não quer dizer nada…


RÃ 2 - Também não andamos sempre enganchados…


PATO – Ai, santas ignorâncias…além de escorregadios, nojentos…ainda são burros que nem calhaus…!


PATA (indignada) – Devem achar que têm um rei na barriga…! Não vimos placa alguma a dizer que isto tinha dono, muito menos a dizer que os donos eram sapos e rãs! (p.c) Nós nem sabemos onde estamos, nem como viemos aqui parar!


TODOS (irónicos) – Coitadinhos…


SAPO 2 – Dá muito jeito não se saber certas coisas…principalmente quando não assumimos que invadimos propriedade alheia…!


SAPO 3 – Foram apanhados com a boca na botija…agora estão a inventar desculpas esfarrapadas para ficarem bem na fotografia…!


PATO – Onde está a máquina fotográfica…?


PATA – Vocês são uma coisa horrível!


SAPOS E RÃS (a rir) – Obrigada, obrigado…nós sabemos!


SAPO 1 – Vamos fazer queixa de vocês!


PATOS (indignados) – O quê?


PATA – A quem?


SAPO 1 – Aos donos desta casa, por invasão de propriedade alheira…


RÃ 1 – Alheia…idiota…propriedade alheia!


SAPO 1 – Ou isso…


PATO – Façam…pode ser que eles saibam dizer onde estamos!


PATA – Nós fomos arrastados pela chuva! (p.c) Viemos parar aqui…que nem sabemos onde é! Nem se estamos longe ou perto da nossa antiga casa…!


RÃS – Que tristeza…!


PATA – Sim, é verdade!


RÃ 3 – Então devem pertencer ao grupo daqueles maluquinhos que estão ali aos pinchinhos e guinchinhos…a fazer uma barulheira infernal.


NARRADORA – Os patos chamam os grilos e as cigarras, e vão para terra. Reconhecem-se, e cumprimentam-se alegremente, e os patos também começam a grasnar, as cigarras e os grilos cantam alegremente. Os sapos e as rãs protestam e coaxam barulhentamente e instala-se a confusão. Os sapos e as rãs gritam…


SAPOS E RÃS – Fora daqui…rua…xôôôôôôô…!


SAPO 1 – Malditos…!


SAPO 2 – Ponham-se a andar…!


SAPO 3 – Seus descarados…


SAPO 4 – Invasores miseráveis!


RÃ 1 – Vão fazer barulho para outro lado.


RÃ 2 – Fooooooorrraaaaaa…!! 


NARRADORA – Há gritos, troca de insultos, encontrões, algumas sapatadas e bicadas e patadas, e luta. De repente, uma linda borboleta que também vivia numa flor desse território grita muito zangada:


BORBOLETA – Caaaaaaaaaaaaaaaaaallllleeeeeeeemmmmmmm – seeeeeeee…..!


NARRADORA – Faz-se silêncio e todos olham para a linda borboleta, que está com cara de má, e de mãos fechadas, preparada para bater se for preciso. Eles nunca viram uma borboleta naquele estado…completamente fora dela.


SAPO 1 (surpreso) – Quem és tu?


BORBOLETA (grita) – Não vês o que é que eu sou? (p.c) Nem com esses olhos enormes, quase a sair de órbita? (p.c) És mesmo muito ignorante, se não sabes o que é que eu sou!


SAPO 1 (assustado) – Aparentemente és uma borboleta!


SAPO 2 – Pareces mais um monstro!


BORBOLETA (grita) – Não quero saber o que é que tu achas de mim…pensar o que quiseres! (p.c) Eu quero saber é que raio de confusão é esta aqui…?!


SAPO 3 – Estes invadiram o nosso território!


BORBOLETA – Quem?


RÃ 1 – Estas coisas! Com pernas…e…asas!


BORBOLETA – Não são coisas…são animais! Patos…e…cigarras e grilos! (p.c) Porque é que vocês, seus sapóides horríveis, se vieram meter com eles? (p.c) Eles estavam a mexer convosco?


SAPOS E RÃS – Não!


SAPO 1 (resmunga) – Estavam a fazer um barulho infernal.


CIGARRA 1 – Nós só estávamos a cantar!


GRILO 2 – Pois…estes é que não sabem apreciar o que é música…e o que é bonito de se ouvir.


GRILO 1 – Estávamos a festejar por estarmos vivos…bem…e juntos!


CIGARRA 2 – Sim, porque escapamos à tempestade…quer dizer…fomos mudados de sítio, arrastados pelas águas e pelos ventos…andamos às cambalhotas, mas não tivemos problemas de mãos e chegamos todos ao mesmo lugar, estamos juntos!


BORBOLETA (sorri) – E isso é mesmo motivo para festejar!


RÃ 3 – Mas podiam ir festejar para outro sítio!


SAPO 4 – Pois! E não para o nosso terreno.


BORBOLETA – E se isso acontecesse convosco…se fossem vocês os arrastados pelas águas e pelo vento, e fossem parar a outro sítio qualquer…onde existissem uns monstros verdes…como vocês estão a ser…e vos expulsassem…? (p.c) Acham bem o que estão a fazer, seus ogres? (p.c) Parecem sapos saídos das cavernas (p.c) que coisa mais feia…seus…insensíveis!


RÃ 4 – Mas você também não gostava com certeza que estas aberrações invadissem a sua Terra pois não?


BORBOLETA (zangada) – Óh, coisa escorregadia…! Desde quando é que a Terra tem dono? E logo vocês… (p.c) Os donos desta terra onde vocês se instalaram, são os humanos, e nem por isso eles vos expulsam. (p.c) Porque é que estão feitos esquisitos? (p.c) Deviam receber bem estes amigos? (p.c) Eu estou aqui muito, muito tempo antes de vocês existirem…e nem por isso vos chutei.


RÃS E SAPOS – Eles não são amigos!


BORBOLETA – Porquê? Fizeram-vos algum mal?


RÃS E SAPOS – Não!


BORBOLETA – Então…? (p.c) Claro que não são amigos…nem inimigos! (p.c) Até devem ser bons amigos, só que vocês, com essa arrogância e superioridade…sem qualquer razão para a ter… nem se preocupam em falar com eles, em saber coisas deles, em acolhê-los…não viram o exemplo deles?


Rã 2 – Eles são muito diferentes de nós!


BORBOLETA – E só por causa disso, não merecem a vossa amizade, simpatia e acolhimento? (p.c) Mas que grandes convencidos? (p.c) Vocês também são todos diferentes dos vossos amigos…se é que os têm!


RÃS E SAPOS – Sim…!


BORBOLETA – Porque é que eles são diferentes?


SAPO 1 – Porque nós somos sapos e rãs…anfíbios, e eles têm…penas…e…asas!


BORBOLETA – E depois? (p.c) Temos de ser iguais aos nossos amigos?


SAPOS E RÃS – Não!


BORBOLETA – Então…? (p.c) Porque é que não fazem todos uma festa para falarem e conhecerem-se.


GRILOS, CIGARRAS E PATOS (sorriem) – Excelente ideia!


SAPOS E RÃS – Huuuuummmm…


GRILO 1 – Tenho uma ideia melhor…e que tal…assistirem a um concerto nosso?


SAPOS E RÃS – Huuuuummmm…


SAPO 1 – Barulho?


GRILO 1 – Façam o seguinte…sentem-se por aí, e ouçam a nossa voz linda…vão adorar!


BORBOLETA – Claro…! Isso mesmo! (p.c) Ouçam…calados, e até podem fechar os olhos.


SAPOS E RÃS (sorriem) – Está bem!


RÃ 1 – Podemos experimentar…mas se não gostarmos, vocês vão fazer barulho para outro lado!


BORBOLETA – Vamos ver quem é que vai fora! (p.c) Por favor, amigos…cantem…!


NARRADORA – Os sapos e as rãs sentam-se, vaidosos e desconfiados. Os grilos e as cigarras olham-se, combinam ligeiramente o que vão tocar, e cantam maravilhosamente, coordenados, em separado e em conjunto, muito afinados, e com suavidade, formam um coro delicioso! Parece uma música de fadas, com instrumentos feitos só com os seus recursos: asas, e patas…As rãs e os sapos estão boquiabertos, surpresos e deliciados com as músicas. Deixam-se levar pelas canções e pelos sons das cigarras e dos grilos, ficam embalados, batem muitas palmas e de repente, um grilo sugere:


GRILO 1 – Gostaram?


SAPOS E RÃS – Adoramos!


SAPO 1 – Uuuuuuuuaaaaaaaaaaaaaaauuuuuuuuuuuu…!


SAPO 2 – Maravilhoso…


RÃ 1 (sorridente) – Que doçura!


RÃ 2 (sorridente) – Até ainda estou arrepiada de emoção…que lindo…!


GRILOS E CIGARRAS (sorriem) – Obrigado! Obrigada!


GRILO 2 – Olhem…não querem experimentar cantar connosco?


BORBOLETA (sorridente) – Sim…sim…façam isso!


RÃS E SAPOS – Vamos a isso…!


NARRADORA – E sem combinarem os sapos e as rãs começam a coaxar em conjunto e de forma coordenada, com os grilos e com as cigarras, e os patos servem de plateia, completamente rendidos, e deixam-se contagiar pela música, grasnando baixinho e abanando os corpos e as patinhas. A borboleta está encantada e dança feliz, bate palmas.


BORBOLETA – Que coro tão bonito! (p.c) Todos batem palmas a sorrir. (p.c) E se agora entrarem os patos…querem?


PATOS (sorriem) – Sim…!


PATO – Mas não vamos estragar?


TODOS – Não!


BORBOLETA (sorri) – Tenho a certeza que vai funcionar na perfeição…vai ficar…liiiiiiiiiiiiiiiiinnnnnnddddoooooo…! Ainda mais do que já era!


GRILO 1 (sorri) – Juntem-se aqui…vamos experimentar…primeiro…sapos e rãs…depois nós…depois…patos…e depois cigarras!


NARRADORA – Experimentam de várias maneiras, misturando vozes, divertidíssimos e encaixam na perfeição, o que constrói melodias encantadoras. A borboleta aprecia e sorri encantada, maravilhada, deliciada…bate muitas palmas, e diz.


BORBOLETA (sorri) – Que coro tão bonito! Estão a ver sapecos…? Vozes todas diferentes fizeram aqui músicas de embalar…lindas…doces…que bom que foi este momento de paz…! Estão a ver como podem muito bem viver no mesmo sítio, seres tão diferentes, e ser amigos?


TODOS (sorriem) – Sim! Pois é!


SAPO 1 – Pronto, está bem…convenceram-me! Podem ficar! (Os sapos e rãs pedem desculpa)


BORBOLETA – Se não deixasses tu, deixava eu!


NARRADORA – E a partir deste dia, sapos, rãs, cigarras, grilos e patos passaram a conviver alegremente com respeito e amizade uns pelos outros no mesmo território, e charco. Cantava, juntos todas as noites, fizeram almoços e jantares nas casas uns dos outros, ajudavam-se quando precisavam e tinham plateia para os ouvir: os donos da casa que os ouviam todas as noites, nas janelas e no campo; e outros animais da quinta que andavam à solta, como passarinhos, cães, gatos, às vezes os cavalos e lobos, as toupeiras, as formigas e as raposas…todos adoravam as músicas, os sons e as canções que produziam, batiam muitas palmas, dançavam e brincavam (p.c) Dava gosto viver naquele sítio, onde a amizade, o respeito e a música reinavam, e tornaram tudo tão bom! Viva a amizade e o respeito pela diferença…aliás…todos somos diferentes, mas se formos bons uns com os outros, podemos conhecer-nos, descobrir muitas coisas em comum e sermos felizes!






FIM


Lálá


(5/Agosto/2012)